Fernanda Paz é escritora, artista plástica e professora, autora de “O buraco e outras histórias” e “olhos de vidro”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A palavra rotina chega muito pesada ao meu corpo e sentidos. Acordo antes do sol para ir ao trabalho e quando chego em casa o sol já tem se posto. O dia é tomado da minha mão em troca do papel pintado que compra tudo. A minha rotina é cansativa e desgastante, pois o trabalho com crianças na realidade atual da educação pública exige muito do professor. A rotina limita a minha escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O meu cérebro se movimenta muito a noite, quanto mais tarde fica, mais as idéias fluem e a minha vontade é de que não amanheça. Geralmente uma idéia fica martelando na minha cabeça por dias, às vezes na madrugada com a presença da insônia ou em sonho as palavras vão se cruzando, nadando na minha mente, me atormentando até que eu chegue ao ponto de escrevê-las, quando é assim o texto sai inteiro e de uma vez só. Algumas vezes me sento exausta para ouvir música com um bloquinho na mão e uma cerveja aberta, sempre vem algo. Também anoto idéias soltas do dia a dia no bloco de notas do celular. Olhar as pessoas (conhecidas ou estranhas) como elas agem, seus desabafos e a forma de se relacionarem me deixa bastante criativa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Uso os momentos de férias ou feriados prolongados, não consigo me concentrar ou render nada em um dia comum. Meu espírito aventureiro quer paisagens novas, pessoas novas, lugares nunca visitados ou simplesmente um dia de ócio e as férias me possibilitam tais experimentos com mais facilidade e menos daquela tensão e agonia contida nos dias, o irônico é que mesmo assim meus textos se pautam nesses conflitos. Outro fato é que não consigo ter disciplina e metas no meu processo de escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando há uma idéia inspiradora, o texto consegue fluir numa velocidade impressionante, pareço uma escriba da minha própria mente, não a questiono de inicio, apenas escrevo tudo do modo natural que as palavras saem. Depois disso, faço uma leitura e os ajustes necessários, entretanto sem nenhuma intenção em tirar algo que mude a idéia inicial. Quando a idéia vem de um amadurecimento de anotações tenho muita dificuldade em definir como aquilo tudo acabará ou qual rumo a história deve tomar, penso em mil possibilidades, a insegurança nessas horas é uma companheira fiel. Às vezes abandono o texto no meio do caminho (tenho inúmeros textos abandonados), ou mesmo quando termino e publico fico sempre pensando que a história poderia ter tomado outro rumo ou que alguma palavra não caiu bem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É natural do ser momentos de introspecção e bloqueio. Tento não burlá-los. Quando me preocupo por estar muito tempo sem publicar nada, no mesmo instante penso, não é uma obrigação, a escrita nasceu em mim como um sentimento de necessidade, se não sai nada ou não tenho vontade de escrever é porque simplesmente não há o que ser dito naquele momento, então me tranqüilizo, não me imponho regras, fujo delas no dia a dia então porque inseri-las em um momento de prazer. Quero exatamente isto, que a escrita sempre seja para mim um momento de prazer, autoconhecimento e amadurecimento. E que a regra seja fugir de qualquer regra.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não costumo revisar muito, leio uma ou duas vezes. Se acontecer de eu ler muito um texto acabado, mudo tudo e vira um ciclo vicioso, nunca termino ou no fim não existe nada mais da idéia original e poucas vezes isso funciona. Então costumo evitar tantas leituras e correções, mostro o texto a alguém, geralmente ao meu companheiro que me diz algumas palavras que ajudam a decidir se mudo algo ou não, ou simplesmente se é algo extremamente louco e impublicável (às vezes perco o controle do aceitável).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho uma boa relação com a tecnologia, sofro com novos aplicativos, tento me relacionar bem com as redes, mas no fim pareço uma senhora inadaptável ao mundo. Não consigo ler durante muito tempo pela tela do computador, sinto dores de cabeça excessivas, prefiro pegar um livro na estante ou comprar alguma revista para folhear, acabo perdendo muito do que a internet oferece por esse motivo. Entretanto escrevo direto no computador, mesmo com o medo de quem sabe numa pani perder tudo que tenho. Já as idéias na correria do dia (frases/palavras soltas/versos) ficam registradas nos meus bloquinhos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Muitas das minhas ideias nascem de sonhos. Gosto de estar atenta a simplicidade das coisas. Conheci recentemente a eutonia, que é algo como tentar estar conscientemente presente em cada ação/momento vivido, uma busca da identidade corporal. Faço o básico de ioga e meditação por falta de tempo para estudos mais aprofundados, mas já me ajuda muito a conseguir certo equilíbrio e disposição. Viajo sempre que posso. Amo música e ela mexe comigo de uma forma intensa e motivadora, posso dizer que a música sempre está presente nas minhas criações. O cinema também é pra mim uma fonte de inspiração, sinto que tenho um pensamento um tanto cinematográfico o que vou escrever sempre me vem à mente como um filme e minha escrita é como um relato do que vejo no cinema da minha cabeça. Já falei sobre as pessoas, observá-las, ouvi-las. Não sei se faço tudo isso para me manter criativa ou simplesmente me manter viva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa muda pelo fato de estarmos em constante aprendizado, continuo escrevendo de uma forma direta, frases curtas, algum parênteses poético no meio de um acontecimento qualquer, uma realidade louca. O que sinto que mudou pra mim foram as idéias, o meu encontro cada vez mais intenso com a mulher que pulsa em mim, a forma que me vejo enquanto mulher hoje é diferente de quando eu ainda era uma adolescente desbocada escrevendo meus primeiros contos, isso mudou e eu prezo muito pelo não ofensivo a qualquer um que seja. Mas apesar de tudo eu não diria nada a essa menina com gana, vivacidade e sede de expressão, passar por tudo que ela passou, escrever o que escreveu foi o que a trouxe até o seu eu de hoje, um pouquinho mais maduro que o de ontem e menos que o de amanhã.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Já comecei muita coisa, tenho um projeto de quadrinhos e poesia em andamento, já escrevi peças e tenho o intuito de um dia lançá-las, tenho projeto de livro infantil, um romance inacabado, estou agora com um Sarau musical com o meu companheiro Pedro Ben que é músico, onde recito e faço performances enquanto ele reveza em instrumentos. A meta atual é dar continuidade e concluir o que está em andamento.
Em relação à leitura do que ainda não existe é algo a se pensar, não tenho dado conta de ler o que já existe, mas quem sabe eu gostaria de ler algo um dia que não fosse feito de qualquer idéia existente na nossa realidade, algo impensável e indizível que as palavras não conseguissem traduzir. Pode existir?