Fernanda Estramasso Rodrigues é psicóloga em formação e escreve o insta-blog Somos Pétalas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu bem gostaria que a resposta fosse outra, mas a verdade é que pela manhã eu começo funcionando aos poucos. Acho lindo quem tem seus rituais, mas eu mesma não sigo nenhum. Só vou vivendo e cumprindo os afazeres conforme as exigências do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite sinto que as palavras fluem mais, mas nem por isso escrevo somente nesse período. Geralmente o que mais me apetece é quando a inspiração chega sem avisar, seja pela manhã, durante a tarde, ou antes de dormir, todavia, claro, nem sempre é assim que funciona. Meu ritual de escrita costuma ser escrever. Começo escrevendo as palavras esparsas que pairam em minha cabeça até que algumas delas façam sentido. A partir de então, apago as demais e sigo escrevendo, até sentir que concluí tudo (ou ao menos boa parte) do que eu pretendia escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como tenho um blog em uma rede social, no qual compartilho discussões sobre autoconhecimento e saúde mental, acabo escrevendo um pouco todos os dias, ainda que não me sinta tão satisfeita por sentir que a inspiração não deu seu ar da graça. Por serem textos de tamanho relativamente pequeno (considerando o limite de caracteres que a rede social impõe) e com uma imagem sendo o ponto principal do post, aproveito e deixo os pensamentos fluírem de acordo com ela. É um exercício que funciona, uma vez que estamos o tempo todo treinando a escrita sem que a gente se cobre tanto por ela (já que, afinal de contas, é apenas um post em uma rede social).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu particularmente prefiro quando simplesmente deixo fluir as ideias, sem precisar me ater com tanta cautela a algum outro trabalho ou autor. Contudo, não é assim que funciona a escrita em pesquisa, especialmente quando se trata de revisão teórica. Nesses casos, eu separo os materiais que pretendo utilizar e, em seguida, separo, também, os trechos que pretendo citar, de modo a poder observá-los em particular. Tendo-os em mãos, acho mais fácil escrever em torno deles. O mesmo se dá quando escrevo sobre dados colhidos. Deixo os principais que irei utilizar à parte dos demais para facilitar a observação deles e então passo a escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido bem, não, verdade seja dita. Por isso gosto de trabalhar com prazos suficientes para que eu possa me organizar. Se, por exemplo, hoje eu tentar escrever, fazer tudo o que me for possível e simplesmente travar, não forço mais. Deixo para amanhã. Aprendi que quanto mais eu tento lutar arduamente contra os bloqueios, mais me incomodo e mais me travo. Prefiro deixar para lá e retomar outro momento, com a cabeça mais leve e sossegada. Na maioria esmagadora das vezes, funciona.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não sou fã de revisar meus textos, preciso confessar. Geralmente peço a algumas pessoas para que revisem por mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ultimamente meus melhores textos têm saído pelo bloco de notas do celular que, aproveito, está sempre por perto. Sinto menos pressão quando escrevo com ele do que quando ligo o computador para escrever. A tela em branco do wordé um tanto assustadora. Gosto muito de cadernos, folhas avulsas e afins, mas hoje não utilizo com tanta frequência. Descobri que digito mais rápido do que escrevo (eu sei que é quase uma coisa óbvia, mas eu levei um tempo até ter essa noção) e fica mais fácil acompanhar a minha torrente de pensamentos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto muito de ler vários autores, vários tipos de textos e em diversos meios. Sinto que a minha escrita fica enriquecida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha escrita é parte de mim. Assim como eu amadureço, ela também amadurece. Conforme passo por experiências várias, minha escrita vai comigo conhecendo novas formas e jeitos de ser. Ela me acompanha em meu misto de sentimentos. Inclusive acho uma delícia poder alinhá-la com meu mundo interior, permitindo que seja uma forma de vazão para áreas nem tão povoadas do meu ser.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Assim como sou ansiosa, minha escrita também é. Tenho dificuldade em escrever projetos muito longos, e, embora tenha muita vontade, dificilmente consigo me ater a temas específicos e escrever somente sobre eles. É como se eles se esgotassem com tamanha facilidade, fazendo com que um livro inteiro pareça ser grande demais para algo que aparentemente pode ser dito em dois ou três textos. Quero tentar escrever o máximo que conseguir sobre um tema só, o qual inclusive já tenho. Só ainda não comecei. Acredito sinceramente que já tive contato com tudo o que eu podia esperar de um livro. Tive oportunidade de ler livros incríveis que pareciam saber exatamente o que eu estava passando no momento, como se soubessem colocar em palavras o que dentro de mim ainda não estava elaborado. É isso que eu espero de um livro ou projeto: que ele dialogue comigo. E, por sorte, já tive chance de esbarrar com vários que se enquadravam perfeitamente nessa condição.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Deixo fluir. Eu bem queria ser o tipo de escritora organizada que tem um horário do dia separado só para escrever, mas a verdade é que eu tenho muita dificuldade para suportar a angústia de obrigatoriamente ter que escrever quando minha inspiração resolve tirar folga. Por enquanto isso ainda é possível, visto que atualmente a escrita não é minha fonte de renda e, com meus trabalhos esporádicos, escolho prazos maleáveis em que posso me dar o luxo de escrever apenas quando a vontade bate (ainda que seja só um pouquinho).
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tenho um cuidado muito grande com meu cronograma, que varia de acordo com os projetos e obrigações da semana. Sou uma pessoa bastante agitada, minha cabeça funciona o tempo inteiro como um navegador cheio de janelas abertas e, segredo nosso, eu até gosto disso. Entretanto, luto diariamente com a ansiedade (não aquela que todo mundo sente um dia antes de uma viagem especial, mas aquela que culmina em crises e que me faz ter de me adaptar a ela, inclusive minha rotina). Me organizo o máximo possível para ter apenas projetos que eu consiga dar conta; do contrário, quem acaba tomando conta é a ansiedade.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Eu sempre quis escrever. Aliás, querer não é o verbo certo. É precisar. Escrevo porque não dou conta do turbilhão que se passa dentro de mim e, ainda cedo, descobri que as palavras me ajudam a viver sem enlouquecer (mais).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Eu sou uma pessoa extremamente influenciável, o que, de um lado é bastante útil, visto que quando as palavras não vêm, eu posso ler alguém e me inspirar com relativa facilidade, porém, de outro lado, me faz ser como um camaleão e mudar de estilo de acordo com as pessoas que leio no momento. Vez ou outra isso é motivo de crises existenciais.
As autoras que mais me influenciam, em geral, falam sobre a vida não tão cor-de-rosa. É impossível não me contagiar com a melancolia de Clarice Lispector ou com a neurose de um cotidiano interpelado por angustiazinhas da Tati Bernardi.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Não pise no meu vazio, da Ana Suy Sesarino Kuss, que é um mergulho tão profundo que faz a gente perder o fòlego.
A hora da estrela, da Clarice Lispector, que tem poder de tocar delicadamente as nossas feridas escondidas no porão escuro da memória, ainda que a nossa história de vida não tenha -aparentemente- nada a ver com a da personagem.
Casa das Estrelas – o universo pelo olhar das crianças, do Javier Naranjo, para sacudir a nossa “adulteza” e promover reflexões sobre as sutilezas da vida e sobre a leveza que em algum momento se perdeu (mas, se a gente souber procurar com cuidado, ainda é possível reencontrar).
De brinde: Rubem Alves. Todos os livros. Todinhos, mesmo. As palavras que ele escreveu continuam reverberando vida e é impossível não ter a impressão de que ele está sentado, tomando um café da tarde e conversando conosco.