Fernanda Bienhachewski é artista visual, ilustradora e poeta, autora de “Na órbita das espirais” (Laranja Original, 2020).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Demorei muitos anos para aceitar o fato de que ter rotina é importante. Não necessariamente um planejamento rígido, mas que é crucial ter algum tipo de organização mesmo dentro da produção artística. Nasci em uma família de jornalistas escritores e nunca fomos muito regrados nem metódicos. Dormíamos tarde, ficávamos conversando e devaneando sobre os mais diversos assuntos. Posso dizer que me encaixava no estereótipo do artista – tinha hábitos noturnos, não gostava de rotina, odiava acordar cedo. Mas isso mudou quando tive que encarar a arte como meu único e possível ofício. Aí ou você segue um cronograma, define metas e se profissionaliza ou não consegue pagar as contas no fim do mês. Como divido meu trabalho entre a literatura e às artes visuais geralmente faço um planejamento mensal e semanal das atividades que pretendo realizar. Isso me ajuda a organizar as ideias, a me dar motivação e também me impede de esquecer aqueles insights que vem nas horas mais inoportunas (quando estou tomando banho ou indo dormir, por exemplo). Então, sim, tenho uma rotina matinal atualmente. Procuro acordar cedo para ter tempo de me desapegar do mundo dos sonhos antes de encarar a realidade propriamente dita. Sou uma pessoa que sonha muito. São enredos complexos. Vivencio experiências surrealistas. É tudo muito vívido, simbólico. E necessito de um tempo maior para “voltar pro corpo físico”. Depois disso estou apta para começar o dia e iniciar minhas tarefas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Antigamente eu funcionava muito melhor nas madrugadas. Atualmente depende muito do dia e do meu estado de espírito. O que as pessoas têm dificuldade de entender é que o trabalho artístico depende inteiramente do seu estado emocional. E não digo que precisamos estar sempre bem para produzir, às vezes, para mim é o contrário. Diz a respeito da intensidade do sentimento ou da emoção que me invade naquele momento. Quanto mais forte maior a possibilidade criativa. Acho que os artistas precisam viver intensamente para produzir. Por isso, para mim períodos de estabilidade são improdutivos. Não tenho muitos rituais, mas necessito de algumas condições, digamos assim: silêncio, tranquilidade e solidão. Já fiz muitos poemas dentro do metrô ou no meio da multidão, mas porque já estavam de alguma forma amadurecidos na minha mente, apenas foram expurgados naquele momento. Mas para maturar as ideias preciso de paz. Para desenhar ainda mais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados, mas raciocino de forma poética o tempo todo. Durante seis anos escrevi três ou quatro poemas. E tiveram meses que escrevi vinte, trinta. Depende bastante dos processos, experiências e questões que eu vivo em cada período.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho um processo bem delineado. Como escrevo poesia acredito que é algo mais fluido. Muitas vezes é uma sensação quase mediúnica. Como se alguém me soprasse ao pé do ouvido um verso ou palavra. E a partir disso eu desenvolvo o restante. Alguns poemas vêm prontos, outros demoram um pouco mais. Se por um acaso fico com dificuldade de terminar algum texto dou um tempo e depois tento novamente. A poesia exige alma e entrega. Não dá para forçar. Elas escolhem quando querem nascer.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou uma procrastinadora nata e luto diariamente com isso. Acho que vivemos na sociedade da produtividade, somos bombardeados pela necessidade de estar ativos. Isso sufoca. A obrigatoriedade sempre me bloqueou. Não quero me sentir obrigada a escrever ou a pintar. Isso satura todo o processo. Me deixa travada. Já tive bloqueios criativos horríveis e ficar pensando neles só os fizeram durar mais. Acho que os enfrento, ignorando-os. Naturalizando-os. Indo cozinhar algo gostoso ou vendo um bom filme, lendo algo interessante. A inspiração cria diversas maneiras de chegar até você. Basta estar aberto para perceber os sinais e ser generoso consigo mesmo. Entender que se eu quisesse viver sob a pressão da produtividade estaria em um ambiente corporativo. Jamais teria escolhido ser artista – e isso é um estado permanente. Mesmo quando sinto que não estou produzindo, eu estou. O processo criativo tem diversas etapas, se sentir bloqueado é uma delas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto de ler as poesias em voz alta enquanto estou escrevendo. Até para ver como está a questão da sonoridade entre os versos. Gosto de poesia rimada, então o som e os ritmos são importantes. Geralmente as envio para meus pais ( que também são escritores) ou para alguns amigos que confio. Para que eles possam dar aquele primeiro feedback. Sempre sofri muito pois sou uma pessoa que se importa demais com a opinião dos outros. Tenho tentado quebrar com isso. Muitas vezes não fico satisfeita com o resultado final de algum trabalho, mas penso: “ok, divulga, mostra, quem sabe é só a sua cabeça”. Sou muito perfeccionista às vezes e pouco auto confiante, por isso compartilhar é importante. Mas é algo que tem que saber dosar. E ter humildade para ouvir as críticas e saber que estamos sempre aprendendo, sempre nos aperfeiçoando. Os artistas e escritores geralmente tem um ego maior que si mesmos e isso os limita, os torna reféns de sua própria arrogância. Eu sou uma eterna aprendiz. Gosto de ler coisas que escrevi há anos atrás e observar o quanto amadureci (pessoal e literariamente).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo na superfície que estiver mais acessível. Pode ser um caderno, no celular ou no computador. Não faço muita distinção. Geralmente eu só preciso anotar a ideia em algum lugar antes que ela escape e eu perca a oportunidade de trabalhar em cima daquilo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minha cabeça funciona a mil por hora. Estou sempre pensando em milhares de coisas ao mesmo tempo. Recentemente comecei a meditar e tive uma sensação bem interessante. Aos fechar os olhos sentia que minha mente era um mar revolto, turbulento. Hoje em dia estou conseguindo amansar essas águas. Acho que um bom exercício de criatividade é observar e estar sempre em contato com a produção de outros artistas. Uma música, um filme, um poema, uma conversa. Tudo isso pode se tornar o gatilho inicial de uma criação. Sempre tive uma facilidade absurda para devanear e imaginar coisas, situações, sentimentos. Estar em um modo criativo, pra mim, é fácil. Difícil é sair dele e voltar pro mundo real (risos). Eu vivo praticamente em um mundo paralelo dentro da minha cabeça e muitas vezes tenho dificuldade em enxergar o mundo ao meu redor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com certeza mudei muito. Meus poemas são auto referenciais e reflexivos. Eles me representam. São sentimentos, sensações, relações e percepções muito particulares. Eles cresceram e amadureceram junto comigo. Fico curiosa para saber o que a Fernanda de quarenta anos estará escrevendo ou pintando. Se fosse dar um conselho para o meu eu do passado seria algo como “confia que tudo ficará bem”. Algo bem clichê assim. Pois eu era muito desesperada aos dezoito, dezenove anos. Minha intensidade me engolia de um jeito assustador. E eu não sabia lidar com isso e só me jogava de cabeça. Com o tempo aprendi que tudo é uma questão de equilíbrio. Não mudamos nossa personalidade, mas aprendemos a controlá-la. Saber conviver bem consigo mesmo e se amar é o maior aprendizado de todos e atinge todas as esferas da vida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de fazer mais projetos híbridos, especialmente envolvendo ilustração e poesia – como meu livro que lancei recentemente. Quanto aos livros que ainda não existem, não sei. Não consigo nem imaginar. Tem tantos que já existem que queria ler e ainda não consegui.