Felippe Aníbal é jornalista e cronista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começa preguiçosamente. Funciono feito um carro a álcool: começo falhando, rateando e vou esquentando aos poucos, ao longo do dia. Nada que algumas boas xícaras de café forte não amenizem. Atualmente (há três meses), eu trabalho – com comunicação corporativa – no período da manhã e comecinho da tarde. Então, não tem jeito: é meter uns cafés na ideia, afastar o sono e ir pra cima. Dizem que, com o tempo, se acostuma…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Certamente, rendo mais no fim da tarde e durante a noite. Mas também não é uma regra. Tudo é questão de se engrenar. Mas não tenho nenhum ritual específico. Costumo ter em mãos algo pra beber – e isso depende muito do gênero e do horário. Quando se trata de reportagens ou do livro-reportagem/biografia que estou escrevendo, por exemplo, costumo recorrer ao velho café. Em crônicas, ficção ou nos versos ordinários que brinco de compor, me permito a tomar um destilado, um vinho ou uma cerveja, conforme o humor ou a necessidade da ocasião.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Por uma questão de necessidade, escrevo todo-santo-dia, em várias frentes diferentes. Pela manhã, na organização em que trabalho, escrevo matérias para uma revista semanal voltada ao setor rural. À tarde e à noite, tenho dedicado bastante tempo ao livro-reportagem sobre o maestro Waltel Branco, no qual estou trabalhando há quase cinco anos. Como se não bastasse, mantenho uma crônica semanal no portal Plural (plural.jor.br) e costumo fazer reportagens como freelancer para alguns veículos. Quando a rotina se mostra muito dura, dou um tempo e, nessas horas, costumo brincar de fazer versos ordinários, que publico em uma conta no Instragram (@esparsaspalavras).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever é dor. Eu sofro muito para começar um texto, independentemente do gênero (reportagem, conto, crônica…). Fico incontáveis minutos ali, olhando para a página em branco, como se ela me dissesse: “Decifra-me ou te devoro”. Já passei mais de uma hora para parir o primeiro parágrafo. A partir de então, a coisa toda flui. Talvez eu empaque tanto, porque considero que o primeiro parágrafo é a única chance de fisgar o leitor. Se as primeiras linhas não estiverem “matadoras”, o sujeito abandona a leitura e vai fazer outra coisa. Então, é aquela história: escrita é sedução. E sedução, como sabemos, se dá desde o primeiro contato. Cabe ao escritor/repórter seduzir o leitor parágrafo a parágrafo, até o último ponto final. É aí que está. No caso de reportagens em que há “personagens”, as fotos me ajudam muito neste processo. Antes de começar o texto, costumo ficar um bom tempo ali, analisando as imagens e relembrando as minhas percepções no instante da apuração. Em alguns casos, as fotografias foram determinantes para o nascimento texto. Um bom “abre” casado com uma boa foto se torna infalível. Neste sentido, gosto muito de trabalhar em conjunto com o repórter-fotográfico. Tenho por hábito estar junto no instante em que ele constrói as fotos e faço o básico: troco bastante ideias sobre a pauta, manifesto meu ponto de vista e a maneira como imagino a reportagem em questão. Torna-se, então, um processo coletivo, como acho que deva ser. É óbvio: texto e fotos são elementos complementares em uma reportagem. Logo, repórter e fotógrafo precisam, necessariamente, trabalhar com máxima convergência.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são naturais, mas, putaqueopariu, como elas são assombrosas! Quando elas – as travas – se impõem, não há outro remédio: há que respeitá-las e dar tempo ao tempo. Um café, um passeio, uma música. Talvez, no fundo, a gente fique digerindo as tais travas no nosso subconsciente e, quando menos se espera, pimba! A solução emerge, como se surgisse do nada. Eu sempre disse que eu caminho a trabalho, que tomo café a trabalho, que bebo a trabalho… Porque, na verdade, a gente fica neste processo, matutando uma saída. Uma vez, uma dessas travas ruiu enquanto eu treinava boxe, pensando no texto. Quando eu estava na faculdade – e lá se vão 15 anos –, eu pensava que isso era procrastinação, que era vadiagem minha, uma espécie de autoengano. Um dia, vi um documentário em que o Chico Buarque disse que caminhava na orla para escrever. Aí me senti legitimado. (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso infinitamente. E quanto mais vezes você revisar, mais vezes vai ter ganas de mexer em alguma construção, substituir um verbo, polir um adjetivo, etc… Então, chega uma hora em que simplesmente você tem abandonar o texto. Quando eu escrevo para jornal, este processo é menos complexo, porque temos o deadline a nos morder o calcanhar. Então você tem que entregar o texto sem pestanejar e pronto. Agora, eu sou um escrevinhador superlativamente inseguro. Costumo mostrar o texto para poucas pessoas nas quais confio. Mas não adianta muito. Eu nunca acho que o texto está suficientemente bom. Talvez eu seja um escritor covarde, mas corajoso. Ou seja, morro de medo do resultado final, mas acabo publicando mesmo assim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em regra, escrevo diretamente no computador. Mas, ao menos uma vez por mês, boto papel na minha velha Olivetti e procuro datilografar pelo menos uma prosa curta (um mini-conto ou uma crônica). Saudosismo? Não. É que o processo de escrita analógico é completamente diferente. No computador, você pode ir vomitando as palavras na página e, depois, organizá-las, frase a frase. É quase que automático. Com máquina de escrever, você exercita outras capacidades. Há que se estruturar o texto inteiro na sua cabeça, antes de atirá-lo ao papel. No documento digital, os erros desaparecem ao mínimo toque no backspace. Já o papel é intolerante ao erro. A menos que você amasse a folha e a jogue no lixo, cada erro ficará ali. Então, há que se pensar mais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essencialmente, da observação. Por isso, às vezes é bom sair da rotina: tomar um ônibus que você não costuma pegar, ir a um bairro distante, fazer um caminho diferente, estar em grupos que não fazem parte do seu dia a dia. Houve um tempo em que eu gostava de me sentar em um banco de praça ou em café e ficar observando os passantes, inventando histórias para os que, por algum motivo, me chamassem a atenção. É como se eu tentasse adivinhar o caminho que suas vidas percorreram até chegar ali, onde estavam naquele momento. Tenho feito isso cada vez menos. Acho que as grandes histórias moram na realidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que não mudou muita coisa. Continuo o mesmo embuste de sempre, com os mesmos recursos e a mesma ladainha.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto de eu gostaria de fazer é um que estou executando há cinco anos. Na verdade, eu gostaria é de terminá-lo, mas, porra, livro-reportagem é uma areia movediça. (Como disse ali em cima, trata-se de um livro sobre o maestro Waltel Branco).