Felipe G. A. Moreira é poeta e filósofo (PhD pela Universidade de Miami com sanduíche na Universidade de Bonn).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, eu tenho uma rotina matinal. A rotina de: banheiro; celular (sobretudo, para checar e-mails); leite achocolatado; e escrita (em casa, ou na biblioteca) do primeiro tipo de texto que eu faço, o texto de filosofia (sobretudo, em inglês, que é praticamente a única língua que eu usei para escrever filosofia desde 2011, quando eu fui morar em Boston). Nos dias muito produtivos, eu interajo praticamente nada com ninguém. Daí, eu escrevo filosofia de umas 6:30-7:00 da manhã até umas 13:30-14:00. Nos dias menos produtivos, escrevo menos do que isso: bem menos ou quase nada. Mas foi, sobretudo, nessa rotina matinal, que eu escrevi vários trabalhos, artigos, e a minha dissertação de doutorado pela Universidade de Miami, Disputes: The Incommensurable Greatness of Micro-Wars, que eu defendi meio que ontem, dia 2 de abril de 2019.
O segundo tipo de texto que eu escrevo é poesia (sobretudo, em português, mas, por vezes, em inglês também). Para esse tipo do texto, não tenho rotina. Escrevo quando vem algo da ordem da, por assim dizer, “inspiração”. De vez em quando, eu também escrevo um terceiro tipo de texto; um texto de filosofia mais, por assim dizer, “leve”, onde eu procuro traçar paralelos entre as minhas filosofia e poesia. Esse terceiro tipo de texto, eu tenho publicado na Subversa, e prefiro escrever de manhã também, sobretudo, nos fins de semana ou quando eu estou muito cansado e/ou de ressaca para fazer filosofia, por assim dizer, “pesada”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu prefiro escrever filosofia e essas colunas da Subversa de manhã. Acho que quanto mais cedo melhor. Poesia não tenho hora para fazer. Não sei se tenho bem um ritual para escrever filosofia ou poesia. Mas eu tento me isolar um pouco do mundo. Eu tento bloquear minha cabeça de problemas mais, por assim dizer, “emocionais” e/ou “pragmáticos”, mesmo quanto escrevendo sobre assuntos que são eles mesmos “emocionais” e/ou “pragmáticos”. Quero dizer: a minha pretensão é a de não ficar pensando em coisas como: “será que eu vou conseguir um emprego decente um dia?”
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Filosofia: um pouco todos os dias, e a meta é basicamente de tornar minha posição sobre uma disputa mais persuasiva, independentemente do número de palavras que eu escrevo no dia em questão. Poesia, como eu disse, depende da “inspiração”. Tem vezes que eu escrevo muito por vários dias seguidos. Outras vezes, fico meses sem escrever nada. A meta em poesia sempre é: mostrar a pertinência do que eu chamo de poesia metamodernista.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu estou sempre meio que lendo e escrevendo ao menos tempo. Então, eu me movo de uma instância para a outra com certa naturalidade. Isto é: não tenho um período onde eu só estudo/leio, e outro onde eu só produzo/escrevo. Eu faço as duas coisas meio que ao mesmo tempo. Também acho que tanto em filosofia, quanto em poesia o meu processo tem três partes.
Primeiro, eu tento (explicitamente no caso da filosofia e implicitamente no caso da poesia) formular uma disputa. Por exemplo: como reagir ao fato que pessoas estão engajadas em disputas na metafísica, desde tempos imemoriais? Outro exemplo: qual tipo de poesia é esteticamente interessante hoje?
Segundo, eu tento entender as posições dos meus oponentes sobre a disputa em questão. Em filosofia, acho que eu tenho, sobretudo, dois oponentes: filósofos analíticos, tipo, Willard van Orman Quine, Saul Kripke e Kit Fine, que fazem, na minha interpretação, uma filosofia de direita pretensamente apolítica e extremamente pouco persuasiva; e certos filósofos continentais contemporâneos que fazem mais ou menos pastiche do que alguma autoridade alemã ou francesa já fez várias décadas ou menos séculos atrás. Em poesia, tenho dois oponentes principais: aqueles que eu chamo lá na Subversa de poetas de reconhecimento (que talvez sejam mais ou menos implicitamente próximos desses filósofos analíticos que eu mencionei), e de poetas modernistas fracassados (que são mais ou menos implicitamente feito essa gente mais continental).
Terceiro, eu tento formular a minha própria posição na disputa em questão. A pretensão da minha dissertação, por exemplo, foi a de me libertar desses tipos de filosofia analítica e continental que eu mencionei. Para tanto, eu tentei: fazer uma síntese do dogmatismo com o ceticismo; fazer uma outra síntese, essa dos projetos de superação da metafísica de Nietzsche e de Carnap; criticar a violência “sutil” dos dogmáticos e de gente como Quine, Kripke e Fine; articular uma outra leitura de Deleuze que usa o seu próprio método de pagar um “autor por trás” para fazer uma “criança deformada” com Deleuze, etc. Em poesia: a pretensão é fazer a poesia metamodernista do Deus feito carne F.G.A.M. que não é nem poesia de reconhecimento, nem poesia modernista fracassada. Quero dizer que meu processo é mais ou menos esse. Mas, bem, é claro que na prática, é um pouco mais caótico do que eu estou tentando fazer parecer aqui.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo ter muitas travas. Mesmo porque em poesia, como eu indiquei, eu não me obrigo a fazer um poema; eu espero o poema chegar. Em filosofia, tem sempre algum problema que eu quero resolver e, quando eu não consigo resolver, eu paro por alguns dias e, depois, volto ao problema. Acho que não tenho bem medo de não corresponder às expectativas. Quero dizer: expectativas de quem? Dos filósofos analíticos pretensamente apolíticos de direita? Dos filósofos continentais que fazem pastiche, e mandam palavras de ordem? Dos poetas do reconhecimento? Dos modernistas fracassados? O que eu tenho medo é dessa gente que domina a filosofia e a poesia me dificultar a vida do ponto de vista pragmático. Tipo: contratando outros professores de filosofia que fazem o mesmo tipo de filosofia que essa gente faz, publicando outros poetas de reconhecimento e modernistas fracassados, etc. Também não tenho ansiedade de trabalhar em projetos longos. Na verdade, eu tenho uma certa ansiedade, como agora, quando um projeto longo termina.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Em filosofia, reviso incontáveis vezes, e mostro para várias pessoas do campo que eu acho interessantes, feito o meu orientador, o Otávio Bueno. Em poesia, tem vezes que vai de primeira. Mas também reviso bastante. Em poesia, mostrar para uma pessoa já é meio que publicar, eu acho… Sei lá: acho que em filosofia, eu tenho um comportamento muito mais comunitário do que na poesia… Tem muito mais gente no campo da filosofia que eu respeito, e acho que pode me ajudar. Em poesia, sei lá, acho que a coisa é mais libertária mesmo… Mesmo poetas interessantes, não acho que dialogar pessoalmente com eles adiante lá muito. Então, eu mostro menos. Também eu suporto bem pouco crítica boba alegre, do tipo, “não gostei porque não gostei” ou “achei lindo”…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Filosofia: escrevo tudo no computador. Poesia: em geral, escrevo, primeiro à mão e, depois, reviso, passando para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei de onde vêm as minhas ideias. O hábito que eu tenho é de sempre ler. No momento, por exemplo, tenho me interessado muito por William Blake, por Hegel (sobretudo, no seu conceito de Deus), e pelas escrituras. Esses interesses são novos para mim. Quero dizer: o meu foco nos últimos anos foi a síntese entre Nietzsche e Carnap, foi também pensar os pressupostos do modernismo. Agora, eu tenho me interessado em pensar os pressupostos do romantismo, tanto em filosofia, quanto em poesia. Mudar de cidade também ajuda. Sempre fico mais inspirado quando mudo para um lugar novo. Agora, por exemplo, eu acabei de conseguir uma bolsa de pesquisa da DAAD, e estou passando um período morando em Bonn, na Alemanha. Esse período tem sido bem interessante para mim. O problema é que eu estou tendo que me preocupar com coisas pragmáticas, quero dizer, preciso de um emprego. E isso tem afetado a minha produção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o meu processo não mudou muito. Não tenho clareza sobre isso. Acho também que eu não tenho nada a dizer ao meu “eu” do passado dos meus primeiros textos. Eu sei lá se houve um grande corte, um “progresso”… Na verdade, não sou lá muito fã dessa palavra, “progresso”… Sei lá… Eu sinto que eu sempre pensei como eu penso hoje, mas só não tinha formulado nos termos de agora.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Em filosofia: tenho vontade de escrever algo sobre o conceito de “Deus” de Hegel, sobretudo, levando em consideração certos pontos trazidos por Hume, Kant, e os positivistas lógicos. Em poesia: acho que eu gostaria de articular mais poemas que sejam mais meta-românticos do que metamodernistas no que eles dialogariam mais explicitamente com poetas românticos, como o Blake, e menos com poetas modernistas, feito o Baudelaire.