Felipe Castilho é escritor, autor de Ordem Vermelha: Filhos da Degradação, da série O Legado Folclórico e das HQs Savana de Pedra e Desafiadores do Destino.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é bem mutante, mas o ideal seria se eu começasse tomando um café e lendo alguma coisa com calma na luz das nove da manhã. Infelizmente acordo na maioria das vezes ao meio-dia com telefone tocando, alguém me pedindo alguma coisa urgente (sempre é urgente) e eu mastigando o que estiver ao alcance.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha cabeça fica menos enevoada depois das 23h. Costumo escrever bem até umas 2 da manhã, depois disso só se eu estiver com prazo apertado. Mas normalmente eu escrevo em três turnos longos no decorrer do dia, e antes de pegar um texto pra valer eu gosto de reler tudo o que fiz nele nos últimos dias. Nisso eu fico cerca de meia hora editando, revisando, e aí quando chego ao final dele me sinto no espírito da coisa e preparado pra retomar de onde parei.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco todos os dias, mas sempre que passo da metade de qualquer projeto eu tendo a ficar mais imerso e são nesses períodos que durmo com sol raiando, esqueço de comer nas horas certas e visto roupas do avesso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu tenho aquele mal de várias “abas mentais” abertas, então fico sempre ruminando muitos projetos simultaneamente. No meu mundo ideal (eu tô sempre falando isso porque ultimamente não estou nem um pouco no meu ideal) eu escrevo sempre um projeto de prosa e outro de roteiro. Eu descanso da escrita de um romance ou conto fazendo o roteiro, porque parece que uso outra parte da minha percepção quando mudo essa marcha. Sobre a pesquisa, sempre faço o bruto enquanto estou no período de anotações, de rabiscos de estrutura ou de escaletas – e sempre descubro coisas no processo que me levam à outras pesquisas e quase-sempre recalculo trajeto nesses momentos. Mas uma vez que me vejo avançando mais livremente (normalmente naquele momento depois do meio do projeto), eu já começo a pesquisa do próximo livro/hq da fila. De qualquer forma, faço tudo isso de maneira bem menos organizada do que parece quando eu conto pros outros.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu, que quase nunca tenho travas, mas esse ano tive uma gigantesca. Saí dela por raiva, mesmo. Não foi nada muito voluntário, então não sei qual é o mecanismo exato (desculpem se vocês esperavam algo mais metódico). De qualquer forma, o lance de se apaixonar por uma nova ideia às vezes me compele a focar no projeto presente, nem que seja pra terminar ele logo e partir pra coisa atraente me esperando no virar da esquina. No que se refere à ansiedade, eu percebo que tenho isso forte com as coisas paralelas à escrita: contas, burocracias, cartório, cancelamento de qualquer merda por telefone… aí a frustração com todas essas coisas acaba contaminando meu texto, e é nesses períodos que produzo as coisas que são só uns 10% aproveitáveis (o que é melhor que nada). O lance é que eu fico tentando usar essa frustração como combustível também, para as horas de fila e de ligações servirem pra alguma coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho um número exato, mas são muitas vezes por conta própria e mais todas as revisões demandadas por quem me edita. Gosto muito de conversar com amigos sobre o que eles estão escrevendo, e nessas também falo do que estou fazendo. Costuma ser um exercício bacana de sugestões e impressões, até porque estamos do lado de fora e enxergamos a coisa melhor por cima dos muros, e não de dentro deles. Mas tenho outras pessoas também que costumam ler o que escrevo nas primeiras versões e que sei que vão me dar um retorno sincero. Nos dois primeiros livros do Legado Folclórico, um de meus melhores amigos (que não tem nada a ver com o ramo) me ajudou demais com suas inúmeras leituras. Mas aí do terceiro livro pra frente ele sumiu e só espero que ele esteja vivo (tô falando contigo, Anderson).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto ideias soltas em mil cadernos (depois fico procurando desesperado sem lembrar em qual deles que escrevi o nome da ilhazinha no litoral norte de São Paulo), depois faço um documento no computador com essas ideias mais organizadas, já amarradas com pesquisas. Esse documento acaba sendo uma espécie de guia, e acabo jogando nele também trechos descartados ou cortados do meu documento principal onde a história está acontecendo (que é sempre no computador).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De onde vêm minhas ideias eu realmente não sei (resposta sincera). Mas acho que uma coisa interessante pra manter a engrenagem da criatividade oleada é a observação de tudo como se você não estivesse presente. Gosto de imaginar como as pessoas se comportariam se eu não estivesse ali, me baseando no que conheço delas. São personagens, e você pode lê-las também, se assim quiser. Tudo isso pode ser transferido para o seu exercício da escrita. Mas acho que a leitura constante, dentro e fora de sua área de conforto, e o consumo de narrativas. Narrativas em geral, mesmo: games, quadrinhos, filmes, séries… tudo se soma quando você está atento na estrutura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Me tornei mais desapegado com o que produzo. Eu tinha muita dificuldade em admitir que precisava mudar algo complicado no que estava escrevendo, só porque tinha me dado trabalho na hora de pesquisar ou de botar no papel. Hoje corto tudo, mudo tudo, jogo tudo no meu documento de descarte e quando me dou conta estou escrevendo praticamente outra história, agradecido por não ter seguido o outro caminho só por preciosismo. E se eu pudesse voltar para os primeiros tempos de escrita, diria para continuar tendo calma (eu me indignava por estar tão calmo sem ninguém querendo me publicar) e que eu deveria aproveitar mais minha coluna e minhas juntas não-doloridas. Hoje tudo dói.