Fátima Heluany Antunes Nogueira (Fheluany) foi professora, em escolas mineiras e paulistas por 45 anos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Ah! As manhãs! É pular da cama bem cedinho e nada fazer antes do calor do café, que eu mesmo preparo. Seguir para a sessão de pilates, caminhando e dando “bom dia” a quem encontro. Enquanto faço exercícios, às vezes, ouço música ou um texto. Ao voltar para casa, preparar o almoço, pôr roupas para lavar, dar uma pequena organizada na casa. Desde que me aposentei como professora de Português, sou dona de casa. Somente depois de tudo em ordem, vou para o computador.
Primeiro o dever, depois o lazer?
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nada de rituais; ou… talvez… Depois do almoço, sento no computador e não consigo ler, escrever, nem mesmo repassar os feeds de notícias das redes sociais (que já dei uma espiadinha, pelo celular, em cada pequena folga da manhã), antes de jogar, ao menos, umas três partidas de Mahjong, tabuleiro de origem chinesa. Então sim. Leio e comento textos de algum desafio literário, faço pesquisas e escrevo para o jogo da “palavra do dia” — poemas, textos infantis, microcontos e até anedotas. Tento escrever bons textos, mas, às vezes saem alguns pernetas. Bem, acabo de perceber que tenho um ritual sim: jogo, leituras, pesquisas, produção de textos mais curtos. Daí sigo para os textos maiores…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro sempre escrever, ao menos, um pouco a cada dia. Mas, se há uma data marcada, concentro mais, porém sem metas, sem números.
Escrever é uma aventura e uma transgressão. Aventura ao adentrar subterrâneos, dimensões e espaços; transgressão ao violar, ir além da verdade, infringir os limites do real. Por isto escrevo sem objetivos definidos, é instigante invadir os labirintos da imaginação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma palavra daqui, outra de lá, de entremeio, a memória e as circunstâncias que vão me levando a trilhas, pessoas, outros tempos, diversos lugares, causos, dramas reais e inventados, viagens ao século passado, aos quintais e quitutes. E o texto vai nascendo mesclado pela pesquisa, para não fugir da verossimilhança e pelo gosto de geografia, história, biologia, matemática e fantasia…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
“Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje” — é o meu lema. Agitada, ansiosa, somente me preocupo com as prioridades e resultados. Até, por isso, procuro não me envolver com projetos excessivamente longos. Quem sabe, um dia escrevo um romance sem me desorientar diante do tempo?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O escritor que não conhece a língua é um pintor sem braços. Não se exige maestria, mas não é admissível o desconhecimento ou a indiferença pelos instrumentos linguísticos.
E, sem organizar as ideias é muito difícil escrever. A clareza depende dos cuidados em dar uma ordem às informações e sequencia à composição escrita. Por isso reviso e reviso: gramática, parágrafos, coerência, coesão, estrutura, clareza… Captar elementos sugestivos, ampliar visões de mundo, esforçando para ser natural, despretensiosa.
Então passo o texto para meus dois revisores especiais, marido e filha, ambos dentistas, com uma formação muito diferente da minha e, por isso, uma opinião valiosa para mim. Quando eles me apresentam suas observações, ainda releio tudo e faço mais uma revisão, só para depois postar ou enviar para editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Usei lápis e papel por muito tempo. Estamos na era da rapidez e da divulgação e o computador já ajuda até na revisão e nas pesquisas. Por que não usar todos os recursos que facilitem o trabalho? Minha letra está cada vez pior…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Aprendi a gostar de histórias com vovó; íamos ao cinema durante toda a semana, menos no sábado (noite de visitas), cujo filme era repetido na segunda. Fiz-me professora e dediquei-me à profissão com paixão e entrega total. O convívio diário com jovens me tornou mais humana, abriu meus olhos para transformações e para a maneira de ser e agir das novas gerações. Cresci, à medida que ligada aos alunos mais afetivamente, percebia o mundo de todos e de cada um. Fui aprendendo a ler as expressões faciais, os gestos, cada palavra dita ou escrita, até o silêncio carregado de expressividade. Minha linguagem se atualizava e adquiria novas tonalidades. E, também li muito: clássicos, nacionais, estrangeiros, infantis, juvenis, quadrinhos, novelas, revistas, sabrinescos.
Outras atividades que me ampliaram o repertório são observação do mundo e as histórias do dia-a-dia ouvidas por aí.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que fizemos de bom? O que precisamos melhorar? Tudo isso faz parte do conceito mais verdadeiro do amadurecimento pessoal que chega naturalmente, independentemente da idade.
Como explica a psicóloga Stèphanie Krieger: “Isso se dá pela maturação de determinadas áreas cerebrais, mas também pelas mudanças nas nossas fases de vida”. A escrita atravessa o mesmo processo: com o tempo ocorre estabilidade de humor e aparecem mais recursos para manejar emoções, maior tolerância às frustrações, erros e fracassos. Assim, será constituído um amplo autoconhecimento, maior clareza das características e preferências pessoais, maior facilidade nas interações sociais, uma imagem própria mais independente das opiniões das outras pessoas.
Não há como voltar à escrita dos primeiros textos. Existe agora uma outra pessoa e com o mesmo tema ou assunto, criará um texto diferente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro, que gostaria de ler, mas ele ainda não existe: aquele que ainda vou escrever e publicar. Acredito que tenho material suficiente e esse é o meu projeto.