Fátima Costa é professora e autora do livro de poemas Valsa Triste.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, começo o meu dia com estudos, lendo algum livro de teoria ou crítica literária. Sou formada em Letras-português e sou professora, sendo assim, a literatura é mais que um prazer ou um hobby, ela é meu trabalho, minha formação. Gosto muito de literatura. Na maioria das vezes me reconheço mais como leitora do que como escritora. Procuro sempre estudar a literatura em si porque gosto e porque isso agrega tanto às minhas leituras quanto à minha escrita ficcional.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto-me mais à vontade em escrever pela manhã. Estou sozinha em casa, e gosto desse momento “solitário” para escrever. Gosto de escutar músicas enquanto escrevo, músicas que me deixam na vibe do que eu quero tratar no texto, para colocá-lo para fora. Mas no momento da estruturação, da lapidação do texto, eu preciso de silêncio, preciso ter todos os meus sentidos voltados para o texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não sigo uma rotina de escrita diária; gostaria, mas no momento é inviável. Há questões do trabalho, estudos e outros que infelizmente impossibilitam um compromisso sistemático com a escrita. Há também a minha vontade de estar a fim de escrever ou não. Tem dias, por exemplo, que não estou com inspiração ou animo para escrever qualquer coisa; às vezes só quero ler livros, às vezes só assistir a filmes. E não me sinto mal por isso, pelo contrário, respeito o meu momento, não forço a barra, pois preciso fazer outras coisas que também me deixem satisfeita, para eu poder estar bem no momento da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando surge um ideia, eu a anoto no celular, e tento o mais breve possível escrever ao menos um esboço e salvá-lo na nuvem. Não lido bem com o acúmulo de notas porque eu as abandono. Acaba surgindo uma outra ideia, uma outra forma de texto, e as notas ficam lá esquecidas, terminando por serem só notas. Eu gosto do esboço, ao menos um parágrafo, deixando pontos para serem ligados depois. E a pesquisa nasce desses pontos. Primeiro eu faço um esboço, depois pesquiso e retorno ao texto novamente, e esse processo se repete até que ele possa estar “pronto”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ansiedade é um dos males do escritor. Eu tenho esse mal também. Mas a minha formação em Letras, enquanto leitora, me colocou um certo “freio” em termos, por exemplo, de publicação. Digamos que o que segura a minha ansiedade, é o medo de não corresponder às expectativas, pois eu estudo literatura, eu leio crítica literária e sou chata e exigente com minhas leituras — em relação à escrita não seria diferente. Demorei muito para mostrar algum texto meu a alguém, porque eu sempre fui a primeira a descarta-lo. Participando de coletivos de escrita criativa fui permitindo que meu texto tivesse leitores, e dessa forma dosei um pouco da minha autocritica (que é necessária, mas que tem que ser dosada). Depois de dois anos escrevendo poemas em casa, consegui publicar meu primeiro livro Valsa Triste (2018), que foi uma das obras vencedoras do Edital do Programa de Incentivo à Criação Literária da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Mesmo julgando que o livro estava “pronto” para a inscrição do concurso, permaneci insegura, não pelo risco de não ser selecionada, mas por não saber se o livro de fato estava pronto caso fosse selecionado — e isso é um aspecto que nunca saberemos, pois enquanto leitores mudamos todos os dias. Quero sim publicar outros livros, tenho ideias para exercitar, mas sei que o texto precisa de amadurecimento, nós enquanto escritores e leitores precisamos de formação, portanto não há pressa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não faço ideia de quantas vezes reviso um texto, sei que reviso várias vezes. Depende do texto também, da sua extensão, densidade, finalidade. Já passei um ano editando um texto de 2.200 caracteres com espaço, e ele mudou o narrador, a focalização e a linguagem, só a fábula permaneceu sem grandes alterações, e sei que se eu pegá-lo novamente irei mudar alguma coisa. Na verdade, a gente nunca acha que o texto está pronto, o que acontece é que às vezes não temos mais prazos para editar, ou já estamos cansados do texto e damos um ponto final a ele. Na maioria das vezes sempre peço a alguém que leia de forma critica o texto, outros olhares são essenciais para que a gente enxergue melhor nossa obra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou tranquila em relação à tecnologia, procuro sempre àquelas que funcionam melhor no meu processo de escrita, nesse caso, sempre faço os esboços no computador: Word ou Drive. Utilizo pouco o bloco de notas no celular, são raras as vezes; cadernos e molesquines só em oficinas de escritas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm muito do que eu observo, das coisas que vejo diariamente: ônibus, burocracia, relacionamentos. Às vezes quero pôr tudo o que eu vejo nos textos, mas nem sempre é possível. Alimento minha criatividade nunca parando de observar, mesmo que a cena ou situação pareça insignificante, pois é justamente o insignificante na realidade que se torna significativo na ficção. A percepção é de extrema importância.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Na medida em que fui me tornando um leitora em formação e fui exercitando cada vez mais minha escrita em oficinas e cursos, comecei a ser mais técnica e menos intuitiva na escrita, isso deu maturidade ao meu texto, e só aconteceu devido aos estudos e exercícios. Voltando à escrita dos primeiros anos, eu me diria que continuasse estudando, que continuasse lendo Tolstói, Machado e Guimarães Rosa, e que sempre tivesse na cabeceira poemas da Wislawa Szymborska.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho alguns projetos em prosa que ainda estão se formando, pretendo partilhá-los em breve. Em relação à poesia, quero dedicar 2019 às leituras do gênero, quero conhecer estilos diversos e pensar em produzir mais um livro futuramente, bem futuramente. Não sei dizer ao certo um tipo de livro que eu queria ler e que ainda não existe, porque ainda há muito, muito a ser lido. Há autores que eu ainda não li nada como James Joyce, Emily Dickinson ou Raquel de Queiroz; e obras que estão me esperando na estante, a exemplo de No caminho de Swann, São Bernardo e Odisseia.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Acredito que o andamento do projeto depende do seu propósito com esse projeto. Pelo menos para mim é dessa forma. Ultimamente ando com um projeto para um livro de poemas, mas não estou com pressa. Ainda estou no estágio inicial, anotando imagens e ideias para a estrutura dos versos e estrofes, porque eu quero fazer algo maduro, algo que de fato demande tempo e lapidação. E como, para a minha tristeza, o ofício de escritora não paga as minhas contas, o tempo para se dedicar à escrita se torna mais curto, por isso tento me dedicar ao máximo quando tenho tempo para escrever.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tenho a tendência de ler vários livros ao mesmo tempo, mas com a escrita funciono de outra forma. Se eu tiver mais de um projeto em mente, eu anoto a ideia dos projetos, mas só procuro dar andamento a um por vez. Faço isso para manter o foco e para dar conta também da demanda que tenho no grupo de leitura e escrita que participo, o Pernoite Literário. Em linhas gerais, é um grupo de encontros mensais, em que lemos uma obra literária por mês e fazemos um texto de uma lauda que contenha um ou mais aspectos formais de escrita/estilo na obra lida. No encontro presencial, discutimos sobre o livro, lemos e criticamos os textos que produzimos.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva e desmotiva, ao mesmo tempo, como escritora, são os livros que leio. Quero escrever porque tenho um carinho imenso pela literatura, pelas fábulas que são contadas, pelos modos geniais como as histórias nos são dadas. Quero fazer isso também. Quero pelo menos tentar. Às vezes fico tão preenchida com as obras que eu leio, que me questiono sobre o porquê de escrever quando tanta coisa grandiosa já foi escrita, e fico nessa de escrever e não escrever.
Por muito tempo eu achei que a escrita literária foi despertada em mim a partir do momento em que eu fui estagiária numa instituição que oferecia cursos de escrita criativa, e que o contato com o curso foi me motivando. Mas, por esses dias, organizando uns cadernos da adolescência, me deparei com esboços de poemas, de prosas, que nem eu me lembrava mais. Então percebi que a escrita já vinha tomando o seu espaço em mim, antes mesmo de eu me atentar para isso.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Até o momento eu não tenho um estilo de escrita definido. Ainda estou procurando um estilo, testando modos e modos de contar as minhas histórias; formas e formas de escrever meus poemas. E sem dúvida o exercício da escrita não é nada sem a leitura. Autoras como Lygia Fagundes Telles, Wislawa Szymborska, Sophia de Mello Breyner Andresen, Adélia Prado, e autores como Derek Walcott, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Tolstói, por exemplo, vão me ensinando que ainda tem muita coisa para aprender e que eu só estou começando.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Indicarei três livros de poemas que li em 2019 e que se tornaram parte do meu cânone:
Omeros, Derek Walcott – considerado pelos críticos como uma epopeia moderna, Omeros é o livro de poemas mais lindo que eu já li até agora. Aqui, Ilíada e Odisseia reverberam numa ilha de pescadores. Nenhum verso é gratuito neste longo poema; em cada verso temos uma imagem descrita de forma tão criativa e poética, que nos ensinam a olhar para coisas de forma simples e descrevê-las dando protagonismo aos detalhes que geralmente não nos atentamos.
Coral e outros poemas, Sophia de Mello Breyner Andresen – Na poesia de Sophia, imagem e sonoridade imperam no vasto e inquieto mar. Foi meu primeiro contato com a autora e se tornou uma indicação certa para aqueles que escrevem poemas.
Terra e paz, Yehuda Amichai – Esse livro estava na minha lista de desejados há um bom tempo, e só em 2019 tive a chance de lê-lo e confirmar a grandeza que eu esperava encontrar nos poemas de Amichai. O diálogo de amor e revolta com Deus, a relação da família e da cultura, exposta nos versos e nas estrofes a partir de belas construções e reflexões, foram os aspectos que mais me marcaram na leitura desse livro.