Fabricio Pereira da Silva é professor de Ciência Política da UNIRIO, da UFF e da Maestría en Estudios Contemporáneos de América Latina da Universidad de la República (UdelaR) do Uruguai.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Infelizmente costumo ter alguma aula, reunião ou compromisso pessoal pela manhã. Tomo café da manhã lentamente e vou para essas atividades obrigatórias. Os dias ideais são aqueles com a manhã livre, daí depois de comer alguma coisa e tomando doses industriais de café consigo ler e escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de manhã para ler e escrever. Melhor à tarde para aula ou apresentações públicas. Daí o ideal seria escrever todos os dias pela manhã, mas tem sido impossível. O ritual é me isolar. Só consigo estudar e escrever com silêncio e sem muitas interrupções.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O ideal seria estabelecer uma rotina diária de estudo e escrita pela manhã. Mas é impossível. Ultimamente tenho aproveitado os horários livres, não estabelecendo uma rotina diária. E o mais comum para mim sempre foi escrever em períodos concentrados, de uma tacada só. Como falei, é impossível estabelecer uma rotina diária, daí não dá para escrever sempre, ao longo de todo o ano. Além do mais, é típico da rotina acadêmica ter períodos mais voltados para as atividades de aula. Bem como os longos períodos de leituras, pesquisas, trabalhos de campo – para somente depois conseguir sistematizar as ideias e escrever propriamente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando me sinto seguro para escrever, sai de uma vez só. Me movo da pesquisa para a escrita no exato momento em que me sinto seguro de que não vou escrever nenhuma bobagem. E esse limite é totalmente subjetivo. Posso demorar alguns anos em uma pesquisa para me sentir seguro para começar a escrever. Como agora, por exemplo. Comecei a desenhar uma pesquisa e a ler sobre pensamento africano em 2015. Ainda não produzi nenhum texto sobre o assunto. Espero fazer isso até o final desse ano.
O primeiro dia de escrita é difícil, mas depois disso o texto sai de forma fluida e rápida nos dias e semanas seguintes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já me sacanearam e ficaram putos comigo algumas vezes por dizer isso. Mas eu não tenho travas de escrita. Vou seguir os três problemas mais comuns, que você mencionou. Primeiro problema: odeio procrastinar, não tolero preguiça. A vida é curta demais e é uma só, nem pensar em ficar enrolando. Segundo problema: morro de medo de não corresponder às expectativas. Mas no fundo o que me salva é que eu escrevo para mim, por prazer. Mesmo se ninguém gostar ou ninguém ler (o que é ainda pior), eu já tive prazer no processo. Terceiro problema: é um privilégio trabalhar em projetos longos. Só sai coisa boa nos campos da ciência e do pensamento se houver tempo para ruminar, tomar porrada, refazer. Academia fast food não vai a lugar nenhum. Viva os projetos longos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meus textos geralmente começam como papers em um ou dois congressos, depois viram um artigo, às vezes são republicados em outras línguas. Depois reelaboro como capítulo de algum livro meu. Em todas essas etapas passa por um monte de gente, e sempre pela revisão da minha companheira.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho problemas sérios com tecnologia… Mas estou me esforçando. Mas o curioso é que para escrever comecei a usar diretamente o computador desde que ganhei meu primeiro em 1997, no primeiro ano de faculdade. Nunca fiz mais nada à mão desde então – só anotações de campo. Mas com todo o resto, eu sou um desastre tecnológico.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm do trabalho. Desenho minhas pesquisas como projetos de pelo menos cinco ou seis anos, com temas amplos, que sempre vão culminar num livro. Desenho um projeto de livro no qual cada capítulo projetado vai ser um paper, depois artigo, e finalmente o capítulo. Daí consigo escrever um livro que é o que eu valorizo, mas que não é mais valorizado pela academia contemporânea – produzindo ao longo do processo os tais artigos publicáveis em revistas A1, A2, B1 que nos são exigidos. Cada projeto de pesquisa/livro de cinco ou seis anos de duração geralmente nasce de questões suscitadas ou não respondidas no projeto anterior.
Acho que o elemento mais criativo do meu processo de escrita tem sido imaginar pesquisas amplas e com temáticas e casos que eu espero que sejam mais incomuns. Como os temas da Ciência Política têm sido bem específicos (particularmente instituições e eleições) e os recortes cada vez menores, espero que meus temas diferenciem meus trabalhos. Por conta da minha formação de historiador, a prosa acaba saindo mais informal também, e os meus trabalhos são mais interdisciplinares. Se são bons, se alguém vai ler, e se alguém vai gostar…
Mas a escrita acadêmica envolve muito mais disciplina do que inspiração.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Ficou mais livre. Alguns diriam menos rigoroso.
Minha tese foi uma boa tese de Ciência Política, na qual eu queria me provar que podia ser cientista político vindo da História. Não mudaria nada naquela escrita, então, porque se propunha àquilo e era exatamente o que deveria ser feito naquele contexto e naquele momento. Mas hoje faço trabalhos cada vez mais distantes daquele. Eu não escreveria minha tese hoje. Mas não deveria ter escrito outra tese naquele momento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de fazer um estudo comparado de ritmos musicais em jovens nações que foram utilizados politicamente como símbolos da identidade nacional em construção. Samba, tango, guarania, reggae e por aí vai. Por que ainda não escrevi? Porque ninguém acharia isso um trabalho de Ciência Política. O que iria aumentar ainda mais a minha confusão identitária, já que eu não sou mais historiador, mas não me sinto exatamente um politólogo. Sou um pouco sociólogo, mas não posso reivindicar isso por direito. E ainda posso ser meio antropólogo e internacionalista de vez em quando. Confusão que só vai aumentar quando eu começar a escrever sobre música, política e identidade nacional. Vou fazer isso depois de me aposentar, ou um pouco antes. Daí o pessoal já vai poder dizer que eu estou ficando gagá.
Por enquanto, o projeto de vida anterior a esse é escrever um livro sobre o pensamento de esquerda em toda a periferia global. Comecei por algumas ideias e autores da América Latina e da África, e vou expandir o argumento e os casos nos próximos anos.
O livro que eu gostaria de ler deveria defender e mostrar a viabilidade de uma real democracia para o século XXI. Como acho que o capitalismo não vai acabar durante o século XXI e a democracia de fato é completamente incompatível com o capitalismo, não está fácil.