Fabricio Cunha é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em primeiro lugar a palavra “matinal” já é um grande tabu para mim. Meu raciocínio começa a acontecer a partir das 10h, 11h. Até então o que funciona bem é a observação, isto, se eu não puder estar dormindo, já que minha rotina noturna termina em horário bem avançado.
Como também escrevo para outras finalidades que não a literatura, acabo tendo responsabilidades matinais, assim, o que produzo pela manhã quase sempre tem mais a ver com o desempenho de minha profissão do que com o exercício de meu ofício de escritor, ainda que ambos seja escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho muito bem no período da tarde e na alta madrugada.
Tenho uma mesa de madeira um pouco grande para as dimensões de meu quarto pequeno. O engraçado é que tenho uma mesa de trabalho, mas é nessa mesa de madeira que costumo escrever, como se ela reclamasse por mim, me convocasse, de alguma forma. É madeira antiga, maciça e moderna, ao mesmo tempo, uma boa metáfora para o que a literatura requer, acho.
Eu tenho um abajur de mesa, com luz amarela bem fraca. Espalho a bibliografia necessária para o que estou fazendo no momento, folhas em branco e meia dúzia de canetas.
Sigo quanto conseguir. Horas ou minutos, neste caso, quando a produção é autoral, eu recomendo o respeito para com o texto e suas personagens, dando pra cada um deles o direito de, também, pautar o tempo da história e o quanto se deve caminhar naquele momento. Tanto que, num dia, posso produzir muitas páginas ou metade de uma, sem sentir-me culpado por isso, reconhecendo que não estou ali sozinho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta, mas escrevo e leio todos os dias. Sem falta. A leitura é a nutrição básica do escritor. Não a única, mas a principal. A observação também é fundamental. eu, por exemplo, tenho um vício divertido e perigoso. Se percebo que uma conversa na mesa ao lado me interessa, não hesito em tentar ouvir tudo. Já cheguei a ser ameaçado por isso, por parecer que estava interessado na conversa alheia por algum motivo espúrio. Mas não apanhei, ainda.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu tenho uma processo muito particular neste quesito. Eu insiro muita coisa da pesquisa no texto de forma quase integral, citando todas as fontes, claro. Eu tenho uma grande predileção pelas parcerias, ainda que o outro parceiro já não esteja entre nós. Eu, por exemplo, nunca separo estes dois movimentos. Eu pesquiso e escrevo simultaneamente, até para que o fruto da pesquisa esteja bem vivo em minha mente e, assim, seja transmutado ao texto, readquirindo a vida que o trecho tinha na pesquisa, só que, agora, no texto literário.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Seria muito difícil te responder isso com precisão, porque cada projeto demanda um tipo de emoção favorável e, também, contrária. Esses dias, fiz um texto literário para um dos maiores juristas do país. Eram duas laudas, somente. Devo ter levado três semanas não pela complexidade e nem mesmo pela expectativa do cliente, mas porque eu estava absolutamente amedrontado por ser lido por um homem como ele. O resultado foi incrível, mas poderia ter sido um desastre.
Sobre as travas são muito naturais. Todo escritor e toda escritora está inserido e inserida na vida cotidiana que impõe, naturalmente, as suas travas. Eu, por exemplo, odeio ser o síndico de mim mesmo. Seria um sonho que alguém cuidasse de minhas coisas cotidianas para que eu pudesse somente escrever. As contas travam, os compromissos, as demandas naturais de um ser humano, filhos, companheira ou companheiro, conjuntura. No entanto são também estas mesmas coisas que, muitas vezes, são a matéria prima de um bom texto, uma boa história.
Procrastinar é um mandato do brasileiro. Somos todos e todas procrastinadores e vamos melhorando ao longo da vida e das necessidades, sobretudo. O meu conselho é não se punir demais por isso mas também não perder projetos por conta dessa característica porque alguns contratantes não terão compreensão. Já aconteceu comigo, claro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso dezenas de vezes e sempre mudo algo. Aí mando pra algum amigo ou amiga por dois motivos, porque confio em seu senso crítico e porque um outro olhar é fundamental para a excelência de um texto. Algumas vezes mando pra mais de uma pessoa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Amo a tecnologia, mas ela não me ama. Sei o básico do que preciso. Escrevia sempre à mão, primeiro, contudo tenho mudado o hábito pelo simples fato de que o tempo é muito precioso pra eu ter que reescrever a mesma coisa num computador ou telefone.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Isso é muito diverso, mas, como cronista e contista do cotidiano, eu sou viciado na conversa alheia, como disse acima. Eu frequento alguns bares onde mal bebo, só pra ouvir as histórias das mesas em volta. Um dia desses um cara contou que veio de uber, lá de Guaianases pra encontrar uma moça do Tinder em Jacareí, cidade vizinha da de onde moro. Só que, chegando lá, o celular dele não tinha sinal. Pagou o uber pra ir até um lugar que tivesse sinal, de forma que ele pudesse combinar o encontro. Chegando lá, seus créditos haviam acabado e ele só tinha o dinheiro de voltar pra Guaianases. O motorista do aplicativo ainda teve que levá-lo sem cobrar as despesas. Imagina uma história de amor dessas… Imagina se eu não estivesse na mesa ao lado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Uso muito menos palavras. Confio muito mais no leitor. Escritores iniciantes têm a mania de querer explicar tudo com a maior riqueza possível de detalhes, tirando do leitor a sua própria experiência lúdica.
Eu diria que os clássicos são fundamentais, mas comece lendo poesia. Comece lendo aquilo que vai irrigar seu coração para que, então, ele receba a densidade dos clássicos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gosto muito de fazer coisas com outros escritores e escritoras. Gosto muito mesmo. Adoro antologias, mas eu queria mesmo era escrever a quatro, a seis mãos. Mas minha turma é meio preciosista e preferem fazer as coisas sozinhos. Eu respeito. E ainda procuro os parceiros e parceiras com quem dividirei as linhas.
O próximo.