Fábio Ochôa é redator publicitário e ilustrador de games.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, da mesma maneira que todo brasileiro, acordando, tomando banho, café da manhã e rumando para o trabalho. A escrita, como inevitável, fica restrita para os dias livres à noite. Os poucos dias livres à noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não. O subconsciente é uma força poderosa. O texto sempre se assenta na minha cabeça ao longo do dia. Determinadas soluções, jogos de palavras, temas… quando sento para escrever, não raro 80% já está plenamente decidido na minha cabeça. Restam os 20% de improviso e técnica mecânica.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco de ambos. Uma média de turnos de duas horas três vezes por semana. É um andar lento, mas constante. É a vantagem da idade, onde você perde a ansiedade e explosão e passa a apreciar mais a monástica carpintaria na escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Frequentemente acaba ocorrendo o oposto, acabo geralmente escrevendo toda a história, me mantendo sempre na trilha estabelecida, se for um trabalho muito extenso a pesquisa acaba ocorrendo em paralelo, se for uma história curta, geralmente a pesquisa vem por último. Digamos que esteja escrevendo um conto sobre um poeta da Renascença que tem a mão amputada, por exemplo. A pesquisa de época, sobre o ofício da poesia e até sobre efeitos de amputação acabam gerando novos insights que são inseridos posteriormente na história.
Este modelo evita a dispersão, que me afaste demais dos rumos estabelecidos, acabam também oferecendo uma nova dimensão a eles. Ao término o resultado é melhor, mais conciso e fechado dentro de sua própria proposta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para destravar, através de certos jogos intelectuais. Digamos, por exemplo, que a tal história acima tenha emperrado acima na prisão do tal poeta e a cena da amputação da mão, que está digamos, pouco dramática. Um jogo é pegar a lista de file do Imdb (top 250) e ir cruzando a cena do conto com o filme em questão. Digamos que seja Um Sonho de Liberdade, isso me dá o insight de, de repente o tal poeta pode engendrar um longo plano de fuga, mas algo dá errado, ele consegue escapar ao custo de deformar a própria mão na grade, tendo que amputar ela posteriormente em liberdade. Uma ironia. Ou que o filme em questão seja O Poderoso Chefão. Isso pode gerar o insight que ele tenha um amigo bem relacionado no alto clero. Ele negocia dando a ele duas opções. Ou ele pode ter toda a obra queimada, ou perder a mão. Por exemplo. É um recurso que sempre funciona.
Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, isso não existe. A história nunca vai estar à altura da expectativa e isso é um fato da vida. Basta apenas que ela existe, mais vale uma obra imperfeita existente do que um Fausto que vive apenas na sua imaginação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não mostro. Frequentemente acerto com o editor. O processo consiste de três revisões, as duas anteriores sempre apontando problemas internos a serem acertados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador. O primeiro rascunho sempre é bem solto, para não perder nada da energia inicial. Depois vai se adequado de acordo com as expectativas do projeto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Elas apenas ocorrem. Ao ler uma notícia, uma análise. As regras básicas seguem sempre a mesma, mantenha-se interessado pelo maior número de coisas possíveis, faça parte do mundo ao seu redor, leia notícias sobre política, tecnologia, acompanhe sites estranhos, Faça cursos que sejam completamente fora da sua área de interesse, como arco e flecha e culinária. Decida de maneira aleatória. Alimente o cérebro, sempre. Sem novos impulsos ele definha e morre. Antes de ser um escritor interessante seja também uma pessoa interessante. Evite o monotema.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O peso que a maturidade traz. Antes me interessava mais o impacto das ideias, a disruptura, hoje, é a jornada humana por trás do escrito. Pegar o público no ponto A e levar até outro estado emocional no ponto B. No processo abordar essa multiplicidade de sensações, às vezes até contraditórias, chamada experiência humana. Estimular o leitor intelectualmente com novas ideias, mas para isso funcionar, também pegá-lo pela emoção.
De resto, não diria nada. O que me forma hoje é resultado de todo o processo de uma vida. Vá saber o que alterar um dos fatos lá atrás poderia fazer? Talvez fazer desabar o castelo inteiro. E independente disso, acho que não iria entender o que teria a dizer hoje, faltaria o estofo. Provavelmente eu nem iria escutar também.
As coisas são o que são e isso é a vida. O passado é o eterno país estrangeiro que lhe forma, mas que não vale a pena olhar para trás e dizer “e se”.
O “e se” não existe. Existe apenas o é.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Alguns, alguns. O meu cemitério de ideias é vasto. Como leitor gostaria de ver mais coisas na linha do excelente podcast O Palácio da Memória, de Nate DiMeo, que traz à tona histórias extraordinárias de pessoas comuns. Histórias que se perderiam para sempre na trilha da história sem o papel adequado para prende-las e fazer com que permaneçam.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Um pouco dos dois. Existe um planejamento prévio, uma espécie de esqueleto da história inteira, onde começa, por onde perpassa, e onde acaba. Mas na execução é comum uma história ganhar vida própria. Personagens também. Ela acaba ditando seus próprios rumos. A pesquisa é outro elemento essencial nisso, ao fornecer detalhes e insights oriundos desses mesmos detalhes.
Uma boa frase de abertura e uma grande frase de encerramento é tudo. Nenhuma é mais difícil que a outra. Abra e feche bem sua história, uma frase poderosa e marcante é tudo. Assim você até pode se dar ao luxo de um meio mais ou menos.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sim. Depende da demanda. Mas ao entrar em cada projeto é como entrar em uma bolha de tempo. Naquele momento apenas aquilo existe. Apenas aquilo importa.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A resposta do público foi um dos elementos cruciais. Criatividade é um rio que flui por onde encontra menos resistência. Primeiro uma resposta de audiência, depois começar a ganhar dinheiro com escrita. Palavras têm a vantagem de ser uma arte barata. Basta uma folha e um lápis. É melhor que cinema e bandas, por exemplo. E mesmo estes, tudo começa com uma palavra escrita.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nenhuma. Somos a soma natural de nossas influências. Nosso estilo nasce da vontade de emular nos outros a mesma emoção que os autores que nos impressionaram causaram em nós. É natural. Dois autores, Alan Moore pelo arranjo de ideias e estrutura, Ray Bradbury pela imaginação e lirismo ímpar de tudo que ele faz.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O Palácio da Memória, de Nate DiMeo. O que é curioso, uma vez que é um podcast transcrito e não um livro propriamente dito. Mas o cuidado com as palavras escolhidas, e o lirismo e sensibilidade das histórias é sem igual. É a melhor aula possível de como levar alguém através de um caminho apenas com palavras.
F de Foguete, de Ray Bradbury. Coletânea de contos. Primeiro atente para como Bradbury esbanja ideias o tempo todo. Cada novo conto, uma nova ideia para explodir sua cabeça, mas tudo com um sentimento de magia e encantamento que aprisiona o leitor desde a primeira frase.
O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro. A estranha vida de Nelson Rodrigues. Nada supera a vida real, e Castro consegue tornar qualquer material algo fantástico e delicioso de ser lido, com senso de humor, sensibilidade e um belo toque de admiração e humor negro.