Fábio de Andrade é escritor, autor de “Sob os olhos do delírio”, “Um estudo em violeta” e “O caso 33” e apresentador no podcast “Barzinho dos Andrades”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu divido a escrita com o trabalho e estudos que basicamente me levam o dia, a tarde e o início da noite; então geralmente consigo sentar para escrever algumas horas nesse restinho do dia e um pouco da madrugada, porém durante o dia faço algumas anotações ou reviso algum capítulo salvo no celular naqueles 15 minutos de descanso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Com toda certeza pela noite. Talvez tenha sido condicionado pela rotina do dia a dia ou apenas pela calmaria aqui da cidade depois das 19 horas, mas é inegável que o texto flui com mais facilidade nesse horário. Acredito que o único hábito que eu uso antes de escrever é beber bastante água, colocar um som de chuva e alguma música que consiga me ambientar no tipo de história que eu estou escrevendo.
Tem um lado negativo nisso, que apensar de me ajudar bastante na concentração, quando eu não faço alguma dessas coisas o texto parece não sair muito bem; a chuva já está entranhada na cabeça desde o meu primeiro romance, eu escrevi durante o “inverno amazônico” onde praticamente todas as noites caía uma chuva torrencial.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu geralmente mantenho a meta de 2 mil palavras por dia quando a história já está totalmente estruturada, tem dias que não consigo nem 500 palavras e tem outros que passa as 4 mil; porém quando o texto ainda não está com o roteiro organizado eu deixo a meta de 1 hora por dia na organização dele.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Hoje meu processo de escrita é bem mais fácil e prazeroso que há alguns anos onde eu escrevia sem idealizar praticamente nada de enredo fazendo eu ter vários bloqueios criativos durante a escrita. Eu não começo a escrever nada enquanto a história não esteja totalmente amarrada, com todos os seus pontos de viradas, background de personagens prontos, cenários construídos, uma pesquisa satisfatória e todas os enigmas levantados bem coesos. Isso geralmente leva em torno de 6 meses, divididos entre pesquisa e estruturação; após isso deixo o enredo parado um pouco, reviso uma última vez e começo a escrever de fato a história. Essa última parte acaba sendo bastante rápida, em uns 3 meses consigo ter tudo pronto para primeira revisão; essa velocidade toda não é nada mais que o reflexo de um roteiro satisfatoriamente bem estruturado a meu ver.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Desses pontos, o único que realmente não me importo é o medo de não corresponder a alguma expectativa; existe sim uma preocupação em fazer um trabalho que seja bem aceito, mas nada que me tire o sono. A procrastinação realmente existe – e bastante -, porém gosto de retirar algo de bom nela. Se eu estiver vendo um filme ou série, gosto de analisar as coisas com olhos de escritor, percebendo como os diálogos, personagens e núcleos foram construídos e com a ajuda de um bloco de anotas do lado, isso serve de ajuda para meus textos.
O momento onde bate mais ansiedade é durante a fase de estruturação, as ideias estão fervilhando e a vontade de começar logo o texto é gigante, entretanto dou uma segurada nisso e foco apenas na organização do enredo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando por fim o texto foi finalizado, deixo ele “descansando” algumas semanas enquanto me preocupo em escrever outros bem menores ou concluir algumas resenhas para uns sites que sou parceiro. Depois desse período, eu imprimo o texto e marco as partes que estão boas, que precisam de uma atenção e que vão ser deletadas, após isso volto para o computador e finalizo essa revisão.
A primeira pessoa a ler meus textos é minha namorada, a gente conversa sobre alguns pontos de melhoria, eu altero e passo para alguns amigos e amigas para finalmente ligar para o editor e dizer que já tem material novo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu não costumo fazer isso porque a minha letra é horrível e bate uma certa vergonha de mim mesmo por causa disso, mas algumas pequenas ideias de personagens e estruturas ficam rabiscadas num caderninho azul do lado do meu computador. As anotações mais importantes eu deixo no celular onde eu guardo os áudios, imagens e alguns textos que podem me servir de base na hora da estruturação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essa é uma das perguntas que me faço até hoje, mas ao longo desses anos percebi que as minhas ideias sempre estão ligadas a uma área de interesse específico naquele momento da minha vida. Eu sempre estou pesquisando e aprendendo coisas novas, por mais absurdas que sejam; desde a como funciona um auto-tune na voz de um cachorro até uma análise Sartriana de como a liberdade pode ser a maior maldição do ser humano, no meio de tudo isso sempre surge uns “e se” aqui e outro ali, que quando estão juntos começam a modelar alguma coisa boa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com toda certeza, os maiores pontos de mudança foram na disciplina e na organização do texto. Eu comecei escrevendo sem pensar em muita coisa, apenas tive a ideia básica da história e escrevi, mesmo com as dificuldades deu para concluir o primeiro texto, demorando quase um ano. Hoje o processo de escrita é algo mais “profissional” se assim posso dizer, com metas e até organogramas que economizam aqueles meses que eu perdia quebrando a cabeça de como eu tiraria um personagem de uma situação que fugiu do meu controle.
Eu não diria nada para mim, apenas que continuasse estudando. O processo de escrita, assim como o de leitura, é algo muito solitário então o maior professor são os erros e sem eles acredito que não me sentiria satisfeito de publicar qualquer texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sou muito de ficar idealizando vários projetos e no final não conseguir concluir nenhum, gosto de ter muitas ideias e dentre elas focar na que mais me pareceu interessante, então posso dizer que estou fazendo o projeto que gostaria de fazer. A respeito do livro que gostaria de ler, é uma das frases que ouvi nas minhas primeiras semanas de escrita por um autor local no qual tenho muita admiração. “Escreva o livro que você mataria alguém para ler”. É isso que está acontecendo, hoje estou em uma fase de escrever bastante textos policiais misturados com horror e para isso tive que ler alguns nacionais e os clássicos do gênero, absorvi muita coisa boa e aprendi a não cometer os mesmos erros que me incomodavam nesses livros; então o livro que eu gostaria de ler está sendo escrito, por mim.