Fabio da Silva Barbosa é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não curto muito essa de rotina, mas normalmente acordo sofrendo de ressaca e quanto mais velho, mais cansado me sinto. E o governo ainda quer que trabalhemos até altas idades. Talvez quem fique no ar condicionado até consiga. Quero ver carregar saco de cimento na cabeça. Quero ver o grande empresário, com todas as ferramentas na mão, dar emprego para maiores de cinquenta anos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Igualmente não curto essa de preparação. A coisa surge, vem pronta. Acabei de chegar da rua e olha a que eu fiz quase cinco minutos depois de sair de casa (só com o que vi na rua):
Deitada na calçada
Toda Vomitada
Com a perna escancarada
A pele toda suja
Poucos dentes na arcada
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho períodos concentrados onde escrevo várias vezes por dia e períodos onde não escrevo nada. Depende muito. Vários fatores.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tem muito disso não. Vejo e fico logo querendo passar pro papel. Assim que dá a coisa vai. Quanto antes, melhor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tudo é uma merda, ao mesmo tempo que tudo foda-se.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho relido e retrabalhado cada vez mais. Não tem tempo certo. Tem uma hora que grito e tá bom e a coisa vai. Se não, cai no infinito, vira psicose. Mas tenho relido minhas obras e planejo uma segunda edição de todas elas. Vou aprimorar vários pontos. Normalmente ninguém lê antes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje em dia fiquei aleijado em escrita manual. Vai tudo pelo computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Trabalho em abrigo para crianças e adolescentes em vulnerabilidade social. Gosto de vagar pelas quebradas durante a noite. Ando pela rua observando os detalhes do que não é visto pela maioria que vira a cara. É daí que sai o suco.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muita coisa. Até porque faço questão de sempre mudar, conhecer coisas novas…. Gosto de aprender. Mas para me ensinar é difícil. Sou problemático. Eu diria: Mete bronca e não fica indeciso, pois você sabe o que faz. E não queima os cadernos de poesia feitos junto do irmão Murilouco.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo livro.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não há o planejamento do todo. Por vezes planejo um pedaço, mas isso pode mudar a qualquer momento. A caminhada se faz ao caminhar. Acho que alguém disse isso, mas não lembro quem. Quanto a ser mais difícil… A primeira ou a última frase…? Depende muito. Por vezes a maior dificuldade pode estar em outros lugares, em certas etapas.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Não organizo. Existem temporadas onde produzo compulsivamente e outras que a coisa meio que para e dá espaço a outras. Tudo é muito variável. No momento, por exemplo, estou com quatro projetos relacionados a escrita rolando ao mesmo tempo, mas nem sempre é assim.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Curto formas de expressão. Já trilhei por diversos caminhos, mas a situação vai cada vez mais fazendo a escrita predominar. A escrita para mim é algo que me dá prazer e ao mesmo tempo é terapêutico. Minha cabeça não para e isso acaba sendo um jeito de despejar parte do que tem dentro, desacelerar… Também é uma forma de expor ideias.É muita coisa e ao mesmo tempo simplesmente isso.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
A gente acaba sendo influenciado por tudo com que temos contato, com o que nos cerca. Com certeza existem autores com os quais nos identificamos mais, aqueles que relemos mais vezes. Isso, com certeza, faz parte de um caldo cultural em nossa cabeça. Por vezes encontro pontos daqui ou dali em algo que escrevi, mas acho que isso sempre rola com todo mundo. Lógico que existe a minha forma de fazer as coisas, o meu modo de ver, de pensar, mas isso também não seria o resultado de tudo pelo que já passei, toquei, senti, li ouvi, vi…? Vai saber. É tudo muito questionável. Tudo é possível.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Recomendar 3 livros no meio de todo universo que existe é uma missão bem difícil que tem tudo para terminar em injustiças. Mas deixe-me ver o que passa agora pela minha cabeça: 1- 1984, de George Orwell – Profético, importante e reflexivo. Poderia adicionar outros adjetivos a esta maravilhosa obra. Uma lista infinita.2 – Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown – Registro maravilhoso de uma época horrenda. 3 – Papilon, de Henri Charriere – Um épico sobre inconformismo, rebeldia e persistência.