Fábio Costa Morosini é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo acordar cedo, em torno das sete da manhã. Para o meu processo de escrita, eu sigo uma rotina de dedicação quase que exclusiva e concentrada. Tento manter atividades físicas regulares (em geral na primeira parte da manhã) e oito horas de sono.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sinto que trabalho melhor durante o dia, preferencialmente durante a manhã. Tenho dificuldade em produzir à noite.
Eu tenho um ritual para a escrita. Idealmente, eu gosto de fechar a minha agenda para conseguir me concentrar exclusivamente para escrever. Tenho dificuldade em produzir textos diferentes ao mesmo tempo. Trabalho melhor um projeto por vez – e aprendi isso a duras penas.
Tendo a ser mais produtivo em períodos sabáticos ou no período de férias das aulas na universidade. Tenho mais dificuldade para escrever durante o período de aulas. Neste período, geralmente aproveito para editar textos já finalizados e ainda não publicados.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho meta de escrita diária. Há dias que sou muito produtivo e outros nem tanto. Por vezes, paro o processo de escrita para retomar fontes ou acessar fontes novas de pesquisa.
Eu escrevo em períodos concentrados. Acho muito disruptivo escrever em partes. Esse processo de escrita é geralmente solitário, dura semanas ou até meses – dependendo do projeto. Há algo quase que obsessivo neste processo para mim. A rotina da repetição – acordar na mesma hora, realizar as mesmas atividades, escrever do mesmo lugar todos os dias – contribuem para que eu consiga produzir. Há dias que não produzo muito e outros que produzo bastante, mas sinto que a repetição dos comportamentos em um período concentrado sustenta a minha escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que a etapa de começar a escrever algo do zero me traz um certo sofrimento. É aquele momento em que eu já li suficientemente, já entrevistei e/ou falei com muitas ou algumas pessoas, já formulei o argumento na minha cabeça, e já pensei numa estrutura básica de texto. então eu sinto que esta é a etapa mais difícil: ter tudo ou quase tudo na cabeça e ainda nada no “papel”. É nesse momento que o comportamento mais obsessivo – a repetição de um padrão de comportamento – me ajuda. Às vezes demora para eu engrenar, mas em geral, uma vez engrenado, o texto flui rapidamente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Aqui eu uso a técnica da repetição e enfrentamento. Sinto que conforme o texto vai avançando, eu vou me tranquilizando e adquirindo mais confiança. Para projetos longos, eu gosto de trabalhar com metas e prazos. Em se tratando de projetos coletivos, por exemplo, eu gosto muito quando existem workshops durante o projeto. Isso me permite escrever um draft para discussão com os demais envolvidos no projeto. As reações de editores e/ou peers tem sido experiências muito positivas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não tenho o hábito de revisar o texto muitas vezes. Costumo refletir muito no uso das palavras, estrutura de parágrafos e texto durante o processo de escrita. Isso reduz o trabalho que eu teria para revisar depois. Sinto que o texto está pronto quando consigo articular claramente minha ideia, meu argumento, e tem um desenvolvimento razoável de todas as seções do texto. A partir daí, vou aparando arestas, incrementando certas seções, acrescentando ou aprimorando notas explicativas e de referência.
Adquiri o hábito de mostrar meu trabalho para peers ou pessoas mais sêniors do que eu antes de submeter para publicação. Colegas generosos leem atentamente o meu texto (ou partes dele) e me dão feedback. Esse processo de feedback de peers em geral acontece em colóquios de pesquisa, em encontros de andamento de projetos, ou em seminários de caráter mais científico em que há troca de textos anteriormente às apresentações.
Nos últimos anos tenho produzido muito em coautoria. O processo de coautoria tem as suas particularidades e creio que ele ainda seja pouco valorizado no direito no Brasil. Para mim, escrever em coautoria tem sido uma experiência extremamente positiva e desafiadora. Como fui formatado em ambientes de pesquisa individual, a coautoria com pares exige uma certa reinvenção desde o processo de eleição de enfoque de pesquisa, metodologia de pesquisa, a velocidade da redação do texto, etc. Enxergo um grande ganho neste processo, pois o processo de troca é muito rico. A coautoria me tirou de certas zonas de conforto, me fez confrontar questões usando novas metodologias e é muito enriquecedor no processo de criação. Afinal, são duas ou mais cabeças trabalhando nas mesmas idéias e trazendo o tempo todo diferentes pontos-de-vista. Isso tudo tende a canalizar para produtos mais densos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Creio que mantenha uma boa relação com a tecnologia. Minha formação em nível de pós-graduação já se deu em um contexto de tecnologias mais avançadas. Desde o mestrado, trabalhei todos os meus textos no computador. Ao longo do processo de escrita, em geral mantenho um bloco de anotações manuais, onde vou registrar todo o tipo de anotação pontual – desde lembrança sobre uma nota de rodapé até redirecionamento do argumento do texto.
As tecnologias também me ajudam no processo de pesquisa, desde a consulta a bancos de dados de todo o tipo até entrevistas via Skype com pessoas em outras partes do Brasil e do mundo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de diferentes fontes e formas. Em geral minhas ideias novas vêm a partir de questões que surgiram ao longo do processo de escrita de um texto anterior. Uma ideia construída e colocada em texto em geral suscita novas dúvidas. Essas dúvidas poderão se tornar novas questões de pesquisa e novos textos. Em termos de hábitos, creio que tento me manter informado acerca do desenvolvimento do campo. Em geral elegerei um ponto da literatura sobre o qual eu acredito que haja necessidade e espaço para desenvolvimento. Então é comum que eu comece por ler a literatura especializada. Depois, vou buscar conversar com stakeholders nacionais (governo, setor privado, academia, sociedade civil). Em seguida pondero se as experiências coletadas no campo a partir dessas interações têm potencial de inovar na literatura existente. Esse processo não necessariamente acontece de forma tão ordenada. Tento participar tanto quanto possível de espaços de discussão no Brasil e no exterior.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que me tornei mais confiante e seguro. Com o tempo, passei a entender o meu espaço no debate acadêmico. Compreendi que minha escrita está relacionada com o meu lugar de fala, descobri para quem eu quero falar e escrever. Isso tudo demorou um pouco: desde o meu período de formação fora do Brasil, a volta ao Brasil, a descoberta da minha comunidade epistêmica, e o questionamento sobre o tipo de material que eu pretendo escrever e com qual academia eu quero dialogar. Essas descobertas me deixaram mais seguro. Eu finalmente entendi a minha identidade como pesquisador e isso me deu confiança e direcionamento.
Se eu pudesse voltar à escrita da minha tese, eu provavelmente diria para eu escrever mais livremente, valorizar mais as minhas ideias antes de qualquer outra coisa. O fundo é sempre mais importante do que a forma.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu acredito que eu esteja começando o projeto que eu gostaria de fazer. Este projeto tem um forte questionamento empírico, calcado em experiências de países periféricos, e pretende desafiar a literatura dominante em um aspecto específico do direito internacional. Não sei exatamente qual será o produto ou produtos dele. Talvez um livro autoral publicado por editora de circulação internacional, talvez um artigo de law journal de grande circulação, ou ambos.
No Brasil, eu espero ler livros jurídicos que priorizem o elemento da criatividade do autor. Eu espero ver novas ideias.