Expedito Ferraz Jr. é poeta e professor de Teoria Literária, autor de “Poheresia” (2013) e “O Visgo das Coisas” (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo muito cedo. Caminho. Em alguns dias na semana, preciso estar em sala de aula às 7 horas. Quando não, me demoro um pouco mais na rotina doméstica matinal: café, plantas, leituras.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De uns anos pra cá, passei a produzir melhor ao longo do dia. O ritual de preparação para a escrita é a leitura. O silêncio também é indispensável.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Durante muito tempo, precisei cumprir metas mais rigorosas de escrita (pesquisa, tese, estudos). Nessa fase, produzia mais à noite, o que incluía entrar pela madrugada trabalhando, quando necessário. Atualmente, essas “noitadas” são mais esporádicas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre o mais difícil. É um obstáculo a ser superado. É preciso começar, mesmo que esse início seja provisório e pouco ou nada dele seja aproveitado mais tarde. Entre a pesquisa e a escrita, como tenho péssima memória, faço arquivos de citações, transcrevo trechos, parágrafos inteiros, dos livros que me servem de ponto de partida – passagens que serão, de alguma forma, referidas, citadas, parafraseadas, reafirmaras ou contestadas no meu próprio texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que todo mundo anda meio“travado” para atividades que exijam concentração. Atribuo isso às mudanças tecnológicas, ao excesso de informação que nos assedia de modo contínuo e viciante, em nossos dias. Parece que ainda estamos ajustando nossas mentes a esse ritmo e a essa overdose. Esse é o lado ruim da tecnologia, que também nos trouxe muitas facilidades no terreno da pesquisa. Quanto às incertezas que envolvem a recepção dos textos, elas são úteis, porque favorecem o rigor e a autocrítica. Desistir da perfeição é fundamental.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso exaustivamente meus textos, durante e após o processo de criação dos textos. Costumo guardá-los e voltar à revisão um ou dois dias depois, quando já não sei de cor o que escrevi. Também conto com a leitura de pessoas próximas, sempre que possível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quase sempre, escrevo no computador. A tecnologia é uma grande aliada. Há algum tempo, descobri que também posso fazer anotações num aplicativo do telefone celular, e tenho feito isso durante as caminhadas. Mas, evidentemente, é algo que funciona melhor com textos criativos, especialmente com os poemas. Anoto um verso, troco uma palavra, vou relendo e avaliando o ritmo. Tem sido um método produtivo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm, aparentemente, de duas fontes: a primeira é o que eu leio (literariamente, somos todos imitadores. Às vezes combinamos bem nossos modelos e criamos algo novo. Às vezes brigamos com as nossas influências, e elas se escondem ou se disfarçam por algum tempo, mas continuam lá, “por trás da cena”, dando palpites). A segunda fonte é a observação do mundo como linguagem, o que significa estar “disponível” para capturar e traduzir os pequenos acasos, as pequenas ironias, as analogias que o cotidiano nos oferece. Cultivo alguns hábitos que me servem para oxigenar a imaginação: caminhar, estudar música apenas por hobby, leitura, cinema, conversar com amigos bem-humorados.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa muda, no estilo, como tempo. Isso é inevitável, porque, em geral, se começa a escrever muito cedo, com muito ímpeto, muita vontade de expressão, mas ainda sem a vivência (inclusive literária) que vai nos formatando ao longo dos anos. Acredito que o meu texto se tornou mais generoso, mais comunicativo, mais reflexivo e, consequentemente, menos provocativo, menos irônico. O que eu diria ao autor dos meus primeiros textos? Leia muito mais do que leu; escreva ainda menos do que escreveu.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto: escrever uma novela ou romance. Tenho as anotações, o início, as personagens, a ambientação e o enredo. Falta-me disciplina. Como leitor, o que já existe e eu ainda não pude ler é o que me desafia e me fascina. Mas não vai dar pra esgotar essa lista.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não estabeleço horário fixo nem metas específicas para nenhuma atividade a não ser as relacionadas ao ensino. Sou indisciplinado e imprevisível quanto ao ritmo de leitura e escrita. Um texto nem sempre começa pelo começo, mas, sem dúvida, a primeira frase é mais difícil de conceber do que a última. Um bom começo, ou seja, um bom ponto de partida, é algo precioso para quem escreve.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Há um certo momento em que uma atividade acaba se impondo sobre as demais, mas, em geral, estou sempre “equilibrando pratos”, lidando com simultâneos de escrita e de leitura.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Não me considero um escritor, no sentido profissional do termo. Somente na vida acadêmica é que tenho obrigações com a escrita. A crítica literária e escrita criativa, literária, são atividades paralelas, para mim. Atualmente, o que me motiva a produzir literatura é a necessidade de conhecer “por dentro”, os recursos da linguagem literária, objeto central da minha profissão. Mas o meu interesse por essa linguagem começou muito cedo, ainda na infância. Lembro que as narrativas, os poemas, as histórias em quadrinhos que me chegavam sempre me despertavam, além da vontade de ler, uma vontade de fazer algo semelhante.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Publiquei minha primeira obra literária (Poheresia, 2013) depois dos quarenta anos. Era uma seleção de poemas escritos ao longo de duas décadas e meia. Embora os textos não tenham sido organizados por ordem cronológica, o livro trazia registros de fases diversas: alguns poemas mais imaturos, algumas experiências formais, ao lado de outros, já com um estilo amadurecido. Foi importante, porque, comparando os textos, descobri a recorrência de um jeito meu de escrever. O segundo livro (O visgo das coisas, de 2017) já traz, nitidamente, essa marca pessoal. As minhas influências são meio óbvias, meio consensuais: Drummond; depois João Cabral, Manuel Bandeira, Augusto de Campos e o que há de poesia na prosa de João Guimarães Rosa. Quando falo de influências, não me refiro necessariamente a uma presença de recursos estilísticos drummondianos, cabralinos etc., mas a certas concepções, ou atitudes diante da literatura, que acredito ter apreendido lendo esses autores.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
É difícil citar três livros sem cometer omissões injustas. Então, sem que isso implique qualquer pretensão de situá-los em relação a outros autores, vou me limitar a mencionar obras de três dos poetas brasileiros do nosso tempo que são fundamentais na minha convivência com a poesia: 1. Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade; 2. Serial ou Quaderna, de João Cabral de Melo Neto; 3. Despoesia, de Augusto de Campos.