Everaldo Rodrigues é escritor e estudante de literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo de segunda à sexta às 5h30 da manhã para ir à faculdade. Procuro tomar café da manhã e, depois que chego na faculdade, tenho aí algo em torno de quarenta minutos a uma hora para praticar atividades físicas. Depois tem todas as aulas (faço Estudos Literários na Unicamp em período integral), estágio, leituras e o trajeto do retorno, então na prática o único horário que sobra para escrever minhas obras é o da noite. Eu nunca gostei de acordar cedo, mas é a rotina que o momento exige, e até que estou me saindo bem.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre preferi escrever à noite, é o momento em que tudo está mais calmo, eu já absorvi a maioria das coisas que o dia me reservava e também é quando me sinto mais criativo. Já fui de acordar cedo para escrever e já trabalhei à tarde também, mas o resultado de escrever à noite se mostrou melhor para mim. E se soma também com o fato de que hoje é o único horário que tenho. Não tenho nenhum ritual para escrever, exceto que preciso estar sozinho, em um canto separado da casa (e tenho esse privilégio atualmente), e que prefiro escrever ouvindo música. Já tentei escrever em silêncio absoluto, mas a música me estimula, cria uma aura de isolamento ainda maior. Tenho uma playlist só para isso no Spotify. Gosto de ouvir thrash metal enquanto escrevo. Slayer é o meu maior combustível quando preciso tirar o texto lá de dentro, quando as coisas estão difíceis de sair. É só colocar para tocar e rapidamente os dedos começam a trabalhar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Atualmente estou em processo de escrita do meu livro novo. Então eu preciso estabelecer uma meta, caso contrário sinto que não estou trabalhando como devo. Tenho que escrever ao menos mil palavras por dia, de segunda à sexta. É raro conseguir escrever no sábado, e no domingo é só quando o prazo está no pescoço. Então eu sigo a meta, não que isso signifique que todos os dias saem as palavras que preciso, e é aí que o processo de escrever se transforma numa tortura para mim. Quando começo a escrever uma obra, minha vida (pelo menos na minha cabeça) vira um inferno até que eu termine aquela obra. Eu fico irritadiço, amargo e procuro me distanciar ainda mais das pessoas, porque sei que nessas condições eu posso magoar quem está comigo. É bem chato e frustrante, às vezes. Houve histórias que escrevi num fluxo muito intenso, com muitas palavras diárias, e isso me satisfazia. Atualmente, manter essa intensidade tem sido difícil, já que a faculdade também me exige produção escrita. E quem escreve sabe disso, que a gente não é feito uma torneira aberta da qual sempre sairá água, independentemente do tempo… estamos mais para uma esponja, que você molha e coloca detergente e a aperta, e ela vai soltando espuma até o momento em que não tem mais nada. Não sei se me fiz entender, mas pelo menos para mim, há um limite diário, depois disso eu me esgoto mentalmente. Então há dias em que eu não consigo trabalhar no meu livro ou escrever o quanto eu queria porque horas antes eu estava escrevendo relatórios para o curso ou fazendo exercícios de língua estrangeira, ou lendo e anotando livros de teoria literária que nem sempre são agradáveis de se ler. Nesses dias, eu me sinto péssimo e culpado por não ter produzido. Mas com o passar do tempo eu tenho entendido que escrever dez palavras é melhor que escrever nenhuma, então eu logo fico bem quando não consigo bater as metas. O importante é concluir a história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu nunca fui um escritor de pesquisar muito, já que meus livros anteriores não exigiam tanto disso. Porém, o livro atual é diferente de tudo o que já produzi, porque é um pouco baseado em fatos e se passa em períodos históricos específicos do Brasil, então a pesquisa tem sido muito intensa. Geralmente eu sinto quando é a hora de escrever, e basicamente eu sei disso quando tento escrever e as coisas não saem como eu gostaria (nem próximo disso, na verdade). Então eu espero. Quando vem o estalo na cabeça, não importa se eu ainda esteja pesquisando, eu começo a escrever e vou seguindo com o estudo paralelamente. Uma vez começado o livro, procuro trabalhar só nele, e termina-lo vira a prioridade. Não sou muito de fazer notas, fichas, entre outras coisas. Faço uma escaleta básica, que eu altero constantemente enquanto escrevo o livro, e vou seguindo. Gosto de ficar aberto e atento para as possibilidades que a história possa me oferecer no momento, enquanto as palavras são digitadas. Na maioria das vezes eu só sei como vai ser o final da história, então o meio se torna uma maneira de descobrir como chegar ali, naquele fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu geralmente fico mal comigo mesmo quando me sinto travado. Bloqueios de escrita nunca me aconteceram (ainda bem). Procrastinar tem sido algo fácil de evitar atualmente, porque a rotina não tem permitido. Ou eu escrevo o que tenho que escrever ou no fim do mês vou olhar para trás e ver que não cheguei onde queria, e isso sim vai ser bem pior para mim, psicologicamente falando. Eu tento não criar expectativas sobre meu texto, tenho plena consciência de que a primeira escrita de uma obra não é nem metade do que ela pode ser tornar, então procuro escrever sem julgar muito. Isso fica para depois, para a reescrita. Quando eu não tinha compromissos editoriais, não me preocupava muito com o tempo que levava para escrever um livro, mas hoje isso tem ocupado um pouco mais minha cabeça. É interessante como as coisas mudam dependendo do cenário, então hoje, depois de algumas vaciladas, eu tento sempre levar em consideração um deadline curto, no máximo três meses para trabalhar na primeira versão de um livro, caso contrário não só eu ficarei decepcionado como outras pessoas envolvidas também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca contei revisões, porque no fim das contas acaba sendo um processo muito repetitivo. Antes eu sentia que o livro estava pronto quando a vontade de alterar algo ou acrescentar algo diminuía a ponto de eu não querer mais ler meu próprio texto. Hoje, com uma editora, sei que o processo será diferente, e todo o foco e repetição serão necessários para se determinar em que momento o livro estará pronto para ser lançado. Existe esse pensamento de que todo o autor acha que seu livro nunca está pronto, e que se pudesse sempre mudaria algo, o que em partes é verdade, mas deve haver o momento de dar tchau para o texto e deixar ele viver a vida dele. Eu sempre mostro meus livros para leitores de confiança e para minha esposa, que sempre os lê primeiro que todos. Tive poucas experiências com leitura crítica profissional, e sei que é uma etapa importante e enriquecedora da produção de um livro, então espero poder recorrer mais vezes a esse tipo de avaliação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre uso o computador. Escrever à mão para mim só aconteceu quando eu era adolescente e ainda não tinha um computador, ou quando a ideia era tão urgente que precisava sair; mas sempre preferi a máquina. O teclado sempre respondeu mais rápido aos meus pensamentos do que a caneta. Trabalho com o Word mesmo, nunca tentei aplicativos mais complexos de escrita. Acho que o mais simples às vezes é o que mais te dá possibilidades.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
É uma boa pergunta, e eu sempre me pergunto isso. Eu sempre gostei de ler, desde quando era criança, sempre fui curioso e atento, e isso com certeza colaborou com meu lado criativo. Mantenho esse hábito até hoje, é algo que amo, é quase natural. Não ler é estranho para mim, me incomoda. Eu nunca passei por qualquer trauma que me levasse a escrever sobre coisas obscuras, algo que o senso comum sempre nos leva a acreditar que é o que acontece, então eu acho que na verdade o escritor sempre será aquele cara que tenta criar um tipo de experiência que de certa forma ele gostaria de experimentar. Sei que isso pode parecer estranho ou controverso, porque ninguém quer ser assassinado por um monstro ou serial killer, ou ser sequestrado e sofrer horrores… mas acho que, assim como a experiência de leitura de um livro, ou até mesmo de ver um filme, é algo que deve nos colocar dentro daquilo de maneira segura, escrever também o é. Testar as possibilidades da mente humana, os limites do corpo e do psicológico, extravasar a imaginação… isso é o trabalho de um escritor. E claro, fazer o leitor se sentir lá, experimentar aquilo também, junto com você. Não sei. Claro que as coisas que a gente vive sempre serão matéria-prima para nossas histórias. Mas eu não sei que tipo de mecanismo mental associa essas coisas dentro da nossa cabeça. Eu não posso imaginar como meus passeios de bicicleta com os amigos na minha juventude puderam resultar na amizade de três garotos que enfrentam uma criatura de outra dimensão no meu livro “Horário de verão”, mas de certa forma esses passeios estão lá. Também não posso dizer até que ponto ouvir a voz de meus pais naquele sotaque maravilhoso de Pernambuco fez com que eu escrevesse com aquela entonação em “O Capeta-Caolho contra a Besta-Fera”, porém é óbvio que essa experiência está lá, viva no texto. Essa é a parte legal do mistério, sabe? Você entende, mas não sabe bem como aquilo tudo surge. Acho até que é melhor assim.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu evoluí bastante como profissional, e isso me deixa muito satisfeito. Com o passar do tempo a gente aprende que foco é importante, que deixar um texto sem terminar é quase um sacrilégio, e que ir além dos seus limites é uma obrigação. Claro que também me desamarrei de muitas coisas, aprendi a virar um pouco as costas para minhas influências para descobrir minha própria voz. O processo ao mesmo tempo se tornou mais intenso e controlado, mas é meio como tentar aprisionar um relâmpago, aquela coisa tem poder, tem uma energia que você não imagina, então isso se voltou contra mim, destacou essa minha frustração quando não consigo o que quero, coisa que antigamente eu não levava tão a sério. Há alguns anos, se eu começasse a escrever um conto e não soubesse o que fazer no texto quando chegava no que pensava ser a metade, eu deixava o texto de lado e partia para outro. Hoje em dia não consigo mais fazer isso. Seria como abrir a porta do carro no meio de uma avenida, chutar o cachorro para fora e ir embora. Então muita coisa evoluiu para melhor, sim, enquanto outras… bem, não se tornaram tão legais. Mas para mim ainda está tudo bem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos esboços de romances e contos que ficam sempre me cutucando para que eu olhe para eles. Ainda que eu só tenha lançado textos de terror, tenho muita vontade de escrever ficção científica. Como o livro em que estou trabalhando envolve a história do Brasil, descobri que é algo muito bom de se explorar também, então acredito que, dependendo do sucesso desse texto (do sucesso na minha concepção, claro, que é bem específica), acredito que continuarei escrevendo, vez ou outra, livros com essa temática. O Brasil tem uma história muito rica, intensa e violenta, que muita gente não conhece, então acho que dá para tirar ótimas histórias daí. Sobre a segunda pergunta, vou repetir o que com certeza outros escritores disseram, mas é muito válido: o livro que quero ler e ainda não existe é o livro que estou escrevendo neste momento. Quando ele existir, estarei satisfeito, e pronto para o próximo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Depende muito do projeto. Quando estou escrevendo um conto, gosto de deixar as coisas rolarem, de ver até onde vou, como a história pode se desenvolver meio com as “rédeas” soltas. Um romance demanda um planejamento maior, um pouco mais de controle. No caso do meu próximo livro, eu precisei pesquisar bastante, já que ele se passa em dois períodos diferentes da história do Brasil e aborda acontecimentos desses períodos. Então precisei pesquisar muito, foi um processo exaustivo e ao mesmo tempo engrandecedor, no qual aprendi muito; e depois tudo isso teve que ser alinhado com a história que eu tinha em mente. Isso sem contar os prazos para fazer o primeiro rascunho, depois a primeira reescrita, enfim… foi bem cansativo, mas necessário. A ideia é que o planejamento facilite nosso trabalho. Quando isso não acontece, então algo está errado, talvez planejamento demais ou de menos; talvez você só esteja muito preso ao que está anotado. Então aí é o caso de se soltar um pouco e deixar as coisas rolarem. Acho que vale a pena experimentar. Foi o que fiz.
Quanto a parte mais difícil, para mim é sempre o “meio”, o que dá o volume da história. Geralmente eu levo um tempo para escrever a primeira frase, mas depois que acontece, as coisas fluem. E quase sempre eu já tenho uma ideia de como as coisas vão acabar, de como vai ser a frase de fechamento, e eu já fico com ela na cabeça, às vezes até anoto para não esquecer. O pior mesmo é o caminho entre esse início e esse fim, que ultimamente tem me causado muito desconforto, muita pressão, que tem me exaurido um bocado, mas com o qual estou lidando da melhor maneira possível; e depois, com o livro finalizado, fica mais fácil olhar para trás e ver que aquilo valeu a pena, aquele sufoco todo.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Ultimamente, tenho trabalhado no meu livro novo e produzido conteúdo para meu blog, newsletter e redes sociais. Também trabalho semanalmente no setor de divulgação e marketing de uma editora, produzindo textos para o blog dela e suas redes sociais, além de estar no segundo ano do curso de Estudos Literários, que exige bastante material escrito. Logo, eu já convivo com vários projetos, e consigo me virar bem, com um pouco de disciplina. Para me organizar, mantenho uma agenda e anoto as tarefas diárias. De uns tempos para cá percebi que, sem anotar, sem programar minha semana, eu não consigo render o necessário. Preciso listar as tarefas. Então uso papel e caneta mesmo, faço uma relação de tarefas, e de acordo com os horários, vou estabelecendo essa rotina. Claro que se eu pudesse escolher, trabalharia em uma coisa de cada vez, mas quem pode fazer isso hoje em dia, não é? Acho também que ter várias coisas acontecendo, vários textos para trabalhar na semana, mantém você com a cabeça mais ativa, podendo focar em uma coisa se outra travar. A não ser que você trave, daí é complicado. Coisas demais para fazer podem deixar você bem cansado, então vale a pena se conhecer, ver até que ponto é capaz de lidar com várias coisas ao mesmo tempo. Eu admito que não sou um super multitasking, e sei o nível de trabalho que pode me manter ocupado e o que pode me manter estressado, e tento trabalhar nessa média.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Essa é uma pergunta que está muito relacionada ao momento que estou vivendo como escritor. Eu amo contar histórias, então a motivação principal está em poder contar as melhores histórias do melhor jeito possível. Ao mesmo tempo, o processo de escrever, o trabalho diário de sentar diante da tela em branco e despejar palavras, tem se tornado exaustivo psicologicamente, a ponto de afetar meu dia a dia e a relação com as pessoas à minha volta. É uma coisa complicada, porque o prazer de escrever, de dar vida ao verbo em si, deveria ser algo sempre presente, e não é o que tem acontecido. Claro que eu acho que há muita romantização no processo em si. O processo de escrever deveria ser prazeroso, divertido ou catártico? Sim, deveria, poderia, mas nem sempre é assim. Às vezes (na maioria das vezes, para mim) ele é um processo de batalha com as palavras, com os temas, com a história em si. Nem sempre dá para ter prazer nisso, nem sempre dá para se divertir quando a história que você está contando expõe o pior lado do ser humano. Então, de uns tempos para cá, o resultado final tem sido um motivador interessante também. Aquela coisa do sofrimento que vai valer a pena no futuro. É como estou lidando com a coisa toda, e por enquanto, está tudo bem assim.
Sobre o momento em que decidi me dedicar à escrita, eu me lembro bem, porque foi um momento muito determinante, em que optei por sair de um trabalho estável e investir tempo na minha carreira, porque aquela distância para com a coisa que eu amava, que era escrever, estava me deixando mal mesmo, à beira de uma depressão. É irônico pensar nisso hoje, sobre como na época parecia insuportável não poder dedicar meu tempo à escrita, e hoje essa mesma escrita ser algo exaustivo, que me consome… mas eu entendo que não é uma questão definitiva. Nós lidamos de maneiras diferentes com as coisas em cada momento da nossa vida. Enfim, foi algo muito arriscado, porque tive que deixar um trabalho garantido para arriscar uma coisa nova, e isso sempre é perigoso, sempre dá medo. Acho que as coisas estão indo bem, de qualquer maneira. Eu sempre tive dentro de mim essa coisa de contar histórias, desde criança, então acho que só segui aquilo que berrava no meu peito.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu acho que ainda estou desenvolvendo meu estilo; e ao mesmo tempo, eu penso que essa coisa de estilo próprio deve ser algo mutante, e que não preciso me manter preso a um jeito só de contar histórias. Então eu quero mesmo é um estilo que esteja sempre em evolução, o que por si só é algo difícil. Acho que o que dificulta as coisas é virar as costas para suas influências quando você está trabalhando; muitas vezes, aquilo em que você está trabalhando só existe daquela maneira graças às suas influências. Eu gosto de escrever histórias de horror, então é impossível afirmar que não há uma influência forte do trabalho do Stephen King aí, porque de certa forma eu entrei nesse caminho devido a ele. E indiretamente, esse caminho foi pavimentado por todas as influências que ele sofreu e por toda a influência que ele causou em outros autores e das quais bebi também. Dito isso, acho que é uma coisa que vem com o tempo e com intenção. Depois de muito ler um autor, é impossível não reconhecer os trejeitos e macetes dele; no caso, você deve evitar que essas coisas marquem seu texto assim como marcam o dele. Isso não é fácil, exige muita prática, muita avaliação do próprio texto, leitura crítica feita por outras pessoas; pessoas que saibam do que estão falando, obviamente. E leitura, de vários tipos de livros, não só de ficção como também de não-ficção, daí acho que as coisas vão se ajeitando. Praticar é essencial. Um erro comum, e que eu também pratiquei por um tempo, é a pressa em ser lido, em publicar algo, como se isso servisse como algum tipo de validação. Essa pressa me levou a publicar o primeiro romance que escrevi, que não era de todo ruim, mas que hoje soa muito distante do autor que sou. Isso me fez esconder a maiorias dos romances que escrevi depois, guardar na gaveta mesmo, e utilizá-los mais como um exercício do que como algo que você quer ver com capa, sendo vendido e lido. Perceber isso no seu próprio trabalho, o momento em que seu texto merece ganhar vida, é parte essencial da construção de um estilo, porque demonstra evolução e confiança em seu texto. Nada disso é simples como parece, e nem sempre funciona no mesmo tempo para todo mundo.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Como a tendência é lembrar sempre das coisas mais recentes, eu vou recomendar primeiro um livro escrito por um potiguar chamado Jaime Azevedo: M, Os contos gorgônicos, uma obra que ele lançou pela Sebo Vermelho Edições em 2016. É um livro dividido em três contos principais, que funcionam de maneira isolada, mas que juntos contam uma história maior. A escrita do Jaime é muito estilosa, rica em vocabulário, mas sem soar pedante, não rola aquelas escorregadas que alguns escritores cometem ao florearem seu texto, muito pelo contrário, o texto dele é muito bem montado e consciente. Algumas cenas foram realmente impactantes; é um livro que mistura muito bem mitologia, cenas escatológicas e subjetividade narrativa. Como ultimamente também tenho lido muitas biografias, o segundo livro que recomendo é a autobiografia do Bruce Springsteen, chamada Born to run. Eu sou muito fã da música do Bruce Springsteen, mas ler a história do cara contada por ele mesmo elevou essa admiração a um novo nível. Sua capacidade de contar ótimas histórias, marca de suas canções, também está presente em sua prosa. Ele fala sobre sua jornada e sobre seus altos e baixos de um jeito muito poético, muito consciente de que, mesmo no ponto em que está, é um ser humano como qualquer outro, propenso a erros. O terceiro que quero indicar é Matadouro-cinco, do norte-americano Kurt Vonnegut. Eu sempre tive vontade de ler esse livro, o título dele me atraía de um jeito estranho, mas quando o li, descobri que era muito diferente do que eu imaginava. É uma história escrita com bom humor, mas também com consciência, com tristeza, com humanidade. É um livro sobre como a existência humana, em um nível macro, é trivial, prosaica, como não parecemos relevantes para o Universo; simultaneamente, é uma obra que mostra como cada momento é importante, como cada momento existe na tessitura do tempo, e tem sua beleza por isso. Enfim, os três foram ótimas experiências de leitura.