Evaristo Magalhães é escritor e psicanalista, autor de Crônicas para amar.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Tenho uma rotina. Sou professor universitário e psicanalista. Desse modo, tenho que seguir – diariamente – uma agenda de trabalho. Em compensação, nos finais de semana só leio o que quero, só vejo os filmes, os espetáculos e os shows que me interessam.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora do dia para escrever. Parece meio louco, mas já me ocorreu de ser tomado por uma crônica estando todo ensaboado debaixo do chuveiro. Tive que interromper meu banho para escrever o que eu estava sentindo. Gosto de fazer corridas na Lagoa da Pampulha e na Praça da Liberdade. Também, já me aconteceu de eu ter que parar a corrida, sentar na grama mais próxima, para escrever o que me veio à cabeça. Não carrego papel e caneta. Escrevo direto no Facebook. Não gosto de guardar o que escrevo. Gosto de publicar na hora. Geralmente, quando guardo, não publico. Depois de um tempo acho aquilo tudo um lixo. É terrível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho nenhuma meta. Odeio me impor metas. Não quero ser escravo de nada. Já basta o que tenho que me submeter como garantia da minha sobrevivência física. Não vejo a hora de me aposentar para ficar só por conta do que mais gosto. Pode me ocorrer de escrever até cinco crônicas por dia. Pode me ocorrer, também, de não escrever nenhuma. Mas, geralmente, escrevo, no mínimo, uma crônica por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é visceral. Tenho que me sentir tocado por aquilo. Não escrevo só com a minha mente. Quando paro diante do meu celular, me desconecto de tudo. Tudo meu está ali: meu corpo, meu sexo, meus sentimentos, sonhos, crenças e desejos. Tanto, que quando termino de escrever, parece que acabei de levar uma surra. (risos) Saio exausto, mas feliz com o resultado. Meu problema é quando leio o que escrevo pela segunda vez. Sempre acho aquilo tudo uma droga. Ainda bem que posso reescrever. Tenho crônicas minhas que já mexi mais de dez vezes. Não é difícil para mim começar a escrever, porque quando paro para fazer, já está tudo na minha cabeça: parece um santo que baixa, algo meio espiritual. É uma loucura muito boa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da minha escrita são minhas. Não tenho nenhuma preocupação com quem vai ler – no sentido de se vai gostar ou não. Aquilo ali sou eu, porque saiu de mim. Geralmente, quando acho tudo uma merda, é porque aquilo não saiu de mim. Ou quando acho que apenas estou repetindo algo de muito ruim que já li em algum lugar. Não sei se eu saberia trabalhar com projetos longos. Detesto essa prolixidade e esse excesso de hermetismo acadêmico. Fiz duas graduações. Sou formado em filosofia e psicologia. Fiz mestrado e doutorado em psicanálise. Não quero nem passar na porta das universidades – no sentido de produzir conhecimento. Quero escrever cada vez mais em uma quantidade cada vez menor de palavras. Tenho obsessão por precisão. Acho que a falta de paciência para textos longos nas redes sociais me caiu como uma luva. Sou um escritor criado – basicamente – por influência da internet.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Xiii. Não tenho limite. Meus textos nunca estão prontos. Creio que devo me reportar a eles enquanto estiver vivo. Alguns, nem titubeio, apago na hora. Algumas coisas eu gosto muito. Não fui um bom aluno no ensino médio. Aprendi a ler, na minha casa, com meus irmãos mais velhos. Acho que sou um bom leitor. Acho que tenho boas ideias, mas não me considero um bom escritor. Meus textos não são redondinhos. Não têm uma boa musicalidade. Escrevo muito pontuado. Eu tento. Algumas vezes, eu ate gosto de algumas coisas. No entanto, não vou desistir, porque aquilo me faz muito bem. Vai que na insistência, um dia eu não aprendo?
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no Facebook. Tenho dois perfis no face, uma fanpage e um Instagram. Algumas pessoas me dão retorno, inclusive quanto aos erros gramaticais. Só depois de algum tempo é que publico no meu blog e no portal UAI do Jornal Estado de Minas. Agora, quando as crônicas vão para o livro físico, aí é feito todo um trabalho de revisão e de atualização. Meus livros são tudo o de melhor que eu consigo escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não tenho qualquer hábito. Minhas ideias vêm do meu cotidiano, da forma como vejo o mundo e a vida. Contudo, muito do que escrevo vem das leituras que faço da teoria lacaniana. Pode me acontecer de estar lendo Lacan e de ser tomado por uma palavra, uma ideia ou um fragmento – e daí surgir uma crônica. Estas são as que eu mais gosto e que as pessoas menos gostam. (risos)
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que já melhorei muito e estou melhorando a cada dia. Hoje nem reviso mais tanto os meus textos. Gosto mais dos atuais que dos antigos. Acho que estou entendendo melhor Lacan – que é um autor dificílimo. Não quero falar da minha tese de doutorado. Não estou mais nessa vibe de produção acadêmica. Agora, só quero saber de literatura. Quero liberdade. (risos)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho projetos de transpor meus textos para o teatro. Tenho vários amigos atores que já me disseram que minhas crônicas têm uma certa sintonia com a cena e com o palco. Acho isso ótimo. Várias pessoas já me pediram autorização para fazer isso, mas nada foi muito para frente. Vamos aguardar, né? Vai que uma hora acontece. Quero ler Ulisses do James Joyce. Sou fissurado pela leitura que Lacan fez dele – no sentido de ele ter resolvido seus dramas inventando uma linguagem própria. Acho isso genial. Já estou com o livro. Só preciso de um pouco mais de tempo.