Eva Vilma é escritora, mãe, capoeirista e educadora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal foi reorganizada durante a pandemia. Acordo cedo e depois do café da manhã, costumo fazer atividade física em local aberto. Pedalo até uma praça, onde é possível estar mais em contato com a natureza. Lá, distribuo diariamente as atividades físicas entre, alongamentos, exercícios aeróbicos e treino de capoeira.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nos períodos matutino e noturno sinto que meu processo produtivo se acentua. As tardes geralmente são consumidas pelas funções tantas que permeiam meu ser mulher. É o período em que me pego cumprindo funções quase que de forma automática. Acredito que a escrita por si só, exige um ritual. A ritualística da minha escrita compreende sempre uma emoção, o olhar profundo para ela e uma conversação interna que resulta no texto. Variados fatores são gatilhos para o sentimento inicial: uma música, uma leitura, notícias nos jornais, experiências pessoais, ou simplesmente aqueles momentos oportunos em que me é possível esvaziar o pensamento e sentir o agora, nu, nu e despretensioso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias. Vivencio períodos mensais mais produtivos que têm relação direta com meu ciclo menstrual e as influências da lua. Agrada-me a sensação de liberdade na escrita. Sinto-me resgatada do borrão mecânico de atividades em que a sociedade busca me transformar todos os dias. Clarice se negava escritora exatamente para fugir da imposição da escrita. Preciso seja, para me reafirmar enquanto ser livre no sentimento e na escrita, também não sou escritora. Um poema meu recente, pode ilustrar melhor esse pensamento: Me construo poetiza / em função do livramento / de amarras na escrita / sou, antes de tudo / uma sentidora – um pouco de Clarice em mim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca é difícil começar, se atendo ao meu processo criativo natural. Dessa forma, procuro organizar o tempo de pesquisa, ou o compilamento de notas de maneira a respeitar e aguardar o momento do processo de criação natural.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Busco não trazer esse peso para o que a escrita representa em minha vida. Seria uma mácula. Compreendo meus períodos menos produtivos como parte do processo natural e procuro não forçar. Gosto de pensar nos projetos longos com tempo e liberdade criativa que atendam essa necessidade de respeito ao meu eu e todas as suas faces.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O processo de revisão varia bastante. Tenho textos escritos há anos que continuam guardados passando por esse processo. E tenho outros que são publicados na sequência da escrita. Geralmente com os poemas, é um processo mais rápido. Poesia já nasce pronta. A gente só precisa acomodar as palavras num modo confortável. Gosto de partilhar meus escritos com uma ou duas pessoas sempre antes da publicá-los. É um processo acolhedor à minha condição de ser em constante aprendizagem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho caderninhos de registro, parceiros de acampamentos e pedaladas que estão sempre comigo. Hoje, já tenho uma boa relação com a tecnologia. Houve um tempo em que a digitação direta no computador interferia na organização das ideias. Hoje, não mais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A conexão com minha essência é um alimento primordial ao meu processo criativo. Tudo o que possa contribuir para essa harmonização, contribui diretamente para minha criatividade. Estar comigo mesma, meditar ao som de cachoeiras, o contato direto com a natureza, leituras, músicas e as experienciações do sentimento de liberdade são hábitos que não podem faltar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Vou aprendendo, cada vez mais, escrever para o múltiplo, ampliar o olhar para o mundo, em mim, a partir de mim, e apesar de mim. Isso têm me permitido encontrar mais significados na minha escrita. Se pudesse, com o olhar de agora, dizer algo à Eva dos primeiros textos, ainda na pré-adolescência, diria que o mundo da escrita e o mundo das vivências é vasto demais. Não cabe no entorno do umbigo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever algo, da ótica do ser mulher, que não resultasse de um chamamento à reflexão quanto às negações e desigualdades de gênero. Algo que fosse pura e simplesmente uma realidade inventada n’outro mundo possível, onde títulos como Incômoda e Incandescente (obras minhas) não fossem uma estratégia de busca por atenção à situações corriqueiras de preconceitos, julgamentos errôneos ou rotulações ao ser mulher. Gostaria de escrever a libertação feminina como algo realmente alcançado, não como alento à busca. Também é o que gostaria de ler.