Eunice Ostrensky é professora de Teoria Política Moderna no departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral, só começo a trabalhar depois de tomar café da manhã e de meus três filhos irem para a escola. Faço atividades físicas logo cedo ou no meio da manhã. Em seguida, começo a estudar e ou escrever. Procuro não abrir meu e-mail nesse horário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de manhã. Preciso de tranquilidade e concentração para escrever e estudar. Nunca consegui escrever à noite, nem quando fazia o doutorado ou quando algum prazo estava batendo à porta. Nada pode ser tão importante quanto dormir.
Antes de me sentar à escrivaninha, reúno a maior parte do material que vou utilizar, como livros, anotações, canetas, papel, cadernos. Deixo tudo à vista, para evitar me desconcentrar, tendo que procurar por algo básico. Tenho vários cadernos de anotações, não apenas com referências bibliográficas e citações, mas também com ideias e argumentos. Uso sempre uma caneta especial para essa fase da pesquisa, porque uma letra bonita e um caderno bem organizado me animam. Mas tenho também folhas esparsas com esquemas incompreensíveis, que se fazem necessários porque contêm ideias que me ocorrem aleatoriamente. Os livros físicos são comentados a lápis, os digitais, grifados. Escrevo como cozinho: só me lanço às panelas de deixar todos os ingredientes à mão e mentalizar os passos de toda a sequência.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não consigo escrever todos os dias, porque o trabalho na universidade é bastante demandante, tenho três filhos e cuido também da casa. Escrevo mais quando não estou dando aulas. Mas o trabalho de leitura, de comentário e pesquisa de fontes é diário, salvo nos fins de semana, quando estou mais com minha família, cuido do minhocário, do jardim e cozinho. Minha meta, atualmente, é conseguir reservar um tempo para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é doloroso. Somente consigo começar a escrever depois de ter lido muito, feito muitas anotações e esquematizado todo o texto, com começo, meio e fim já delineados. Começar o texto é o mais difícil. Enquanto não encontro a melhor frase, o resto não sai. Tudo depende disso e eu posso demorar dias para dar esse pontapé inicial, reescrevendo e riscando parágrafos incessantemente. Depois de muito burilar esse texto de abertura, finalmente encontro a formulação mais adequada – que posso vir a mudar depois, se por acaso eu tiver uma ideia melhor. Pode ser também que eu perceba, nesse processo de tentativa e erro, que ainda preciso ler mais algum artigo ou mesmo livro. Aliás, é comum eu interromper a escrita para ler algo novamente ou algo novo. Uma vez passada essa fase torturante, minha escrita flui com certa agilidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tudo isso me aflige. Para sair dessa situação, é preciso quebrar a rotina da escrita. Em vez de ler mais ou tentar continuar a escrever, saio para uma longa caminhada, faço yoga, cuido do jardim, tomo banho. Não insisto quando percebo que não está dando certo. Essas, porém, são condições ótimas, por incrível que pareça. Quando estou nesse momento de paralisia, mas sei que há tempo para retomar a escrita, é um consolo. Já fiquei um longo período sem escrever porque tive filhos, fiquei doente, assumi muitas obrigações na universidade, dei muitas aulas. Para mim, a escrita não pode ser uma atividade burocrática, mecânica e sem sentido, um escrever para cumprir metas. É necessário que eu esteja imersa nessa atividade, não apenas porque é preciso publicar, mas por ela mesma, para ver o que eu faço, para conhecer o que eu sei, para aprender.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. Uma parte considerável do tempo da escrita é dedicada à revisão. Só consigo retomar o fio do meu argumento quando releio tudo o que escrevi antes. Depois de terminado o texto, tento não tocar nele por alguns dias, para esfriar minha relação com ele eu eu conseguir encará-lo com alguma distância. Nem sempre há tempo para fazer o texto circular entre pessoas que poderiam me ajudar a melhorá-lo antes de enviá-lo para publicação, mas, nas vezes em que fiz isso, foi muito bom.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre começo os textos escrevendo-os à mão. Mas o grosso é escrito no computador. Há momentos em que preciso retornar ao papel. O computador pode me desconcentrar muito, já que sempre há a tentação de conferir e-mails, ler o escabroso noticiário, bisbilhotar as redes sociais. Quando eu escrevia à máquina, eu tinha muito mais concentração.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vem das minhas leituras, de um trabalho reflexivo de exploração de possibilidades e alternativas de temas que me interessam e estão circunscritos num campo de estudos. Não me limito à leitura de textos acadêmicos, pelo contrário. Escrevo melhor, raciocino melhor, quando leio literatura, de preferência russa, livros de história, livros sobre pintura e viagens, o New York Review of Books, que eu adoro. É isso o que me estimula a escrever. E só consigo ler textos bem escritos. Não vou além de uns poucos parágrafos quando o autor escreve mal, ou de modo muito formal, seco, sem graça, supostamente objetivo. Na ciência política, há uma quantidade grande de textos tediosos. Por sorte, na minha área, teoria política moderna, os autores escrevem maravilhosamente (Maquiavel, Hobbes, Montesquieu, Rousseau, Tocqueville…).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, fui me tornando mais concisa, diminui o emprego de adjetivos e advérbios nas frases, as descrições longas. Acho que adquiri uma escrita menos emotiva, mais rigorosa, mas também menos entusiasmada. Eu diria para a jovem escritora Eunice: aproveita bem tua escrita solta e intensa, enquanto as limitações da escrita acadêmica não vierem te amarrar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever um livro sobre as paixões políticas, tema que estou estudando agora. Não sei quando vou conseguir. Todos os livros que eu gostaria de ler já existem.