Ernani Pinheiro Chaves é Professor Titular da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo cedo, por volta das 6h da manhã, leio, faço anotações, vejo o Facebook, o e-mail e o Instagram. Se é dia de aula, procuro colocar logo na mochila o que vou levar para a aula.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor pela manhã e no começo da noite, mas não varo a madrugada mais, a não ser que esteja muito atrasado com um determinado trabalho. Não tenho nenhum ritual específico de preparação para a escrita, mas tenho uma reação somática durante o trabalho, que é uma sede abrasadora. (risos)
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho uma meta de escrita, todas as vezes que tentei estabelecer metas, elas nunca deram certo. No caso das traduções, por exemplo, posso trabalhar arduamente numa tradução durante dias seguidos e aí descanso vários dias antes de retomar o trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começo com anotações, marco bastante os livros, sem dó, nem piedade… (risos) Um livro todo marcado é, para mim, o sinal que ele foi “estudado” com afinco e minúcia. Em geral, o roteiro de um artigo, de um livro, passa a existir antes da escrita na minha cabeça. Ainda tenho uma boa memória, sou capaz de lembrar uma passagem num livro que li anos atrás e que me interessa no momento. A passagem da pesquisa para escrita é simples, adoro escrever, tenho um prazer enorme com as palavras, explorar as possibilidades da língua mesmo em artigos acadêmicos, que têm uma formatação padrão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Respiro fundo. Também faço análise há muitos anos. O divã é para mim o lugar para reclamar e se lamentar, ao mesmo tempo em que tento encontrar se há algum motivo forte que esteja emperrando o trabalho. Quando traduzi o volume de textos de Freud sobre Estética para a Editora Autêntica, por exemplo, aqui e ali o trabalho emperrava, muitas vezes por um intenso processo de identificação. Aí, a análise ajuda a desfazer esses nós.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante, releio, leio em voz alta, checo as traduções, pois no meu trabalho acadêmico sempre escrevo a partir dos textos na língua do filósofo. Muitas vezes peço para alguém ler, um amigo, uma amiga, um aluno, ex-aluno ou para um colega.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevo no computador, posso até fazer anotações escritas, mas jamais escrevo à caneta um texto inteiro. Não tenho problemas com a tecnologia, acompanhei o progresso técnico no meu campo, a máquina de datilografia manual, depois a elétrica, havia aquelas Olivettis portáteis elétricas e finalmente todas as fases do computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias podem vir a partir de várias situações, mas em geral, elas brotam do entusiasmo que uma determinada questão provoca. Ou seja, eu preciso estar mobilizado interiormente para escrever. Mas, mesmo quando recebo um pedido, uma encomenda, digamos assim, eu preciso me engajar visceralmente. O único hábito que tenho é a leitura antes de dormir, e aí eu posso pegar um livro ao acaso e dessa leitura descompromissada, pode surgir uma ideia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Quanto mais o tempo passa, mais escrevo como eu gostaria de escrever desde sempre. Quanto mais se é iniciante na vida acadêmica, mais se escreve de acordo com um modelo. No caso da filosofia, o compromisso com o rigor conceitual sempre é mais importante que a beleza do texto. Hoje em dia, com sessenta anos, já tendo escrito livros, muitos artigos em línguas diferentes, já posso me dar ao luxo de escrever também preocupado com o estilo, com a beleza do texto. Por que não? (risos) Eu tenho e tive, próximos de mim, modelos de professores e amigos que escrevem ou escreviam muito bem. Benedito Nunes, Jeanne-Marie Gagnebin, Roberto Machado, Peter Pal Pélbart… Então, eu tive excelente modelos dessa união feliz entre rigor conceitual e bela escrita. Eu corro atrás disso. O trabalho de tradução ajuda bastante na permanente descoberta das potencialidades da nossa língua. Traduzi e traduzo grandes pensadores que são também grandes escritores, como Nietzsche, Freud, Benjamin, Foucault. Então, eu melhoro demais a minha escrita traduzindo esses “monstros”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto que gostaria de fazer era traduzir o “Doutor Fausto”, de Thomas Mann. Um livro que eu gostaria de ler, mas que não existe e jamais existirá seria o relato de Walter Benjamin sobre sua experiência no exílio, durante a segunda guerra mundial. Jamais existirá, porque ele morreu em 1940.