Eric Moreira é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Desde os 18, quando eu trabalhava na usina siderúrgica Arcellor Mittal, meu dia só começa com um café preto fervendo e 2 cigarros — um antes e outro depois do café. Demoro normalmente umas duas horas pra perder o mau-humor, talvez essa seja a única rotina que eu tenho. Na época eu tinha que curar a ressaca antes de ir trabalhar — e eu bebia muito mais do que hoje — então o café era uma parte importante. Hoje em dia, mesmo bebendo menos, o café continua sendo um ponto essencial antes de socializar com alguém. Com ansiedade e depressão, o café é um mal que cumpre um bem na minha vida. Em excesso, fico ansioso e paro de escrever, em falta, fico absurdamente letárgico e de mau-humor. Equilíbrio é importante.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não trabalho bem em horário nenhum, é verdade, mas costumo escrever quase sempre à noite. Depois que o dia já transcorreu nos seus altos e baixos e eu estou em casa outra vez. Acho que não tenho um ritual de preparação, apesar das minhas esquisitices comuns, talvez só o fato de ter um tempo pra me concentrar no que estou fazendo. Meus poemas acontecem de uma vez só, se eu parar na metade, não consigo desbloquear o que eu estava escrevendo, esqueço tudo, perco a vontade e deixo de lado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrita diária só em prosa. Quando tenho algum projeto e quero manter um ritmo legal pra não demorar 10 anos pra terminar 1 livro. É o que o Kurosawa diz: escrever todo dia, ganhar um ritmo, etc. Prosa pra mim é igual escrever roteiro — eu sou do cinema, né — a história cumpre uma função, tem início, meio e fim, então é mais fácil. Com os poemas eu sou mais negligente, só escrevo quando quero escrever, quando sinto aquela coceira desgraçada pra falar de alguma coisa, reproduzir uma imagem que está na minha cabeça.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu normalmente escrevo e depois pesquiso: “Fulano fez isso ou aquilo, etc.” Se eu tiver alguma dúvida sobre como isso é feito no mundo real, pesquiso. Fora isso escrevo a partir da experiência. Em prosa, só escrevo em primeira-pessoa, me tira o peso de ser um narrador onisciente e eu não preciso saber tudo 100% correto. É o ponto de vista do personagem, ou o meu, e as coisas tomam a medida do que eu sei. Tudo é um pouco borrado, tipo uma câmera com o obturador meio lento. Em questão de poesia, os poemas não tem muitas inovações. Minhas referências são claras, Roberto Piva e Claudio Willer, principalmente. Eu faço poema com imagens na minha cabeça, um processo de livre associação e experiência de alguma coisa recente, quase sempre.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido muito mal. Não consigo ficar longos períodos sem escrever, mas ao mesmo tempo, procrastino demais. Quando estou numa maré baixa, só escrevo lixo. Isso me frustra e piora a sensação. Eu não sou um bom escritor, mas eu sei dizer o que é bom, sei quando o que eu escrevi é o que eu queria escrever. Cobro demais de mim mesmo, queria ser uma máquina de escrever, mas eu sou humano e humanos tem a péssima mania de travar sob pressão. Depois de longos meses sem escrever, frequentemente o que desbloqueia a escrita é algum evento marcante. Uma mulher que me coloca de joelhos, ou alguma experiência lícita ou ilícita na rua.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Raramente eu reviso alguma coisa. Prosa sim, eu passo o olho e tenho uma revisora sensacional que trabalhou comigo no meu primeiro livro. Os poemas acabam sendo divulgados a primeira vez (nas redes sociais) com os erros de digitação, eu não ligo. Depois, um ou dois dias, eu edito a publicação e corrijo, se eu tiver paciência. Me preocupo mais em revisar quando isso vai pra um suporte físico ou digital, em forma de livro. Aí eu tenho uma preocupação maior em retirar os erros do momento. Normalmente estou excitado demais na hora de escrever pra perceber qualquer regra de português nos textos. Nos diálogos, costumo criar erros propositais de concordância, eu não falo com a concordância da “norma culta” da língua, meus personagens também não. E se for algo comum na informalidade da língua, nem meus poemas respeitam a língua portuguesa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É diferente pra prosa e poema. Poema acontece comigo em qualquer lugar, então na maior parte das vezes escrevo à mão. Prosa exige de mim uma concentração maior, então é sempre no computador. Com toda o material anterior ao alcance da minha mão, outras literaturas pra referência, etc. Eu devoro muita coisa quando escrevo prosa. “Todas as histórias já foram contadas”, eu desconfio muito de quem quer ser original a qualquer custo. Eu prefiro aceitar minhas referências, os pastiches e algumas idolatrias na minha escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que leitura é o principal. Sempre que estou com o humor deprimido fico sem ler e isso acaba criando um bloqueio. É importante continuar lendo a qualquer custo. Literatura é uma grande máquina de reciclagem, é lendo que se encontra o material pra reciclar. Gosto de ler livros bons e livros ruins, tem muita coisa interessante em livro ruim, tem coisa que não deu certo lá, mas daria certo pra outro livro. As vezes dá pra encontrar algumas jogadas legais em livros que não funcionam. De novo, é igual cinema, tem muito filme ruim que dá um baile em Godard, no sentido de comunicação. A não ser que você esteja escrevendo para acadêmicos ou fazendo filmes para cinéfilos, o importante é ter uma boa comunicação. Ninguém acredita que você é um gênio incompreendido, não existe espaço para clássicos no século XXI. (hehe)
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O álcool, com certeza. Muito do que eu escrevo tem alguma relação com o álcool ou com alguns tipos específicos de drogas. Mas é aquele lance de escrever muito sobre a experiência que eu tenho. Eu não gostaria de escrever sobre famílias de classe média, então escrevo sobre outros lugares da minha vida, lugares que — em certo ponto — foram muito importantes pra me ensinar a ser o que eu sou. Não é um negócio muito bacana hoje, existe uma problematização muito grande que é cair no romantismo do álcool e das drogas (eu não estou falando de maconha). Eu me eduquei melhor nesse sentido. Ainda bebo bastante, mas já não tenho um amor tão grande pelo álcool — a não ser pelo conhaque Presidente, esse sim eu tenho uma paixão que não dá pra recusar. Se eu pudesse me comunicar com um “Eu do passado”, eu diria take it easy, my brother Charles.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Com certeza queria uma coleção de livros inéditos de Hemingway. Ainda sonho com o dia em que eu vou acordar e ler a seguinte notícia: “Pesquisadores encontram uma coleção de livros não publicados de Ernest Hemingway”. Um projeto que eu gostaria de fazer é fazer um longa metragem sobre Ultimo Blues em San Pedro, meu primeiro livro. Um romance distópico de uma cidade meio brasileira meio hispânica. Juntei muita coisa dessa coisa que é ser brasileiro e latino, quase um realismo fantástico, queria reeditar esse livro também, odeio a capa que fizeram pra ele, mas foi o que deu pra fazer na época.