Emílio Peres Facas é professor do departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia é definido por meus compromissos na universidade. Atualmente, acordo às 6h, tomo banho e vou direto para a Universidade de Brasília. Chego por volta de 7h, tomo meu café da manhã, leio rapidamente algumas notícias, respondo os e-mails mais urgentes e me preparo para dar aula. Após as disciplinas, dedico o restante da manhã a atender alunos, conversar com colegas e parceiros de pesquisa e terminar de responder e-mails. Quando estou em processo de escrita, tento escrever um pouco pela manhã também, o que nem sempre é possível considerando a quantidade de atividades que acabei de descrever…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um grande ritual próprio para a escrita. Minha prática depende do tipo de texto que irei produzir e de como surgiu a ideia e a demanda. Em geral, reúno as anotações e materiais que utilizo para dar aula, meus escritos anteriores e materiais de pesquisa, quando é o caso. Prefiro trabalhar em uma mesa grande, de modo que possa “organizar” (bagunçar, na verdade) meu computador, um caderno que carinhosamente chamo de “caderno das ideias suspensas” (onde anoto aquilo que utilizarei mais tarde no próprio texto ou em escritos futuros), os materiais que irei utilizar e livros de outros autores que servirão de base para o que irei discutir no texto. Além disso, não abro mão de uma garrafa de café e algo fácil para comer (como biscoitos e barras de cereais).
Com relação à hora do dia, eu tinha o hábito de escrever no final da noite e início da madrugada. Tanto minha dissertação de mestrado quanto minha tese de doutorado foram escritas, majoritariamente, entre 22h e 4h da manhã. A priorização por esse horário “corujão” se dava principalmente pelo fato do meu ciclo de sono ter sido completamente irregular durante a maior parte da minha vida – então costumava dormir no período da manhã e trabalhar à tarde e à noite. Mas o tempo de vida, sempre implacável, cobrou seu preço e não tenho mais energia para virar a noite escrevendo. Como explicado anteriormente, atualmente meu horário de escrita é condicionado pelas minhas outras atividades profissionais. Então tenho escrito mais nos períodos matutino e vespertino, com uma leve preferência pela tarde.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita e, se tivesse, certamente não daria conta de cumpri-la. Sou extremamente ansioso e o estabelecimento de meta certamente agravaria a ansiedade. Ao mesmo tempo, tenho prazos minimamente definidos pelas demandas profissionais – de modo que acabo escrevendo majoritariamente em períodos concentrados. Isso leva a uma sobrecarga de trabalho nesses períodos que em geral são bem perto dos prazos finais de entrega.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de escrita é um exercício sempre muito angustiante para mim. De um lado, pela própria dificuldade em passar para o papel aquilo que está “na minha cabeça”. Por outro lado, tenho que lidar com uma autocobrança enorme – sem dúvida sou o maior crítico do meu trabalho.
As notas e materiais de pesquisa ajudam a dar um norte, mas são sempre insuficientes. A parte mais importante do processo de escrita nunca é dada e nunca está posta. A leitura, interpretação e discussão desses materiais passam por um engajamento no próprio processo, que emerge da minha relação com as ideias que estou tentando desenvolver. De tal modo que, sim, tenho dificuldades em começar.
Procuro organizar minimamente minhas ideias antes de começar, tentar estabelecer uma sequência lógica – defino os tópicos que irão guiar o texto e desenvolvo a partir daí. Na época da escrita da minha tese, comprei um quadro branco que pendurei em meu escritório. Esquematizava os assuntos e suas relações antes de sentar à frente do computador para escrever – e, durante o processo de escrita, ia ao quadro inúmeras vezes arrumar, mudar e redesenhar o que tinha pensado em um primeiro momento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido bem com minha ansiedade e com as expectativas, o que se torna um problema já em curto prazo. Mas aprendi com a experiência a respeitar meu corpo e aquilo que ele sinaliza insistentemente – com isso, procuro não forçar o processo de escrita quando me sinto ansioso. Isso leva a uma primeira estratégia: negociar novos prazos de entrega com quem me demandou o escrito. Além dessa negociação, procuro conversar com colegas da área sobre aquilo que pretendo desenvolver no texto. Isso me dá segurança para continuar a escrever e, em geral, me traz novas ideias.
Do ponto de vista mais prático e individual, uso duas estratégias que me ajudam a aplacar a ansiedade no momento de escrita: tomar banho e praticar corrida. Durante as escritas da dissertação e da tese, costumava correr com um gravador digital no bolso. Parei inúmeras vezes a atividade para gravar as ideias que tinha. Utilizo menos essas estratégias hoje, pois costumo desenvolver minha escrita enquanto estou na UnB.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Outra coisa que a experiência na escrita me trouxe foi entender que nenhum texto fica pronto. Fui, por muito tempo, refém das inúmeras revisões que fazia – o que gerava inúmeros processos de retomada e escrita do texto. Atualmente, faço duas revisões: uma para avaliar a coerência e articulação do texto, outra para detectar problemas de digitação e erros de português. Não costumo mostrar os textos para outras pessoas, mas tenho feito um esforço para adquirir esse hábito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
De maneira mais geral, minha relação com a tecnologia é dialética. Por um lado, adoro a facilidade de escrever no computador com a possibilidade de consultar materiais na internet. Por outro, sinto que essa facilidade pode “superacelerar” o processo de escrita, o que pode gerar uma perda no tempo de reflexão e maturação do texto. De tal modo que procuro alternar escritos à mão com o uso do computador. Em geral, escrevo à mão rascunhos e esquemas que irão guiar a prática no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho duas fontes primárias: os materiais de pesquisa (essencialmente entrevistas com trabalhadores) e as discussões realizadas em sala de aula. Procuro apresentar novos conceitos e ideias em sala de aula – e tento construir, a partir da discussão com os discentes, a estrutura daquilo que irei escrever. Além dessas fontes primárias, procuro manter minhas leituras sobre a categoria “Trabalho” atualizadas, dialogar com colegas da área e participar de eventos científicos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Penso que a escrita em si mudou muito pouco: acredito que mantive o mesmo estilo ao longo do tempo. A mudança mais fundamental foi com o exercício em si, com a relação que tenho com a prática de escrever. Como expliquei antes, tenho procurado ser mais ameno nas cobranças e expectativas que coloco para mim antes, durante e depois da escrita. Tenho me cobrado menos também do ponto de vista quantitativo: tanto no que diz respeito à quantidade produzida quanto ao tamanho dos textos.
Acho que não diria muita coisa para mim se pudesse voltar à época da tese. Criaria um paradoxo temporal: os conselhos que eu poderia dar só se desenvolveram por tudo que passei na época do doutorado. Talvez oferecesse um clichê: “Parece que tudo está ruim agora, mas vai ficar tudo bem”. Mas acredito que o eu do passado não aceitaria muito bem esse clichê vindo do futuro…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho o projeto, sem prazo para execução, de organizar uma obra articulando registros fotográficos que os trabalhadores fazem do próprio trabalho e a análise de entrevistas que esses mesmos sujeitos dão sobre as fotografias. E acho que é justamente esse livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe…