Emilio Peluso Neder Meyer é professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMG e coordenador do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição (CJT/UFMG).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começa de uma forma diferente da que eu gostaria. Sempre penso em controlar melhor minha disciplina do dia-a-dia, mas acabo vencido pela ansiedade de cumprir tarefas agendadas que, normalmente, vão ganhando de mim no prazo. Tento sempre me preparar com antecedência, mas o acúmulo de atividades acaba não me deixando. Assim, deveria fazer exercícios matinais, mas troco isso por acordar mais cedo (às vezes cinco e meia da manhã, às vezes perto de sete) para logo começar a fazer algo que já deveria ter feito com mais calma antes. De fato, algo que poderia me ajudar muito nunca vem: uma rotina de exercícios físicos que poderia aliviar as sucessivas dores nas costas por permanecer tanto tempo sentado à frente do computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que as manhãs me são mais favoráveis. Não gosto do período da tarde porque, em geral, está calor. E tento deixar a noite para atividades que me “desliguem” um pouco e atrapalhem menos meu sono – que já foi melhor. Não tenho grandes rituais. Os meus temas de pesquisa vêm de uma forma um pouco intuitiva, normalmente sucedendo pesquisas prévias. Por exemplo, no semestre passado discuti com meus alunos da Pós-Graduação da UFMG a relação entre Judiciário e autoritarismo. Isto me levou a questionar alguns pressupostos do constitucionalismo e suas várias atuais vertentes, o que me lançou no que ando me interessando mais em termos de Direito Constitucional Comparado. Acho que é o próprio acúmulo de conhecimento que me empurra a começar a escrever. De qualquer modo, sou muito adepto da ideia de fazer “resenhas” para melhor entender a estrutura de argumentos de alguns textos. Esse trabalho inicial facilita, a meu ver, muito a escrita de um artigo e o desenvolvimento de uma hipótese para um trabalho científico.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta diária. Normalmente, começo a semana me sentindo extremamente disposto a produzir. Gasto toda essa energia até por volta de quinta-feira, quando prefiro me dedicar a tarefas mais burocráticas. Evito ao máximo estudar ou escrever nos finais de semana. Mas, sim, já li que ter metas diárias pode ser importante. Ainda mais em tempos de exigências “publish or perish”, as metas devem ajudar mesmo. Tenho uma certa tendência a uma produtividade mais vertical, concentrando-me em um artigo ou livro por um período maior – meses, por exemplo – e depois diminuindo um pouco a produção. É curioso isto, já que ainda que possamos achar que a produtividade exigida por órgãos como a CAPES seria “industrial”, o fato é que não se passa o contrário fora do Brasil. Aliás, parece que só agora se tem atentado para o fato de que produção acadêmica de relevo precisa de dedicação exclusiva também no Direito. E quanto mais as pessoas vão por esse caminho, mais trabalho vão achar. Penso que nunca trabalhei tanto como agora; pelo menos, é com algo que gosto muito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho difícil dizer quantas seriam as notas suficientes a serem compiladas. Penso que o processo tende a ser um pouco caótico (um pouco, não totalmente): é possível anotar e tirar algumas conclusões prévias e ir transformando isto em parte daquilo que viria a ser o texto final. Não sei se saberia dizer exatamente como ir da pesquisa à escrita. Como o Judiciário tem me interessado como objeto de pesquisa há muito tempo, venho lendo decisões judiciais ao mesmo tempo em que escrevo sobre elas e as critico. É claro que hoje acompanhar a “oferta” de decisões judiciais ruins é trabalho de Sísifo. Ao mesmo tempo, parece que juízes e tribunais não estão se dando conta de que vão deixar para a posteridade uma enormidade de artigos e livros tratando dos problemas que suas decisões trouxeram.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho tentado aceitar mais claramente que projetos longos funcionam. Prazos de três anos, por exemplo, podem ser interessantes para estipular etapas em que se escreve dois ou três artigos por ano e um livro ao final. É um processo difícil mesmo e a pressão para ser “alguém lido” é cada vez mais crescente em meio a uma academia que produz muito hoje. Isto é bom e ruim ao mesmo tempo. Ruim porque tem feito surgir uma enchente de trabalhos com uma qualidade muito duvidosa. Trabalhar em “peer review” para revistas acadêmicas mostra o quanto ainda precisamos melhorar. Bom porque apenas os acadêmicos de fato dedicados ao trabalho conseguirão ir mais longe.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho uma ansiedade enorme com os textos que dou por finalizados. Isso é um grande problema. Para me contrapor a isto, submeti um livro à leitura prévia de alunos de uma disciplina de Pós e foi excelente para melhorar a obra. Com artigos também tento fazer isto, mas devo me pressionar para fazer mais. Quando tentamos publicações em revistas estrangeiras de alto fator de impacto podemos ter alguma ideia de como o processo pode caminhar. O que é animador e frustrante ao mesmo tempo. De fato, um texto após a revisão em uma submissão de uma revista realmente interessada pode sair muito melhor. Mas pode também chegar ao ponto em que os editores simplesmente desistem do seu texto – como já aconteceu comigo, é claro.
Participei de uma atividade interessante nesse sentido no “King’s College Transnational Summer Institute”, em 2016. Tínhamos que compartilhar nosso texto com seis comentadores de diferentes partes do mundo. Um relator expunha o texto e os demais apontavam críticas e falhas. Cada um tinha cerca de 10 minutos. Ao final, você tinha só 2 minutos para apenas responder algo mais geral. A atividade, de fato, consistia em tentar desconstruir a argumentação e testá-la. Fazemos pouco isto no Brasil, ainda mais no Direito. As pessoas ainda acham que têm que ouvir um sermão de uma ou até duas horas e não discutir nada. Para mim, qualquer boa atividade nesse campo pressupõe a discussão em pouco tempo e por mais pessoas de um texto elaborado por um convidado. Isto estimula a elevação da qualidade do material produzido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Abandonei faz tempo o uso de escritas à mão. Muito raramente recorro a elas. Tenho cada vez mais recorrido ao computador, que sempre levo comigo. Isso facilita manter arquivos do que foi feito e discutido; algumas anotações acabam me ajudando no futuro. Fico sempre antenado a novos aplicativos com colegas e amigos. Mas costumo demorar a me adaptar. Paguei caro no “Bookends” para usar pouco. Estou tentando me adaptar ao “Mendeley”. Acho que é algo fundamental: o processo de sair procurando uma citação em textos antigos atrasa demais todo o trabalho. Um amigo indicou também o “Docear”, que ajuda a construir mapas mentais a partir de documentos “PDF”, mas ainda estou engatinhando nele.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que o processo científico tem dependido mais da circulação de ideias e cada vez menos de alguma genialidade no Direito. Com isso, o desenvolvimento de hipóteses e novas soluções depende mais da produtividade e do diálogo do que de criatividade. É claro que sempre há algum espaço para isso. Talvez a literatura nos ajude nessa parte, algo que tem faltado no meu tempo do dia-a-dia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Mais simplicidade e objetividade. Gosto da minha tese de doutorado, mas sempre é possível fazer reparos. A minha dissertação de mestrado, como defendida e publicada, poderia ter seguido outro caminho. Fiz parte desse trabalho simplificando a escrita e retirando os cacoetes do jurista: nada mais brega, por exemplo, do que “o festejado autor”. Isto me fez reanalisar o que tinha escrito e conseguir formular algo mais interessante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Preciso escrever um livro em inglês. Acho que somos cada vez mais pressionados à internacionalização, seja por fatores institucionais, seja pelo próprio objeto da pesquisa. É um projeto que pretendo desenvolver, mas ainda estou “desenhando” o que pesquisar.
Um livro que gostaria de ler e que, creio, não existe: o papel de parte da classe jurídica brasileira em legitimar golpes e autoritarismo.