Elton Magalhães é professor do Instituto Federal Baiano, poeta e cordelista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, e infelizmente, acordo com o barulho despertador e em poucos minutos já estou preso à rotina do trabalho. O lado bom de tudo isso é que eu sou professor e sinto grande prazer no que faço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Primeiro é importante ressaltar que a escrita para mim não é considerada uma lida. Quando escrevo, faço por necessidade, por prazer e, de certa forma, também por responsabilidade social. Por isso mesmo não me prendo a nenhum ritual. Quanto à preparação, a depender do que estou escrevendo, uma pesquisa se faz necessária. Recentemente, por exemplo, publiquei um livro sobre algumas das mais importantes festas populares da Bahia. Para isso, precisei encontrar referências históricas sobre esses eventos. Só a partir do momento em que eu me sinto preparado é que começo a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Como eu escrevo geralmente Literatura de Cordel, preciso sempre partir de um motivo, um tema. É possível escrever sobre tudo dentro da estrutura do Cordel. Despois de identificado o assunto, e caso haja uma vontade de escrita (o que alguns chamam de impulsão lírica) eu escrevo até dizer o que necessito. Isso às vezes leva uma semana, dias ou até mesmo uma tarde. Há quatro anos eu publiquei meu primeiro livro em cordel: 2014: o ano da Copa no país do futebol. Nesse caso, por conta de uma necessidade de publicá-lo o mais rápido possível, eu criei uma rotina de escrita: escrevia todas as tardes até onde a imaginação permitia. O resultado disso é que o livro foi gerado num período de dois meses, um livro com aproximadamente cem páginas, mais de duzentas estrofes e mil versos de Cordel.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Essa é uma questão muito relativa. Depende muito da criatividade e do interesse pelo tema. Além disso, cada tema requer um grau de pesquisa maior ou menor. No meu caso, por se tratar de escritas em Cordel, acredito que seja fundamental o domínio do assunto. E quanto mais conteúdo, mais liberdade eu tenho para organizar o meu texto de uma forma mais criativa, dinâmica e até mesmo mais extensa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Entrego tudo à vontade das musas. O texto quando tiver de sair, sairá, se for a vontade delas. Não sou de sofrer por ideias que não querem virar texto. Inclusive, tenho escrito muito pouco e isso realmente não me incomoda. Por outro lado, são sou do tipo de escritor que faz muito filtro, que joga seus textos no lixo. Quando escrevo, no geral, aproveito tudo. E me sinto satisfeito dessa forma. Penso que uma vida bem vivida é a melhor forma de contribuir com o mundo. Nunca tive uma experiência com projetos muito longos, por isso não posso depor quanto a esse tipo de ansiedade. O meu último livro, Festas Populares da Bahia, é uma coletânea de textos que foram escritos separadamente durante o ano de 2015, a convite de um jornal da Bahia. Quando pensei em publicá-los, agora em 2018, os textos já estavam prontos. Quanto ao medo de corresponder às expectativas, bem… não há medo algum. Todo escritor está sujeito a críticas, e até mesmo ao esquecimento. Os meus textos têm circulado bastante nas instituições de ensino, através das palestras e oficinas que faço, e isso para mim já é mais do que satisfatório. Acredito que a vontade da maioria dos escritores é ver seus textos chegando às salas de aula e, felizmente, tenho sido privilegiado por isso desde muito cedo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim, mostro às pessoas mais próximas e que não necessariamente estão envolvidas com o meio literário. Confesso que sou um tanto irresponsável quanto às revisões e isso já me custou alguns desgastes. No meu citado 2014, aparecem alguns erros irresponsáveis de pontuação, mesmo eu tendo revisado algumas vezes o texto e ele tendo passado pela revisão da editora. Acontece que foi um livro escrito em dois meses, durante a Copa de 2014, e que precisou ser publicado imediatamente. Isso contribuiu para que algumas falhas aparecessem. Em relação aos poemas curtos, eles estão em constante processo de mudança, mesmo depois de publicados ou compartilhados na internet.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou um escritor nascido na geração da informática. Por isso, meus textos são todos escritos no computador e, algumas vezes, no próprio celular, através desses aplicativos chamados “bloco de notas”. Muitas vezes, inclusive, os meus textos são compartilhados e se espalham pela internet sem ao menos serem impressos ou publicados em formato de livro. A internet, em especial as redes sociais, foram instrumentos muito importantes para a circulação dos meus trabalhos. Pensemos o seguinte: os escritores contemporâneos, em especial os menos conhecidos, geralmente lançam livros com uma tiragem média de 200/300 exemplares. Às vezes levam meses ou anos para que esse material se esgote. Por outro lado, já compartilhei alguns escritos meus em formato de texto ou de vídeo-performance que tiveram mais de dez mil visualizações. Circularam por todo o país. Isso me rendeu, inclusive, alguns convites para programas de televisão, palestras, oficinas, além do reconhecimento de escritores cordelistas de todo o país que são muito importantes para mim. É uma felicidade e um privilégio ter as tecnologias ao nosso alcance.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A cada dia estou mais certo que minhas ideias surgem das leituras que faço. Quanto mais leio, mais sinto desejo de escrever. Isso porque, ao meu ver, tudo já foi dito, tudo já foi feito no campo das artes. O que nós, artistas novos fazemos, é atualizar as coisas necessárias e que devem ser ditas a todo momento. Tenho percebido que ao ler um romance, é possível surgir uma ideia a partir da personalidade de uma personagem, ou de uma fala dela. Às vezes, ao ler um poema, fico enfeitiçado pelo ritmo dele e isso me leva a escrever um poema ao seu modo. Por isso, mesmo diante das dificuldades do dia a dia, faço um esforço para estar sempre lendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Sou um poeta novo, escrevo há seis anos aproximadamente. Além disso, grande parte dos meus textos (aqueles que me sinto seguro para publicar) estão dentro da estrutura do Cordel. E a Literatura de Cordel é muito rigorosa quanto à tradição da forma. Continuo fiel ao meu processo de escrita, ou seja, esperando que as palavras me procurem. E elas sempre são generosas comigo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como disse acima, acredito que tudo já foi dito no universo da arte. Espero ainda poder ler muitos clássicos, ao mesmo tempo em que tento me manter atualizado com o que há de mais novo circulando por aí. Por outro lado, gosto de me surpreender com as novas formas, com textos que mesmo trazendo à tona o já dito, me chama atenção pela subversão estética.
Tenho um projeto em mente e estou ainda no processo embrionário que corresponde a uma ampla pesquisa sobre o tema. Prefiro, por enquanto, não dizer sobre o que se trata. Mas posso antecipar que é um livro de contos (ou romances) em Cordel, com histórias que se passam em épocas diferentes, mas que se cruzam por algumas peculiaridades como as experiências traumatizantes das personagens, os nomes delas e as datas: as histórias se passam sempre num mesmo dia.