Eltânia André é escritora, autora de Manhãs Adiadas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, começo o dia com um longo banho e depois tomo café. Se estou escrevendo algum livro ou tenho algum trabalho literário para fazer, vou para uma biblioteca e trabalho o dia todo. Do contrário, gosto muito de caminhar pela cidade, ir à feira de frutas e legumes ou continuar a leitura do livro que iniciei numa praça ao ar livre.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que produzo melhor pela manhã, mas costumo escrever também durante todo o dia. Somente à noite sou improdutiva. Não escrevo em casa. Em Lisboa tenho frequentado as bibliotecas, mas em São Paulo escrevia nos cafés, livrarias ou centros culturais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A única coisa que faço todos os dias é ler. Ler, para mim, é uma necessidade e uma urgência, pois além dos livros que não li, ainda há as releituras que não se esgotam e se impõem como necessidade estética e de diálogo. Quando estou mergulhada na construção de alguma obra, minha dedicação é intensiva, se isso for possível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não traço nenhuma linha sobre o que vou escrever (trago apenas uma ideia nublada na mente e aí começo). Ainda não tive a experiência de trabalhar com pesquisa, não delimito uma estratégia, mas ao longo da narrativa muitas vezes sou convidada a fazer pequenas consultas. O que contou até então foi a invenção e a memória. Além disso, a rua é sempre um bom lugar para recolher histórias, por isso gosto muito de ouvir as pessoas, de absorver o máximo que posso de minhas andanças, seja ouvindo uma conversa entre anônimos, olhando o mar ou ouvindo música, lendo blogs e livros, vendo um filme ou uma peça de teatro… um insight, um detalhe, uma notícia de jornal, uma ocorrência banal do cotidiano, uma nuance qualquer…. tudo isso me interessa e ainda mais à literatura. Apesar de que a ficção é sempre mais leve do que a realidade, basta ver as tragédias, as guerras, a desigualdade, a violência, a perversão do capitalismo e tantos outros eteceteras bélicos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me preocupo com essas coisas, com imposições ou limites, gosto de projetos longos e sou boa para cumprir prazos.
O que me atormenta é a angústia pessoal com aquilo que surge no papel, escrever é um ato intenso, embora sutil. A linguagem é fundamental; uma sacola de plástico bailando com o vento que anuncia a tempestade pode ser a história, mas as palavras que vão anunciar essa valsa é a minha busca enquanto escritora. Com que palavras e com qual silêncio o narrador sustentará o seu dizer? Por isso, a fase mais exaustiva é a lapidação, revisar, revisar, revisar.
Aí sim, depois de ir até o fim na construção dos textos é que começo a pensar: por que motivo escrevo? Essa pergunta sempre retorna e não encontro uma resposta que me acalme e também não consigo parar de escrever. Mas poucos são os estímulos externos, tão difícil sermos lidos. Hora de apresentar o trabalho para as editoras e a angústia emerge: irão nos responder? (porque é comum o silêncio como “não” ou como sinônimo de acúmulo de atividades, descaso ou desprezo, não sei bem. Acho estranho a forma que somos tratados pelo mercado editorial. Não me acostumo). Haverá um bom diálogo sobre a obra, uma parceria justa em que os dois lados possam se compreender e se comunicar? (E não estou tocando na temática financeira).
Depois do livro editado, nada mais depende de mim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes, até o esgotamento. Entretanto, nunca li nada meu depois de publicado. Tenho um leitor experiente que sempre lê meus textos e antes de publicar encaminho para uma revisora.
Gostaria que mais pessoas lessem os meus trabalhos antes das publicações (meu romance inédito “Terra Dividida” está sendo lido por amigos).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Direto no computador. Somente na fase final de revisão necessito imprimir e fazer as correções, manualmente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Recolho do mundo real através das minhas experiências existenciais, do mundo imaginário e da memória, que sempre arma ciladas entre esses dois universos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
À medida em que vou avançando como leitora, avanço como escritora. Ao passo que me desloco na vida, desloco-me na escrita. Quando volto aos meus primeiros textos, percebo que dei um salto nesses anos de convivência com a literatura.
Talvez dissesse: esconda o primeiro livro, mas não o destrua.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O próximo livro que não comecei e dele nada sei.
Porque no período que trabalhei como psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial de São Bernardo Campo, a atividade era tão intensa que o cansaço físico, mental e espiritual me impedia de produzir como eu gostaria, foram quase quatro anos de baixíssima dedicação à escrita (consegui ler bastante, mas não escrever). Tenho continuado textos já iniciados há pelo menos seis anos. Porque nunca descarto algo em gestação, trabalho no texto até que me sirva ou deixo-o adormecido por mais tempo na gaveta – nunca o entorno na lata de lixo. Estou com um livro de contos – “Duelos”, que sairá pela Editora Patuá, creio que no próximo mês. E finalizei um romance que enviei para um concurso literário. Os dois estavam incompletos na gaveta e os dois últimos anos serviram para terminá-los – ainda tenho algumas coisas para acabar, por exemplo um romance juvenil, mas estou pronta para começar da página em branco.
Mas se fosse falar de um sonho literário, seria algum dia escrever pelo menos um bom poema – não sou poeta, infelizmente. Mas a poesia sempre me desafia a encará-la com respeito e admiração e eu só consigo com muita lentidão.