Ellen Lima é poeta, artista, professora de artes visuais e doutoranda em Modernidades Comparadas em Braga (PT).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre que possível procuro começar o dia com silêncio e calma. O que sempre se repete é o preparo de um chá para acordar o corpo. Como no momento estou estudando em Portugal, cada centelha de sol (quando há) é essencial. Então sentar perto da janela e sentir o sol também faz parte da rotina, principalmente no inverno.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite, sem dúvidas. Eu acho que meus pensamentos entendem o sol como um convite pra fora e a noite é um convite para dentro. É claro que devido aos prazos acadêmicos eu preciso sentar e escrever ao longo do dia. Mas no geral, a escrita é mais leve e prazerosa à noite. No entanto, quando se trata de poesia, o horário é a hora que a inspiração está. E isso depende muito mais do que me atravessa de que horário é, ou onde eu estou. Os meus rituais estão bem mais ligados ao feminino, ouvir o corpo, atendê-lo, me sentir confortável. E daí isso se transpõe para a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias. Penso que na poesia a meta é se concentrar em sentir. Pra mim meta é uma coisa ainda um pouco desconcertante. Todos os dias me vem um pensamento ou uma palavra. Algumas eu sei que me renderão belas coisas. Anoto tudo e quando é o tempo (ciclo) certo pra isso, eu volto a elas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita poética é a partir da observação dos sentimentos e do corpo. Como disse, pra mim é muito importante que eu esteja conectada comigo, com as coisas que sinto, para perceber os sentimentos, as cores e coisas que me atravessam o pensamento. Como na minha vida em geral, me oriento pelos ciclos das luas para “começar” ou “movimentar” algum projeto da pesquisa para escrita. Observar esses ciclos, e agir com eles é fundamental para organizar os processos de criação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Apesar de ser uma pessoa com múltiplos focos, compreendo que disciplina é essencial para lidar com os projetos que tenho. Por isso, começar o quanto antes é fundamental, fazer sempre um pouco a cada dia (porque eu sei que em algum momento meu corpo e meus pensamentos vão “pedir” repouso e calma, e atender é indispensável para continuar). O meu medo maior é de fato me desconectar dos meus ciclos e fazer as coisas no automático. Essas coisas adoecem o processo e a gente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito. E é muito ruim isso porque o trabalho de arte está sempre de alguma forma “inacabado”, e, mesmo sabendo disso, eu fico me “torturando” (risos). E sim, gosto de mostrar, principalmente pra pessoas que eu confio e admiro. Acho muito enriquecedor um olhar de fora sobre o seu trabalho. Tem sempre um retorno, tanto como sugestão, pergunta, ou como um comentário interessante. Eu gosto muito dessa troca.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo papel, blocos, caderninhos…. tenho um ao lado da cama, outro na bolsa, um na mesinha… claro que o bloco de notas do celular é um super aliado, principalmente quando é uma coisa rápida. Mas todos os meus rascunhos estão no papel, eu gosto dessa materialidade. Depois eu passo para o computador, mas escrever em papel pra mim é de alguma forma parte do processo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm do exercício de observar. Observar as coisas, a natureza, as pessoas, e sobretudo observar o que eu sinto quando me percebo “dentro” como parte integrante dessas coisas, ou atravessada por essas ideias. Contato com a natureza, mar, cachoeira, bichos e conversar com pessoas. São hábitos que eu cultivo pra me manter sempre no exercício de observar as coisas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou fui eu própria. Eu estou sempre mudando e os processos mudam junto comigo. É bonito ler textos antigos e ver seu próprio amadurecimento. Talvez não me dissesse nada além de “vá em frente”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou com um livro de poesias que mistura português e Tupi antigo no processo de publicação. Tem sido tão prazeroso me expressar dessa forma, que as vezes me sinto como criança jogando. Desde então estou com desejo de fazer um livro infantil com essa mesma lógica, na brincadeira de português e tupi.