Eliakim Ferreira Oliveira é escritor, poeta, autor de “Polióptico”, “Canteiro de obras” e “Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete do suicida”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa às 21h, quando eu listo o que preciso fazer no dia seguinte (tenho obsessão por listas, algo que a psicanálise vem tratando). No cabeçalho da lista, escrevo: “8h-9h: Estudos e trabalhos”. Então, acordo entre 7h e 8h e trabalho até às 18h, às vezes até às 19h. Mesmo as leituras da noite também são trabalho: leio trechos de um romance (atualmente O obelisco negro, do Remarque) e leio ao menos um poema por dia (conselho que recebi de Inez Cabral de Melo e Thereza Christina Rocque da Motta). Nesse período, estão inclusos estudos de línguas, leituras de textos filosóficos e literários, correção de fichamentos de alunos, produção literária, revisão de textos etc. Mas varia muito. Por exemplo, a rotina de hoje: “8h-9h. Estudos e trabalhos: estudar alemão, aula 6 de Libras, texto de Hannah Arendt, 14h: questões de ensino de filosofia, revisar aula, estudos hegelianos, estudos de mestrado, tradução do texto de C. Wolff, ensaio de poesia, ficção…” É mais ou menos isso. Aí, em algum momento, vou ao mercado, à padaria, ao banco. Também me obrigo a caminhar pelo parque ao lado de casa. Mas, em suma, o dia inteiro é dedicado aos estudos e à produção escrita. Mesmo o descanso é trabalho do pensamento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para a escrita, o melhor horário é a manhã. Mas nem sempre é possível. E se eu me obrigo a escrever só pela manhã, acabo prejudicando a escrita, porque, sabemos, a vida é imprevisível. Aprendi a escrever em qualquer hora e em qualquer lugar. Hoje é mais fácil escrever pela manhã porque estou confinado. Se eu não estivesse, com certeza estaria em um ônibus. E como escrever em pé, em um ônibus?
Eu sempre digo, lembrando uma frase de Drummond: escritor escreve. Me acostumei a escrever até no celular. Recentemente, fui à Minas Gerais. Fiquei em um hotel. Não tinha papel nem caneta, mas permanecia a obrigação de escrever uma crônica para um site. Peguei o celular e escrevi. Depois, copiei, colei e reescrevi. E pronto. Sem papel, caneta e ao longo do dia (lá, eu nem tinha relógio). É claro que a maioria dos escritores prefere um lugar e uma hora do dia para se dedicarem à escrita. Prender-se a isso, no entanto, sobretudo no interior da agitada vida em que vivemos, pode resultar em adiamentos da escrita. E a escrita não pode ser adiada. Quer escreva? Escreva.
Agora, pensemos também que os gêneros textuais não dependem dos mesmos processos de escrita. Olavo Bilac até poderia ter horário para escrever poesia (segundo o que ouvi de Mário Quintana). Mas em geral a poesia, diferente da prosa, não é amiga da hora marcada. Posso ter hora marcada para escrever uma crônica, um conto, um ensaio filosófico. Quanto à poesia, o máximo que consigo é ter hora para lê-la.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu me obrigo a escrever todos os dias — mesmo em fins de semana, feriados, Natal, Ano-Novo, aniversário. Não me importa. Sei que a escrita não é natural. Ela depende de treino, hábito e disciplina. Ela impõe problemas cuja solução nem sempre tem uma regra prévia, de modo que o exercício constante auxilia a encontrar os meios de resolver esses problemas. Certa vez fui chamado a conversar com os alunos do primeiro ano do ensino médio do Colégio Santa Maria. Um aluno me pediu um conselho para escrever melhor. Ao que lhe respondi: leia e escreva. Mas não basta ler muito para escrever bem. É preciso, antes de tudo, escrever. Conhecemos várias pessoas que leem muito e não escrevem bem. Os processos são diferentes. Quando se lê, não se está enfrentando os mesmos problemas que se enfrenta quando se escreve. Por isso procuro escrever todos os dias. Se não escrevo prosa literária, escrevo prosa filosófica. Se não estou às voltas com uma crônica, estou às voltas com um artigo de filosofia. Ou tenho diante de mim um verso e uma ideia, e quero escrever um poema.
Em suma, a meta é escrever: uma estrofe, se possível; duas páginas, se vitorioso; um parágrafo, se alcancei o mínimo. Não tenho, como certos autores, a meta da quantidade de palavras. Stephen King, se não me falha a memória, propõe-se a escrever no mínimo mil palavras por dia. Já tentei. Mas, escrevendo, não importa quanto, já me sinto satisfeito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do texto. Um conto depende da história e a boa história surge nos momentos mais inusitados. Já tive uma boa história para um conto lendo um poema. E logo comecei a escrever o conto “Uma mesa de tamanho normal”. (A propósito, escrevo em voz alta. Neste momento, estou escrevendo em voz alta. O ritmo é muito importante, e é mais facilmente apreendido quanto “cantado”. Mesmo um artigo filosófico tem que ser lido em voz alta. É como quando um desenhista, como Ziraldo, trabalha sobre o papel vegetal para notar as imperfeições do desenho. É mais fácil, ao menos para mim, notar as “imperfeições” do texto quando o leio em voz alta.)
Lembro-me de um conto que nasceu de uma conversa: discutíamos um caso engraçado de dois sujeitos que foram a um prostíbulo, pagaram noventa minutos com uma funcionária e não fizeram nada senão sentar-se para discutir assuntos de trabalho. Quando a funcionária lhes perguntou quando iam começar, um deles respondeu: “Agora não, estamos discutindo o aumento do IPI”. E assim se mantiveram durante noventa minutos. Pagaram a ela e lhe disseram que voltariam, porque ali era um ótimo escritório. Não é um conto perfeito? Ainda não o escrevi.
Quanto a começar um conto: dizer em voz alta ajuda. Eu sou da opinião de que um bom conto é uma boa história. E todos, sem exceção, gostam de uma boa história. A maioria das histórias é contada em voz alta. Aliás, antes da escrita, só existiam essas histórias orais. Quando escrevo um conto, me imagino um velho brejeiro diante de uma fogueira em torno da qual se reúne minha aldeia. E começo: “Tem uma história…”. Eu acho que as pessoas querem ouvir boas histórias. E as boas histórias começam como sempre começaram: recordando o velho brejeiro diante da fogueira. Quer dizer: o cacique, o xamã, o druida, o velho sábio, o velho experiente. Eu, se fosse velho, seria o brejeiro: gosto que as pessoas deem alguma risada.
Algo interessante: se tenho dificuldade de escrever algum elemento de um conto — ou de qualquer texto —, volto à leitura. Quando eu tinha dificuldade de escrever diálogos, lia Hemingway, Dalton Trevisan, Fernando Sabino e Luiz Vilela (excelentes dialoguistas). E depois voltei à escrita: escrevi um conto inteiro em diálogo. Pronto: aprendi. Saiu um livro: Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete do suicida. Será publicado no próximo ano, segundo semestre, pela Editora Ibis Libris. Aguardem.
Filosofia é outra história. Aí depende de notas, sim: ler muitos textos, recortar muitos trechos, escrever comentários, reproduzir os raciocínios, reconstruí-los. Mas, como a coisa se dá? A meu ver, um bom artigo ou ensaio filosófico começa com uma questão. A chave para começar a escrever um texto filosófico é ter consciência da questão que o texto vai enfrentar. Talvez muitos que escrevem textos filosóficos pequem por isso: ao comentarem um trecho de um texto filosófico, demoram a apresentar o problema (“E aí? Qual é a questão? Desembucha!”) ou mesmo se esquecem ou se eximem de apresentá-la. Consequentemente, giram em falso, chovem no molhado, dão nó em gota d´água. Filosofia é reflexão. Reflexão é sobre. Essa coisa sobre a qual se reflete não pode ser banal, gratuita, artificial. Ela tem que pôr-se. O que é pôr-se? É fazer-se questão. Quando a coisa se fez questão, não é tão difícil começar a refletir sobre isso. E o veículo privilegiado da reflexão filosófica é a escrita.
E a poesia? A poesia é complicada. Direi aqui certas coisas que vão contra uma ideia que se tem da poesia. Poesia é também (e sobretudo) pensamento. Poesia não é emoção. Poesia é trabalho com a palavra. Emoção não é trabalho com a palavra. É espontânea, é natural, não é artificial. O leitor perguntará: mas se poesia é pensamento, o que a difere da filosofia, por exemplo? Filosofia não é, em absoluto, trabalho com a palavra: é trabalho com o significado. Mas a poesia é o significado e o resto: a dimensão material, concreta da palavra ou “a exposição das representações sensíveis em geral”, como disse certo filósofo. O som, a imagem, o caráter sensível da palavra são muito importantes. Ora, mas o sensível não é universal: é particular, mas um particular que, no interior de um poema, ingressa em uma relação incestuosa com o universal. A poesia é expressão e comunicação: não deve se eximir nem de uma, nem da outra. Nela, a forma e o conteúdo precisam adequar-se um ao outro, ingressar em uma relação de conúbio. A consequência disso é que poesia não é demonstração: é “mostração”, “ostentação”, ou é, como eu prefiro dizer, exibição. Poesia não é só sobre as coisas: ela é a coisa se exibindo. O pensamento, nesse sentido, copula com a imaginação. Nessa cópula, nesse exibicionismo que é expressão e comunicação, a poesia (se) evidencia (como verbo transitivo e como verbo reflexivo): ela dá a ver. E, por isso, enriquece enormemente a experiência no mundo: ela modifica a própria experiência.
Isso é para que concluamos: poesia é difícil. Se é difícil e não somos Bilac, não é fácil escrevê-la todos os dias e com hora marcada. A “meta” poética é difusa. Uma frase, uma ideia ou uma palavra podem conduzir a um poema. Quando eu escrevia Polióptico, a ideia de que a poesia mostrava o mundo foi me conduzindo. Era como se eu tivesse o indício daquela poesia, como se eu tivesse uma foto do sujeito que eu perseguia: o que era parecido com ele me atraía. A frase de um professor tornou-se um verso. E o verso, no trabalho com a relação incestuosa entre forma e conteúdo da palavra, deu cabo do poema.
O que é mais fácil começar a escrever? Uma crônica. A crônica é mato tiririca: ela dá. É uma conversa fiada bem contada. Mario Prata disse: a conversa fiada transformada em arte. Tendo técnica, sabendo escrever, lendo em voz alta, para manter o ritmo, a crônica vai nascendo. O que é difícil na crônica? Ela depende do deus Cronos — o tempo. Eu não posso escrever uma crônica e deixá-la na gaveta. Crônica é para ser publicada logo depois de ser escrita. Se ela não é publicada, fenece. Então, deixo registrado: se tiverem algum meio, digital ou impresso, onde eu possa publicar crônicas periodicamente, podem me chamar. Terei muito prazer. Mas sem essa possibilidade de publicar periodicamente, não consigo escrever uma crônica. O prazo é amigo da crônica. E talvez seja o gênero textual que mais me agrade. É gostoso escrever uma crônica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje, lido bem. Como eu disse: escritor escreve. Hemingway tinha uma técnica interessante: ele ia escrevendo. Quando chegava ao ponto, ao bom texto, jogava fora tudo que tinha escrito anteriormente e recomeçava dali. João Ubaldo Ribeiro contava também uma história interessante: ele começou a escrever um romance e parou. Em matéria de literatura, isso é suicídio. Quando voltou ao texto, perdeu o fio da meada. Mas encontrou uma solução: foi copiando o texto. Ao fazê-lo, reaprendeu o ritmo (eu diria: demonstrou ao cérebro, por A mais B, que aquilo era importante — e pôs o órgão, ou à “faculdade literária”, a trabalhar).
A procrastinação ocorre, claro, e muita vez está relacionada, conscientemente ou não, ao medo de corresponder às expectativas. Mas não há jeito: erraremos. Escrever é errar. Escrever é reescrever. Como eu fui vencendo essa trava? Assumindo, desde o início, que eu erraria. E faria mais ou menos como Hemingway: ao acertar, trataria de limpar a sujeira. A maior parte do que escrevemos não é para publicar (tem muito poeta que comete este erro: publica tudo, quando deveria publicar o pouco que é bom. Nem Drummond e João Cabral publicaram tudo!).
Tenho uma agenda que me serve para ajustar meus “desequilíbrios”. Quando percebo que estou procrastinando muito, escrevo lá (já para avisar o cérebro): é o seguinte: você está perdendo tempo, está protelando obrigações e tratemos de resolver isso. O resto é esforço, autoavaliação, busca por disciplina… Mas, para isto aqui não se tornar um manual de autoajuda (Deus me livre), também registro: procrastinar pode ser bom; descansar, dormir. Como eu disse: descansar também é trabalho. Não porque o trabalho contribua para o descanso, mas porque o descanso contribui para o trabalho — sobretudo o literário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas revisões. Vou lendo em voz alta até encontrar a “musicalidade”. Até mesmo em textos filosóficos. O tema pode ser intrincado. Mesmo assim, leio em voz alta para meu pai. Não lhe pergunto se ele entendeu o texto, mas se gostou de ouvir. Envio meus textos filosóficos para amigos filósofos, às vezes para poetas. Envio meus textos literários para amigos poetas, prosadores, filósofos ou — e isso é importante — para a gente que não é nada disso. O texto tem que ser para o gozo geral. Confio nos leitores. E não tenho problema em acatar sugestões. Se dizem para eu modificar aqui e ali, modifico. E o texto fica melhor. Agora, chega uma hora que o texto, mesmo podendo melhorar indefinidamente, deve ser publicado. Uma hora é preciso abandonar o texto. Caso contrário, me torno escravo dele.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com as tecnologias é boa. Já cheguei a escrever poemas e contos diretamente no Facebook. E confesso (para meu desespero): a interface me ajudou! O quadrado do Facebook me ajudou: aquela imagem fascinante. Talvez eu tenha sido vítima da psicologia por trás daquela programação… Também comecei a escrever poemas e contos como mensagem de texto, para mim mesmo. No ônibus, na universidade, em viagens. E também escrevo no papel: poemas em geral começam num papel avulso. Depois vão para um caderno. Depois, para o computador. Contos podem começar no caderno e depois podem ir para o computador ou podem começar no computador e depois podem ir para o caderno ou começar no computador e terminar no computador.
Artigos e ensaios de filosofia começam e terminam no computador. Mas já aconteceu de eu começar a escrevê-los no caderno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de muitos lugares. Das conversas, das leituras, das deambulações pela cidade.
A leitura, o encontro com o outro e com o mundo são muito importantes para se manter criativo. E o hábito de escrever também é muito importante, porque programa o cérebro. Como eu disse, o hábito ajuda a encontrar soluções.
Ideias surgem nas conversas. Uma vez eu conversava com a escritora Raquel Naveira sobre o realismo em literatura. E me veio a ideia de escrever um conto cujo realismo é tão excessivo que se torna surreal. Imagine um narrador cuja capacidade descritiva beire à compulsão. O realismo fantástico tem a ver com isso. Mas pensei em um narrador cuja voz fique no limiar entre o possível e o “impossível”, o real e o surreal. Como resolver isso? Ainda não sei.
O conto — e o texto literário em geral — depende da experiência, da memória e da imaginação. A imaginação, aí, é a elaboração dos dados da experiência e da memória. As histórias estão por toda parte. O importante é saber elaborá-las. Ao elaborá-las, o escritor se torna autor delas.
Com a poesia a coisa é parecida: ela depende da experiência. Depende da visão, de ter olhos para as coisas, e evidenciar, nessas coisas, sua dimensão poética. Para tanto, é preciso estar disponível, ver em outros ângulos…
A filosofia também depende, obviamente, de muita leitura e muita reflexão. Acredito no trabalho do pensamento, mesmo quando aparentemente não estamos pensando naquilo que é objeto de nossa reflexão. Enquanto isso, as coisas acontecem em algum nível de nossas capacidades cognitivas.
É natural que, lendo e escrevendo muita literatura, muitas ideias surgirão. Lendo e escrevendo muita filosofia, as ideias também surgirão. Sem pressa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Melhorou muito. Tenho uma pilha enorme de textos ruins, em prosa e em poesia. Aos 16 anos escrevi meu primeiro conto. Era um conto “distópico”, influenciado pelas leituras da época (Metamorfose, do Kafka, e Admirável mundo novo, do Huxley). Lembro que era excessivamente descritivo, verborrágico, pernóstico. Mostrei-o a um professor de literatura e a um professor de sociologia. Ambos gostaram, mas o de sociologia escreveu algo interessante: era um conto romântico. Hoje, não escrevo contos românticos, nem excessivamente descritivos, verborrágicos e pernósticos. Gosto de contos rápidos, dinâmicos, em que as personagens aparecem bem mais, por meio dos diálogos, que o narrador.
Cheguei a escrever poesia concreta. O primeiro poema que publiquei (“Aqui”), numa antologia da Chiado Editora, desafiava o verso. Hoje isso não me interessa tanto: me interessa a dimensão concreta da palavra, sem que isso se torne poesia concreta. A poesia é palavra e acho que a palavra perde quando confrontada com o visual. Talvez me acusem de uma visão estreita do que seja a palavra. É algo sobre o que tenho que refletir.
Também escrevi muitos “versos de circunstância”, muitos poemas líricos, amorosos. Hoje não escrevo mais isso. Agrada-me mais uma poesia objetiva, quase científica (com o perdão do adjetivo. Uso-o porque creio que poesia é uma forma de conhecimento, na medida em que também nos auxilia a compreender a experiência.).
Se eu me encontrasse quando comecei a escrever, diria: Continue. Escreva mais. Leia os clássicos. Leia Flaubert, Balzac, Dostoiévski, Homero, Hemingway, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Rubem Braga… Leia, leia. E, por fim: Não abuse das palavras. Tome cuidado com elas: porque são sensíveis e perigosas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sua pergunta é boa porque me dá a deixa para explicar a razão pela qual escrevo: escrevo porque gosto de ler. Depois que escrevo, sou um leitor, e, como leitor, gosto de ler bons textos.
Ainda quero escrever um romance. E queria ler um romance de difícil classificação. Um romance moderno, urbano, em que o cômico e o trágico estivessem em conúbio, em que se pudesse vislumbrar a raiz de sentimentos humanos e nossa incompreensão diante da totalidade da vida e do mundo. Mas que não fosse “filosófico”, por favor. Nem fantástico. Fosse realista, sim, mas não de um realismo ingênuo. E que fosse, do ponto de vista narrativo, bastante inventivo e consciente da tradição narrativa. E, o mais importante: um romance cuja escrita prendesse o leitor, do início ao fim.
No âmbito filosófico, gostaria de escrever um ensaio que contivesse uma interpretação da concepção fichtiana de “teoria” e que envolvesse a tradição analítica da filosofia, em especial à da chamada “clássica filosofia da ciência” (na expressão de Moulines). Filósofos que lerão isso talvez achem meio canhestro (“o Eliakim deve estar doido”). Mas tendo a ver em Fichte e em certos autores dessa tradição algo em comum: a pretensão de reduzir o mundo (ou a experiência do mundo) a uma “linguagem filosófica” (Giannotti não fez algo parecido com Heidegger e Wittgenstein?). O problema seria conciliar o positivismo com as pretensões “absolutas” ou “metafísicas” de Fichte. Seria interessante misturar esses líquidos imiscíveis ou encostar esses fios desencapados. Só a reflexão filosófica, exaustiva e demorada, vai permitir encontrar essa unidade. Aguardemo-la.