Edyr Augusto Proença é jornalista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Me aposentei há poucos dias. Até então, era acordar e ir trabalhar. Agora, primeiro é ler todos os jornais de Belém, Rio de Janeiro e são Paulo. Só então começo a dar conta dos afazeres e anotações para o livro que começo a escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora. Jornalista a vida inteira, me deparo com a tela branca e a obrigação de escrever. Cada livro meu teve um horário diferente para escrever, tendo em vista os compromissos profissionais. Não tenho ritual, mas costumo rabiscar pequenas notas que me vêm à mente, quase um esqueleto do que será o próximo capítulo, o que muitas vezes é mudado no momento da escrita, conforme as inclinações dos personagens.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase diariamente. Até alguns dias atrás, compromissos estritamente jornalísticos, agora, uma crônica semanal e os primeiros capítulos de meu próximo livro. Quanto à meta, costumo escrever um capítulo por dia, com a duração que precisar ter. Passo o resto do tempo pensando nas próximas ações, anotando, até o dia seguinte.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é caótico. Escolho um assunto que dominará o trabalho. Escuto pessoas contando seus assuntos, leio jornais e recorto detalhes e aos poucos os personagens surgem. Ou guardando tudo na cabeça onde todos ficam maturando até um momento em que assumo a escrita. Para Pssica, meu livro passado, colecionei durante dois anos notícias de jornal sobre tráfico de mulheres e ação dos “ratos d’água”, os piratas dos nossos rios. Mas comecei a escrever após um amigo contar sobre uma menina, que morava próximo à sua casa, cujo namorado publicou nas mídias sociais vídeo de ambos fazendo sexo. Ela levou uma surra da mãe que a mandou, por uns tempos, para a casa de uma tia. Ali encontrei a personagem que buscava. Também nunca sei como o livro terminará. Depende de tudo o que acontecer. Quando escrevo, sinto-me participando das ações e os personagens ganham vida e vontades próprias. Eles ditam os acontecimentos. Uma vez ouvi um colega dizer que o próprio livro sabe, e te avisa, o momento de terminar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrevo para me divertir, para ser feliz, para respirar. Até agora, não me deparei com nenhuma imposição ou compromisso para encaminhar os livros para determinados pontos por questões mercadológicas. Escrevo para me agradar e fico feliz quando o que escrevo agrada outras pessoas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso cada capítulo no dia seguinte, antes de iniciar o próximo. Meus filhos e minha mulher geralmente são os primeiros leitores. De resto, é trabalho profissional dos revisores da Boitempo. Por conta de algumas palavras amazônicas que uso e alguns outros detalhes, debatemos se devemos deixar como está ou mudar. Mas já aconteceu até de mudar o nome do personagem, sem querer e ser avisado pela revisão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou jornalista e desde meus primeiros momentos já tive à frente um teclado, manual, elétrico e digital. Procuro começar com alguma ação. Sei que o leitor é conquistado nas duas primeiras páginas, quase sempre. Algumas frases ou detalhes, anoto em pedaços de papel, mas é só.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da vida. Moro no centro de Belém, rodeado por cafetões, traficantes, prostitutas, vagabundos, engraxates, taxistas. Sou amigo de todos. Ouço seus assuntos, a melodia e a cadência de suas falas. Sou um observador. Gestos, maneira de andar e quando sai de seu normal e fica nervoso, raivoso ou emocionado. Tudo me interessa. Tudo é guardado no cérebro para surgir na escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Venho refinando minha linguagem a cada obra que escrevo. Talvez tenha usado muitas palavras no romance Os Éguas, que agora vai ser relançado, após vinte anos e um prêmio, Chameleon, na França, pela Universidade Jean Moulin, em Lyon. Mas respondo por tudo. Meu segundo livro já apresentou, claramente, meu estilo, Moscow.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro novo estou começando. Há outro, já com uns quinze anos, com uns quatro capítulos escritos e que pretendo retomar. Também pretendo escrever um novo livro com poemas. Gostaria de escrever a biografia de meu avô, Edgar Proença, que foi um grande homem, mas não me sinto capaz de realizar todas as pesquisas necessárias.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não tenho um método. O livro vai se formando aos poucos em minha mente. Há um momento em que decido a melhor maneira de começar. Então deixo fluir tudo o que vinha pensando e deixando os personagens viverem seu percurso. Terminar um livro é terminar um namoro, um caso de amor. Difícil, mas necessário. Depois, recobrar a vida de antes.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sou preguiçoso, trabalho de segunda até quinta, no máximo, uma, duas horas escrevendo. Mas é que no resto do tempo, imagino o que virá a seguir. Não, prefiro um trabalho de cada vez. O ato de escrever, em si, é bem rápido.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Tudo me veio naturalmente. Lia muito e pensava em minhas próprias obras. Primeiro uma ópera rock para o Teatro. Depois a poesia, crônicas, romances e contos. Na adolescência, eu queria replicar tudo o que lia de moderno. Foi natural, até porque toda a família escreve, seja Literatura, seja Jornalismo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
No romance “Os Éguas”, foi naturalmente tomando forma. Uma mistura de redação radiofônica, jornalismo, publicidade e diálogos teatrais. Tudo cada vez mais curto, exato. Em “Moscow”, já está apresentado. Rubem Fonseca, certamente é inspiração. Mas há Hammett e vários outros.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
“O Homem que amava os cachorros”, de Leonardo Padura (Boitempo), “Eles eram muito cavalos”, Luiz Ruffato (Boitempo), “BelHell” de minha autoria, a ser lançado agora em fevereiro pela Boitempo.