Eduardo Reina é jornalista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma das primeiras coisas que faço, após acordar e o café da manhã, é ler um jornal. Essa rotina é realizada há mais de 35 anos.
Depois disso me preparo para o trabalho diário. Sou jornalista. Moro na região metropolitana de São Paulo, o que exige deslocamento longo até local de trabalho.
Houve momento da minha vida que escutava no rádio do carro boletins noticiosos. Isso ajudava a compor pautas, etc. Mas agora estou relaxando um pouco. Escuto música.
Como esse deslocamento casa-trabalho costuma ser longo, junto com o ato de escutar música (e às vezes notícias) aproveito para pensar nos projetos que venho executando.
Muitas ideias surgem nesse período. E são prontamente anotados em um bloco de notas ou caderninho que mantenho no veículo.
Situação semelhante ocorre no retorno para casa.
Quando estou em casa, procuro ler algum livro e escrever algo. Mas não sou de escrever logo pela manhã, cedo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Melhor período é tarde e noite. Quando flui melhor a escrita.
Nos dois últimos anos tive experiência de escrever bastante no período da tarde, sempre que possível.
Não tenho um ritual a ser seguido. Gosto muito de planejar o que vou escrever. Não é para definir tudo o que vai para o papel. Mas os pontos principais como começo, meio e fim de uma situação; próximos passos a serem desenvolvidos; ações dos personagens, etc.
Gosto muito de detalhar cenários, locais onde estão os personagens do livro, indicar objetos nas cenas vividas pelos personagens. Para isso costumo fazer pesquisa para obter informações detalhadas, cruzar dados, ampliar conhecimento sobre o local/objeto/personagem.
Normalmente quando inicio a escrita de um capítulo, de uma cena, de um diálogo, já sei o que vou colocar no papel e qual o possível desfecho/conclusão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca pensei em estabelecer uma meta de escrita diária ou semanal.
Há períodos em que a escrita flui torrencialmente. E outras que fica obstaculizada. Não adianta brigar com o espaço em branco do papel (da tela) ou com as ideias que não fluem. Acredito que as ideias vão aparecer no momento certo, influenciadas pelo planejamento e pelas pesquisas/anotações realizadas.
Isso num livro de ficção.
Num outro tipo de literatura, como um livro reportagem, o processo envolve outras ações.
O livro reportagem requer, como o próprio nome diz, uma reportagem, que inclui entrevistas, leituras de material de pesquisa, as próprias pesquisas.
É o que aconteceu comigo nos últimos quatro anos, na elaboração do livro Cativeiro sem fim, que será lançado em abril.
Esse livro conta a histórias de sequestro e apropriação de bebês, crianças e adolescentes, filhos de militantes políticos, durante a ditadura civil-militar no Brasil. Esses bebês e crianças eram entregues a famílias de militares ou a famílias simpatizantes do regime de exceção.
Para a produção desse livro reportagem eu li mais de uma centena de livros com histórias sobre a ditadura, entrevistei mais de uma centena de pessoas envolvidas com militares, militares, vítimas e familiares dessas vítimas. Percorri mais de 20 mil quilômetros pelo Brasil à procura dessas pessoas.
A rotina nesse caso levava à elaboração de texto-base logo após as entrevistas, além de cruzamento de dados e informações para comprovar as situações levantadas e descobertas, pesquisa de documentos em cartórios, repartições públicas e outros locais. Elaboração de roteiros de viagem e entrevistas e uma infinidade de atividades jornalísticas que levaram ao levantamento e à execução das reportagens que estruturaram o texto final.
A escrita dos capítulos se deu nos períodos da tarde e noite, em meu notebook. Uma grande quantidade de releituras, checagem e rechecagem de informações.
Uma rotina pesada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo começar a escrever uma história somente depois que tenho as informações que julgo serem suficientes para colocar o texto em pé. Seja ele um texto ficcional ou de uma reportagem investigativa. Um hábito levado por anos como repórter.
É fato que durante a elaboração do texto irá surgir a necessidade de se buscar mais e novas informações, que vão complementar, estruturar, basear o texto. Mas só começo a escrita com uma determinada gama de informações na mão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são fantasmas que rondam os escritores. Não penso em procrastinação. Isso não acontece.
Mas há medo de não corresponder. Medo de as pessoas não entenderem o que você quer dizer. E para isso recorro aos amigos. Muitos textos importantes passam pelo crivo de amigos mais próximos, que dão seus pitacos, sugestões, fazem críticas. Isso é muito importante para o escritor. Saber ouvir as críticas, ter capacidade de entender o que os outros estão dizendo – mesmo que seja o contrário do que você esperava – e mudar o texto. Afinal, o objetivo é melhorar cada vez mais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho muito importante ter a opinião de outras pessoas para meus textos. Não quantifico as vezes que faço revisão. São feitas de acordo com a necessidade e o tempo disponível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no notebook. Muito mais produtivo.
Às vezes escrevo alguma frase, alguma indicação, alguma informação num papel, nos caderninhos e blocos que sempre tenho à mão. E repasso para o arquivo no computador depois, na primeira oportunidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Nunca pensei que cultivava hábito para me manter criativo.
A criatividade é mantida através de muita leitura, contato com novas perspectivas, com a arte.
Se isso é cultivar hábitos para a criatividade, eu cultivo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o passar do tempo a gente vai se adaptando a tudo. Com certeza hoje tenho muito mais segurança ao escrever um texto do que tinha há vinte anos.
Se houvesse essa possibilidade de voltar aos primeiros textos, eu diria para ser menos afoito, não ter pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou concluindo um projeto extremamente importante neste momento, que é o lançamento do livro reportagem Cativeiro sem fim. Trata-se de uma denúncia que mostra e comprova a existência de um crie de guerra praticado pelas forças militares no Brasil durante a ditadura. O sequestro e apropriação de bebês, crianças e adolescentes, filhos de militantes políticos de esquerdas. Um crime registrado nas ditaduras da Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia, mas que estava escondido aqui no Brasil. Fora dos livros de histórias e fora da mídia.
É um projeto muito valioso para mim.
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Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sim, sempre. É um preceito seguido religiosamente. O projeto, ou a pauta, é o que norteia todo o trabalho, mesmo que durante o percurso seja necessário fazer alguma alteração, tomar outro rumo. É como uma pré-apuração, que te ajuda nas entrevistas, te ajuda a não cair em armadilhas e pode evitar que você seja enganado ou direcionado pela fonte entrevistada.
Quando o trabalho é um livro reportagem, por exemplo, que carece de muita pesquisa e muitas entrevistas, sempre procuro ir escrevendo ao longo do processo de apuração/investigação/checagem. Essa escrita aos pedaços evita que se percam detalhes vivenciados, como o local dos fatos, a emoção do personagem entrevistado, o clima do local onde foi realizada a conversa/entrevista.
Na escrita de ficção, que no meu processo e trabalho também exige pesquisas sobre fatos e pessoas e datas, escrevo aos poucos, mas sempre com base e foco onde quero chegar, no que quero demonstrar.
Às vezes começo a escrever por uma parte que não seja exatamente o começo do texto. Pode ter início em alguma parte do meio do texto. Para só depois se chegar ao abre ou ao final.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sempre trabalho com várias coisas ao mesmo tempo. Mas entendo que é prioridade ter exclusividade em alguns momentos críticos do trabalho. Tanto durante a apuração quanto na redação.
Os trabalhos paralelos são uma contingência da situação. Adoraria me dedicar exclusivamente a um único trabalho.
Trabalho 24 horas por dia, em pesquisa, em entrevistas, à procura de informações, na checagem e rechecagem de fatos e informações.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A vida me motiva a escrever. Adoro conhecer e contar histórias.
Um dos motivos é profissional, sou jornalista. Como jornalista profissional sempre estou em busca de uma história inédita, um furo.
O outro é buscar sempre a melhor maneira de comunicação com as outras pessoas.
O maior prazer é ver seu texto lido e comentado pelas pessoas. Isso vicia.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nunca parei para pensar que tenho um “estilo próprio”. Pode ser que ele exista. Mas a resposta à pergunta anterior possa explicar o meu jeito de trabalhar.
São muitos autores brasileiros ou não que me influenciaram e me influenciam no trabalho. Machado de Assis, Luis Fernando Veríssimo, Gabriel Garcia Marques, Gay Talese, nossa, uma infinidade deles.
Penso que retenho o ensinamento de um pouco de cada autor que leio, de cada livro que devoro, de cada parágrafo de me delicio, de cada história contada – ao modo de cada autor – que aprecio.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis. É sempre um prazer ler o Bruxo do Cosme Velho.
O cheiro da guerra, José Hamilton Ribeiro. Mestre da reportagem narra o episódio de sua b=cobertura na guerra do Vietnã, onde pisou numa mina terrestre.
Fama e anonimato, Gay Talese. Outro mestre da reportagem, com texto excelente, fluído e que mostra como o repórter pode se portar em diferentes situações.
Teria mais um monte de livros a indicar…