Eduardo Ramalho Rabenhorst é Professor Titular no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo. Na verdade, desperto-me cedo, pois para acordar de fato necessito de muito tempo, um tempo de ócio diante da tela do computador, lendo jornais. É quando folheio livros, vejo alguns blogs e começo a postar coisas na minha rede social, tomando xícaras e xícaras de café amargo, até sair do estado de sonolência. Quando posso, gosto de caminhar na praia, descalço. A manhã é o turno que uso para fazer exercícios de todos os tipos: físicos e espirituais!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante o período da manhã me sinto mais criativo e aberto para novas ideias. Gosto de escrever nesse turno, porém dificilmente consigo escrever de modo disciplinado. Para escrever preciso ler muito, consultar muita coisa. Isso tem a ver com o meu estilo de textos, que no momento buscam tratar da filosofia de um modo nada acadêmico. Tentei fazer ficção, mas além de ser muito mais sofrido o processo de escrita, percebi que as pessoas gostam da forma leve e descontraída, para não dizer irresponsável, como trato de temas filosóficos em uma coluna semanal.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou anárquico em tudo que faço. Não tenho método nem estabeleço metas. Talvez fosse o caso de ter uma rotina mais organizada se eu fizesse da escrita uma profissão, o que não é o caso. Escrevo quando sinto vontade e acabo não cumprindo os prazos, salvo aqueles impostos pelo meu trabalho como professor universitário. Escrevo muitos textos que são logo abandonados, rascunhos, esboços, frases soltas que me ajudam no desenvolvimento de uma ideia qualquer. Contudo, não gosto nem um pouco de ler o que já escrevi ou publiquei, como também não gosto de ouvir minha voz no gravador ou ver minha imagem em um vídeo. Reler para mim é corrigir. Ao reler, acabo por refazer o texto, daí a necessidade de evitar voltar ao que já escrevi.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Então, escolho um tema por acaso em razão de algo que me aconteceu. Uma leitura, uma imagem, um fato na rua, uma notícia etc. Pesquiso muito sobre o assunto criando uma espécie de mini almanaque. Se vou escrever sobre um tema como a pele, por exemplo, como fiz na semana passada, procuro ver muita coisa sobre isso: quadros, músicas, literatura, artigos médicos, enfim, vou formando uma enciclopédia sobre o motivo escolhido. Na verdade, minha escrita é toda “sampleada”, como se diz na música, um conjunto de fragmentos obtidos em lugares diversos. Talvez seja isso que desperte a atenção no leitor. Há um prazer em pensar: de onde ele tirou isso?
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas acontecem o tempo todo. Posso ficar dias sem conseguir concluir um pequeno texto. A solução é se afastar e fazer outra coisa, até mesmo começar um novo texto, deixando o anterior de lado. De repente a lâmpada acende e consigo fechar tudo. Não sinto medo de não corresponder às expectativas. Escrevo, antes de tudo, para mim mesmo. Como Montaigne, que tanto me inspira, só conheço bem um tema, eu mesmo. Tudo que escrevo, portanto, é pessoal. Mas, claro, gosto quando as pessoas me dão um retorno. Alegra-me saber que minha experiência pode ser útil aos outros. Coisa de professor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes e peço para que os outros revisem. Nunca me sinto seguro. A cada revisão encontro um erro ou algo que poderia ser melhorado. Na tela do computador os erros se escondem, como se eles fossem aqueles pequenos diabos de um conto de Andersen sobre espelhos. Os erros não gostam do papel, pois este revela o enigma, como também ocorre com as fotos impressas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador. Fazia o mesmo antes com a velha máquina de escrever. Não sou muito ligado em tecnologia, mas o computador passou a ser quase uma extensão de meu corpo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
No meu caso, pelo menos, a criatividade depende do contato com o alheio, algo facilitado em demasia pela internet. Contudo, tenho uma biblioteca enorme em casa. Ela me auxilia muito. Há livros em praticamente todas as partes de minha casa, inclusive na cozinha e no banheiro. Borges dizia não se orgulhar do que ele havia escrito, mas sim do que havia lido. É isso. Não acredito na ideia de “criação” como produção de algo original. Uso o verbo “criar” sempre no sentido que costumava ouvir quando criança e os adultos diziam, por exemplo, que estavam “criando aquele menino”. Criar era simplesmente deixar crescer, fazer aquela vida se expandir. Por isso, acho que as ideias de autor e de autoria, assim como a de direitos autorais, são meros produtos de uma sociedade capitalista que busca se apropriar de todas as coisas, transformando-as em mercadoria.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Escrever uma tese é muito difícil, dolorido. É um trabalho que será julgado. Do resultado depende seu futuro na profissão. Escrevi uma tese em francês com quase quinhentas páginas. Não faria isso de novo. De lá para cá, mudei na forma e no conteúdo. Interesso-me pelo ensaio, por textos curtos, concisos, escritos em desrespeito completo às normas acadêmicas. Não gosto de notas de rodapé. Prefiro que o leitor busque por conta própria a referência. Quanto ao conteúdo, prefiro hoje fazer uma filosofia em retalhos, revirando as gavetas da história da filosofia em busca de temas nada “nobres”. Como Deleuze, não gosto do elevado nem do profundo. Prefiro me manter na superfície.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto inconcluso que muito me angustia: escrever sobre as sombras. Na verdade, por muito ter lido Borges, fiquei impregnado dos temas que lhe eram caros, como os espelhos, os tigres e as sombras. Nunca pensei nessa a ideia de um livro que eu gostaria de ler e que não existe ainda. Talvez alguns dos livros que estavam na biblioteca de Alexandria…