Eduardo Mahon é poeta, romancista e contista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho trigêmeos. Portanto, desde que nasceram, nunca mais usei despertador. Acordo quase sempre às seis horas, vou direto à cozinha para o café. Geralmente, comemos omelete. De vez em quando, fazemos um exercício com a escrita ou leitura. Tomo banho e sigo para o escritório, de onde saio por volta de 12:30 todos os dias. Quero ver os meninos antes de saírem para o colégio, às 13h. Minha vida é prosaica, profundamente burguesa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
É preciso saber de que tipo de escrita estamos falando. Se é uma escrita não literária, qualquer hora é hora. Sou advogado e articulista. Portanto, manhã, tarde ou noite. Nada melhor pra relaxar do que escrever um artigo polêmico e soltar nas redes sociais como uma bomba. A literatura está reservada para as noites, depois que os meninos dormem, ou mesmo depois que a minha mulher vai dormir. De 22h em diante, portanto. Aí não é brincadeira, ou melhor, é aí que a brincadeira começa de verdade. Coloco um travesseiro no colo e, sobre ele, o notebook. Vou escrevendo meus monoblocos de uma ou duas páginas, geralmente 1 bloco por noite. Em trinta dias, mais ou menos, o livro está com a primeira versão pronta. Isso, evidentemente, caso a estrutura já esteja amadurecida, o roteiro delineado, a estratégia montada. Não sou maluco ao ponto de entrar num navio sem um mapa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho uma meta de leitura, não de escrita. Leio um livro a cada dois ou três dias, seja literatura ou escrita científica sobre cultura (arte e literatura), geralmente. Com relação à escrita, isso depende do projeto, como eu disse. A estruturação de um livro de contos ou de poesias é mais errática do que um romance que precisa de uma espinha dorsal. Ainda que os contos tenham uma mesma tônica ou mesmo a poesia, uma mesma temática, é possível escrever aos poucos. Quanto ao romance, é inevitável (para mim) que haja um plano – um ou dois monoblocos por dia é mais do que suficiente. Aí está a disciplina. Esse método faz com que fique mais simples inclusive a revisão, o enxerto, o corte ou mesmo a reformulação. Escrevo em flash – pequenos capítulos, vinculados ou não uns com os outros. É como se estivesse assistindo a uma série ou montando um quebra-cabeça. Talvez por isso, seja possível visualizar meu trabalho pela expressividade imagética. Quero que o leitor me acompanhe na cena e, os melhores leitores, no estilo. No Cambista, por exemplo, depois que terminei o livro, coloquei o último capítulo para iniciar o livro e essa alteração da ordem não fez a menor diferença na estrutura, já que a fragmentação é a própria forma que desenvolvo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Só começo um romance quando sei o final. Não me aventuro em turbilhões incertos, sem uma lógica interna. Aliás, escrever um romance já é maluquice o suficiente para uma pessoa. O maluco não é burro, todavia. Há uma lógica interna dos malucos como nós, escritores. A ideia original, quando a tenho, discuto imediatamente com duas ou três pessoas. A linha central é definida antes de começar: quem fala, de onde fala, o que fala e como fala. Os detalhes que ganham importância ao longo do processo compõem e adensam o romance, mas não abalam a estrutura central. Muito ao contrário: os detalhes são os músculos que vão sustentar a ossatura. Um episódio por dia, todos os dias escrevendo. A receita rende um produto final, inevitavelmente. Quanto às notas de pesquisa, nunca fiz até este último romance que estou pra lançar – A gente era obrigada a ser feliz. Este último é romance histórico, faz o leitor passar a História do Brasil em revista pelos olhos do personagem principal. Portanto, foi preciso fazer notas sobre o funcionamento de um quartel de cavalaria, patentes militares, o funcionamento interno de uma instituição dessas, as datas e episódios etc – um saco!
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Estou escrevendo, em geral, realismo mágico. Quando não há uma solução para uma encruzilhada, inventa-se. Esse viés literário ajuda muito porque desafia a lógica tradicional. O fantástico torna-se mais interessante na medida em que o insólito seja tratado de forma verossímil. Aí é que reside o sorriso nervoso do leitor, o questionamento “como é possível?”, ou a acusação “não é possível!”. O incômodo, o espanto, a perplexidade é o que estou buscando ao escrever. Depois, outras matizes mais maduras podem se somar à intenção e, portanto, ao texto. Com relação ao “projeto longo” que, no meu caso, são romances… é desesperador escrever um romance. Ter a ideia, forjar um mapa, pensar numa estrutura narrativa e começar a escrever não é tão difícil. Mas depois… o desafio passa a ser físico! Trata-se de um exercício de paciência que demanda fôlego de maratona. O escritor – pelo menos eu sou assim – é tentado a resumir, cortar, abreviar o que queria escrever por não aguentar mais manter o ritmo. Quando estou exatamente no meio do enredo, suado e fedido, meio bêbado daquilo tudo, desesperançoso e longe do fim, juro para mim mesmo “nunca mais vou escrever um romance”. É até burrice. Mas é a glória, ao mesmo tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho a revisão um porre. É um dos meus pontos fracos. Chatíssimo mesmo. O texto melhora muitíssimo com a revisão. Mas, se é insano escrever um romance, é absurdamente louco revisá-lo mais de duas vezes. Faço uma leitura preliminar no computador, acrescento e corto o texto original. Depois, quando a história em si está fechada, faço a primeira impressão no papel. Vem uma segunda revisão com acréscimos e cortes, dessa vez menores. Uma linha aqui, um parágrafo ali. Nada muito significativo. Segunda impressão e terceira revisão, dessa vez de ortografia, nexo textual etc. Mostro para meu pai, para o meu sogro e para a minha mulher que me oferecem observações, críticas, sugestões. Terceira impressão e quarta revisão. Depois mando tudo à puta que pariu e envio o texto pra editora, com náuseas e raiva. Tenho muita pena do meu pai, coitado. Ele é obrigado a ler umas três vezes meu texto que, cá entre nós, não é nenhum Machado. Ser parente de escritor é uma eterna danação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador sempre, sem nenhuma exceção. Não tenho nostalgia da máquina e nem tampouco imagino aumentar a minha já avantajada calosidade no dedo médio da mão direita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler é fundamental para escrever. Quem não lê muito não escreve bem. Isso é um pouco matemático, além de ser óbvio. O escritor deve ser um leitor muito acima da média e me ponho essa obrigação. O que está acontecendo na América Latina? E na parte ocidental da Europa? E na oriental? E a literatura japonesa? E a mato-grossense? Ler, reler e se fartar de literatura. Daí vai emergir um impulso, uma vontade, a minha necessidade. É como ver os frangos giratórios assando através do vidro da padaria de esquina – quem é que não fica com fome? É claro que cada escritor tem o seu estilo e o próprio background literário. Mas, inevitavelmente, quanto mais investir em si mesmo em leitura, mais refinada ficará a escrita. Pessoalmente, para produzir o que faço, me proponho uma pergunta muito simples – “e se?” E se um dos olhos caísse da cara? E se minha hérnia virasse uma pessoa? E se um quarto de pensão diminuísse com o tempo? E se os cabelos não parassem de crescer? E se perdêssemos a gravidade? O racionalismo moderno abafou a fantasia humana, mas a gente pode resistir ao totalitarismo moderno com o fantástico. É preciso saber que o impossível é real, tão real quanto qualquer criação humana. O impossível é concreto, é passível de experiência inclusive. O real é sempre uma convenção, mas a gente não se dá conta disso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Os primeiros textos servem aos segundos e os segundos aos terceiros. Se eu pudesse, queimaria meu primeiro livro, rasgaria umas boas páginas do segundo, rabiscaria algumas do terceiro e, assim, sucessivamente. Felizmente, essa vergonha diminui na medida em que sinto ter amadurecido na literatura. Daí que o meu próximo livro será sempre melhor que o anterior, espero eu. O melhor romance é o que ainda está por ser escrito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu escrevo “o que” gostaria de ler. Sendo assim, quando encontro um hiato, entro de sola. É preciso pensar com humildade, no entanto. É dificílimo ser original depois da teatralogia grega e shakespeariana. A contribuição que se dá é um átomo, um grão. Infelizmente, não tenho o gênio de quem eu admiro e, portanto, nunca vou escrever “como” eu mais gosto de ler. Seria uma imitação boba. Parece-me que todo o escritor está em busca do grande livro, do livro pelo qual será lembrado, já que escrever é semear um pouco de si para o futuro. Escrever é polinizar. É uma aposta no futuro, na eternidade, na humanidade. Só peço a Deus um vento forte para que minhas letras cheguem mais longe. Quanto mais longe melhor.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Talvez seja um defeito pessoal, mas não escrevo a primeira linha sem ter traçado um plano de trabalho. Em geral, estou com o fim da narrativa na cabeça antes mesmo de começá-la. É natural que, no curso do texto, haja um adensamento da ideia original ou mesmo mudanças de rumo ocasionais, com o aprofundamento dramático de um ou outro personagem. Pode ser que a composição do cenário e o ritmo/fluxo do texto seja alterado. Um exemplo disso é no próximo romance “Mea Culpa”. Escrevi uma novela sobre um matricídio, algo bastante incomum. Era um texto rápido. Daria, no máximo, 80 páginas. Ocorre que, ao longo da narrativa, percebi que o grande personagem não seria a mulher que matou a mãe e sim o escrivão-narrador. Portanto, a história da mulher é apenas um pano de fundo para provocar outras discussões que nasceram laterais e se tornaram centrais no texto. Ainda assim, eu sabia qual seria o final.
Com relação à frase, o que dizer? O problema não é escrever e sim reescrever. Qualquer autor que considere o próprio trabalho se desgasta muito mais na revisão do que no processo de escrita em si. A acuidade técnica, marcadores de linguagem, cenários, trejeitos, tudo conta num livro interessante. Acredito que tenhamos sofrido uma mudança na forma de escrever porque a forma de ler mudou. Sinto que o texto precisa capturar com maior rapidez. Portanto, o impacto inicial é muito mais importante hoje do que foi há 100 anos. O autor contemporâneo não pode se dar ao luxo de ir mostrando a história como se fosse um corretor de imóveis, cômodo a cômodo. Quanto menos fluído foi o texto, menos será a chance dele ser lido. Fiquei surpreso com a conclusão de Eliane Chieregatto na dissertação de mestrado sobre O Cambista. Na defesa, ela sustentava que meu texto é simplificado no começo para atrair o leitor a um labirinto onde se perderá mais adiante. Talvez seja isso mesmo que faço, ainda que inconscientemente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Quando me proponho a escrever, imponho uma disciplina. É relativamente simples, muito embora seja extenuante. 1 lauda por dia, no mínimo. Considerando que um romance em geral tem 80 a 100 laudas escritas no programa que uso, em três meses finalizo a primeira versão do texto. Em seguida, vem o meu pesadelo. Passo outros três ou quatro meses revisando. Essa primeira revisão é, na verdade, uma reescritura. Particularmente, a narrativa em prosa chega a dobrar. Percebo que os personagens ganham uma certa tridimensionalidade com essas sucessivas remodelagens. Passados seis meses, imprimo o primeiro boneco e vou revisar a questão textual. Minha preocupação, nessa altura, é com a coerência. Num conto não há tanta preocupação porque o texto é curto. Então, dificilmente o autor chama de Joana quem havia denominado Maria, troca idades, locais etc. Essa é uma dificuldade do romance. Como o texto é longo, fico preocupado com a coerência interna. Resumindo: para estruturar um romance, levo cerca de 9 meses. Quando entrego definitivamente para a revisão e diagramação, passo mais 3 meses enchendo a paciência do editor.
Costumo fazer várias coisas ao mesmo tempo, feliz ou infelizmente. Não me divido entre textos, no entanto. As atividades é que me dividem. Além dos meus textos, o que me consome tempo é a edição da Revista Literária Pixé. Todos os meses, recebo contribuições de cerca de 25 autores, leio, reviso e ajudo na diagramação. Com relação ao meu próprio trabalho, não me permito essa divisão, sob pena de enlouquecer. Quando começo um texto – seja poesia, conto, novela ou romance, preciso terminar. Deixar pela metade, fazer uma análise no meio do trabalho, estacar o ritmo? Isso me mataria de ansiedade. Como preciso preservar a minha sanidade mental, preciso acabar o texto. Nove meses pode ser um padrão. Pode ser que leve menos tempo, como foi o caso de Alegria que escrevi em duas semanas. Depende do tipo do ritual de exorcismo a que me proponho.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Há uma série de motivações e de motivadores. Tudo começa no prazer. Não sei se existe alguém que realmente faça literatura por obrigação. Não que eu desconsidere a profissionalização do escritor. Muito pelo contrário. Suponho que o escritor é uma profissão e deve ser encarada dessa forma e não com um mero deleite, uma espécie de hobby aburguesado. Contudo, é o prazer que me motiva. Prazer do desafio, prazer da superação, prazer da beleza, prazer do grotesco, prazer da competição, prazer da realização e, finalmente, o prazer da transcendência. Será que existem escritores que sejam budistas? Desconfio que quem faz literatura tenha um apego terrível à vida. O escritor quer ficar. Como sei que vou morrer, pretendo tatuar a mim mesmo num conjunto de papeis. É paranoico, neurótico, doidivanas, eu reconheço. É, sobretudo, pretensioso. Mas a literatura (a arte em geral) é mesmo assim. Uma enorme pretensão de sobrevida, antes de tudo. Claro que há o contato com o leitor, o prazer de ser estudado, a satisfação de ser compartilhado, de influenciar, de trocar experiências. Tudo isso é válido e motivacional. Ainda assim, a literatura é um esforço quase sobrenatural para encarnar no livro. Uma ideia, uma impressão, um sentimento, uma estética, um tema e, como não poderia deixar de ser, eu mesmo. Talvez a arte seja a única atividade onde o ser humano constrói a si mesmo com doses de liberdade que não experimenta em outras atividades. Construção e eternidade, prazer e redenção, provocação e superação: essas são as grandes motivações que nós, os neuróticos e compulsivos, apresentamos.
Resolvi me dedicar à literatura quando percebi o que ela proporciona. Simples assim. Podem pensar que foi por puro pragmatismo, mas a questão do prazer é essencial como já falei. A literatura me proporciona o prazer que não encontrei na minha primeira profissão que é a advocacia. Tenho satisfação em ganhar uma causa, em resolver um processo. Mas isso é tão banal, tão passageiro, tão desimportante diante de uma obra literária, que me dei conta do quão prazerosa poderia ser essa segunda profissão. Comecei com um livro horrível. Se eu pudesse, queimaria. Depois, acho que acertei no Doutor Funéreo. E daí em diante comecei a me desafiar ininterruptamente.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Há um estilo que seja de uma única pessoa? Perguntando de uma outra forma: alguém inventa realmente o próprio estilo? Não sou vaidoso ao ponto de dizer que inventei um estilo. Primeiro porque acho que isso não é verdade. Segundo, porque quem vai dizer isso não sou eu. No futuro, talvez bem depois da minha morte, pode ser que meus livros tenham a sorte de serem mais estudados. Estou muito satisfeito com os estudos que estão sendo realizados hoje, comigo ainda muito jovem. Em geral, a obra decanta muito para que seja compreendida com mais maturidade. Assim sendo, o tal “estilo próprio” não é uma das minhas obsessões para ser sincero. Evidentemente que percebo alterações estéticas no meu próprio trabalho, ao longo dos anos. Desde logo, entendi que a fluidez textual deveria abrir mão de vários sinais gráficos. Quem me influenciou a fazer isso? Posso dizer que foi um único autor? Claro que não. Como sou aficionado leitor, não tenho em mente uma única referência nesse sentido. Escreve em monoblocos, suprimindo parágrafos. Já li dezenas de livros que realizam a mesma operação. Qual deles foi determinante para mim? Não sei dizer. Certa vez, li um conto do Márquez de umas 10 laudas, sem um único ponto. Nunca fiz isso, mas aquilo me impressionou. É a lembrança que me vem à mente. Joyce nos perturba com o fluxo contínuo do texto. Mann também faz isso, de forma mais pausada. Enfim, se eu indicasse apenas um autor seria mentira. Preciso, entretanto, indicar um conjunto. Para mim, foi essencial ler Dostoievski na adolescência. Me impressionou muitíssimo. Depois, Tolstói, Gogol, Gorki. Como se vê, foram os russos. Veio Kafka e vários autores na mesma linha. Finalmente, com uns 18 anos, comecei a ler brasileiros e latino-americanos. Se eu fosse obrigado a escolher apenas um, apontaria para Dostoievski.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Para os meus leitores ou para os leitores em geral? Para quem quer começar a ler, acho que se deve eleger um livro bom e curto. A Metamorfose é quase uma referência obrigatória. Leiam tudo e, ao longo do tempo, apurem a leitura com escritores que fazem da palavra uma arte. Os clássicos são importantes nessa trajetória, sejam os gregos, sejam os modernos. Quem quer mergulhar na literatura, Aristófanes é tão essencial quanto Cervantes, Homero é tão inescapável como Joyce. Essa seria a sugestão geral, um caminho. Sou partidário da escala, talvez por ter sido professor. Não acho interessante que o primeiro livro de alguém com 11 anos seja Os Maias do Eça ou Dom Casmurro, do Machado. Nem tampouco Os Sertões do Euclides da Cunha. Entregar Ulysses do Joyce ou Em Busca do Tempo Perdido do Proust a alguém que não tenha a mínima maturidade para perceber a complexidade da literatura pode inverter o efeito desejado. Vejo frequentemente pessoas que odeiam ler porque foram obrigados na escola. A leitura não chegou como um exercício prazeroso. Não foi apresentada como um desafio, um jogo, um encantamento. O ser humano só chega ao orgasmo com estímulo, nem que seja o puramente mecânico, o pior deles. A leitura só será orgástica mediante sedução. Os mediadores são responsáveis por isso.
Para os meus leitores? Gostaria de indicar a leitura da argentina Samanta Schweblin, do checo Bohumil Hrabal e da polonesa Olga Tokarczuk. São apenas dicas, referências aleatórias. Li esses três escritores em 2019 e estou com eles na memória. Tenho um projeto pessoal. Assim que terminar a pós que estou fazendo em estudos literários pela Unemat, quero tirar dois anos sabáticos para reler Shakespeare. Tudo, sem exceções. É bem típico de alguém que sofre da psicose literária. Já fiz isso com Proust, por exemplo. Agora, será a vez de me voltar para a religião e estudar a teologia shakespeariana, porque o bardo é Deus, como disse o saudoso Bloom.