Eduardo Krause é publicitário e escritor, autor dos romances Pasta Senza Vino e Brava Serena.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordar é sempre um suplício, que começa na decepção com o despertador. Depois, vem o conflito moral sobre a real necessidade de levantar da cama. E segue com meu eterno assombro diante da boa disposição matinal de minha esposa, o arrastar do corpo para fora das cobertas e, enfim, a resignação sob o chuveiro. Daí em diante, a coisa vai.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Entre o final da manhã e o início da madrugada, todo momento é viável para a escrita. Mas como trabalho em uma agência de publicidade durante o horário comercial, não posso me dar ao luxo de rituais, mandingas ou chambre de seda. Apenas aproveito cada brecha para atacar o Word. De dia, com café. À noite, vinho sempre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No romance, sempre se está escrevendo, mesmo longe do teclado. Mas quanto ao registro datilográfico propriamente dito, tudo depende do tesão criativo. Na maior parte do processo, escrevo todos os dias. E como meus capítulos costumam ser curtos, a tendência é digitar ou revisar de dois a quatro por jornada, mas isso não é pré-definido. De modo geral, minha única meta é seguir em frente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meus romances se passam em cidades italianas, então consumo muita literatura e filmografia sobre esses lugares, antes e durante o processo. Partir dessas referências para o teclado ocorre naturalmente. Mas só começo a escrever a história quando já tenho o final definido, desenvolvendo o texto na ordem cronológica do enredo, visando chegar nas últimas palavras imaginadas desde o princípio. E, quando chego lá, começo tudo de novo. É simples, mas demanda paciência. Romances são como maratonas: por um lado, longas e solitárias; por outro, recompensadoras e com destino certo. Se bem que, vale dizer, nunca corri uma maratona.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando surge um bloqueio, me afasto do Word. Assisto um filme, cozinho, dou um passeio. A procrastinação, às vezes, é aliada. Quando retorno, me agarro a qualquer solução e sigo adiante, técnica que chamo de “Depois eu resolvo®”. Afinal, em algum momento da revisão, vou voltar a esse ponto onde empaquei, provavelmente com a solução já em mente. O importante para não sofrer é encarar o livro como um prazer do qual vou sentir saudades depois. Além disso, nunca mostro capítulos ou trechos pra ninguém. Só minha esposa e meus pais sabem quando estou escrevendo e eles são os primeiros a ler quando finalmente decido imprimir um original. Começar com quem nos ama é sempre mais seguro, em termos de público.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Escrever um livro é um constante reescrever. Sempre há o que mexer, mudar de lugar, cortar ou adicionar. Por isso, a figura do editor é fundamental (abraço, Rodrigo Rosp!). É ele quem arranca o original da gente e nos convence que já podemos mandar pra gráfica. E enquanto esse dia não chega, envio originais para amigos de confiança, garimpando impressões aqui e ali.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço tudo no computador, usando do Word ao Photoshop (gosto de brincar de fazer capas – além de redator, também sou diretor de arte e ilustrador). Quando estou longe dele, anoto ideias no celular. Nunca faço anotações à mão, a não ser quando escrevo dedicatórias. Minha caligrafia é tão ruim que mandei fazer um carimbo para cada livro, como consolação ao leitor que tem seu exemplar vandalizado por meus garranchos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sinceramente, não penso muito na origem das ideias. Só agradeço que elas apareçam e fico sempre atento ao que leio, ouço, vejo e mastigo. Sinto que, durante o processo de escrita, me torno um imã de referências e parece que o mundo conspira a favor da história. Outra impressão que tenho é a de que estar em movimento ajuda: boa parte das ideias de Pasta Senza Vino surgiram em passeios de bicicleta em Florença, durante o ano em que morei lá; já em Brava Serena, caminhadas com meu cachorro contribuíram com quase todos os capítulos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No geral, os processos foram parecidos em meus dois livros. A diferença talvez esteja no modo como encarei os projetos: Pasta Senza Vino era quase um hobby, enquanto Brava Serena foi, desde o início, um empenho literário. Hoje, me reconheço escritor, sem nenhum constrangimento. Mas se pudesse voltar no tempo e encontrar o Eduardo que escrevia secretamente em seu quartinho na Itália em 2012, eu não diria nada. Só ficaria espiando o máximo que pudesse, para não atrapalhar o jovem e matar a saudade daquele lugar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nossa, existem tantos livros que quero ler que não ouso pensar em ler um que não exista. Mas, quanto à primeira questão, planejo seguir escrevendo histórias que se passem na Itália, matando a saudade da adolescência tardia que vivi por lá. Em especial, penso em explorar Veneza e Nápoles. Também quero escrever um livro infantil para adultos (ou adulto para crianças, ao gosto do freguês). Por fim, gostaria de psicografar um romance de Jorge Amado. Mas, até agora, ele não me apareceu.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Tem esse livro, que gosto muito, chamado O Romancista Ingênuo e o Sentimental, do Orhan Pamuk. Ele diz que há a escrita ingênua, que flui despreocupada, e a sentimental, reflexiva e crítica. Como ele, acredito que a literatura mora no equilíbrio entre esses dois extremos. Por isso, meu planejamento consiste apenas em criar breves sinopses e fichas de personagens, baseando tudo em um primeiro e um último capítulos pré-estabelecidos, que são a base da história. O resto, é escrever e escrever. A primeira e a última frase, portanto, são as mais fáceis. Difícil, é o que vai entre elas.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tenho fases. Há momentos mais produtivos, em que sou capaz de passar um dia inteiro escrevendo, e há semanas em que não escrevo uma linha. Não tenho nenhuma organização definida, mas também não sou capaz de misturar projetos. Já basta dividir meu tempo entre a vida real e uma só ficção.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Tenho prazer em imaginar amigos e desconhecidos embarcando para realidades que inventei. Nunca me canso de saber que alguém chorou ou riu lendo minhas histórias. É uma troca: tento tocar as pessoas, e elas me tocam quando dizem que consegui. Isso me lembra de uma vez, anos atrás, antes de sequer sonhar em ser escritor, em que chorei com uma cena de filme e lembro de ter pensado “nossa, como alguém é capaz de criar um momento assim?”. Acho que foi aí que surgiu o embrião dessa vontade de emocionar os outros.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não sei qual é o meu estilo. Acho que não encontrei nenhuma dificuldade nesse quesito, já que nunca me preocupei com ele. Apenas invento uma história e conto do melhor jeito que posso. Mas se pudesse escrever como alguém, sempre digo Jorge Amado. Simplicidade com elegância, humor com melancolia.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Tocaia Grande, de Jorge Amado, por seu enredo aparentemente simples e episódico mas que, na medida em que nos aproximamos do final, nos surpreende quando percebemos sua complexa e poética estrutura.
A Sombra do Vento, de Jorge Ruiz Zafón, por ser uma declaração de amor aos livros, com personagens, ritmo e enredo cativantes, recomendável para todas as idades.
Conversas no Catedral, de Mario Vargas-Llosa, por ser uma aula de escrita, especialmente de diálogos e desenvolvimento de linhas de tempo narrativas, que se cruzam magistralmente ao longo de todo o texto.