Eduardo Kasse é escritor, autor da série Tempos de Sangue e da saga Vikings.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Confesso que já fui mais organizado, mas agora que sou pai, a minha rotina fica muito ligada à do meu filho. Contudo, há duas coisas que sempre faço assim que acordo (geralmente depois que troco a fralda dele): vou cuidar dos meus cães e preparo o café da manhã.
Os cães são uma terapia, me ajudam a entender de forma verdadeira, como está a minha energia: agitada, apática etc. E o café – bem forte – serve para dar a ignição na mente e no corpo.
Se o Leonardo – meu filho – ainda estiver dormindo, aproveito para responder e-mails, atender os pedidos da minha loja virtual e também para ler um pouco das notícias e artigos nos sites que acompanho.
E, se deixei algumas anotações pendentes para o livro que estou trabalhando no momento, aproveito para criar/completar as cenas em questão.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma pessoa essencialmente diurna – já fui noturno na adolescência – e produzo muito bem logo que acordo. Aproveito o sossego matinal para criar. Deixo a noite e as sombras para os personagens da Tempos de Sangue!
Sobre os rituais: como escrevo fantasias históricas, costumo estudar sobre os temas que irei abordar na cena a ser escrita, assim posso manter a veracidade e evitar os anacronismos. Leio artigos, vejo vídeos, até mesmo ouço músicas para completar a imersão.
Depois disso, saio de todas as redes sociais e me concentro na escrita, nem que seja por um curto período de tempo: quinze, vinte minutos. Evitar a distrações é o que me ajudou produzir meus livros e quadrinhos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, nem que seja um parágrafo, sabe? Há dias em que consigo fechar um capítulo, em outros, saem menos palavras que um tweet! Contudo, todos os dias, abro meu editor de textos e escrevo/reescrevo/complemento algo.
Nuca me coloquei metas de escritas, pois, para mim, isso assassina a fluidez do trabalho. Eu prefiro abrir o texto e ver no que dá. Se saírem três, quatro laudas, ótimo! Se sair um parágrafo, ótimo também. Sempre busco criar com honestidade e com o meu máximo potencial, então não parametrizo por volume.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de começar a escrever um livro, pesquiso as linhas gerais sobre os temas, épocas e ambientações. Começo a escrever e, a cada cena, faço pesquisas pontuais, mais profundas e detalhadas. Gosto e trabalhar dessa forma, para não “acumular” notas que nunca lerei.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Posso te contar algo? Nunca sofri travas de escrita! Eu tenho um lema pessoal: essa vida eu só tenho essa! Então, procuro aproveitar ao máximo o meu tempo, conhecimento e expertise para poder criar. Se eu não estou na vibe de escrever sobre um determinado assunto, nem começo. Prefiro recusar propostas a procrastinar ou entregar algo de baixo valor.
Assim, quando inicio um livro ou quadrinho, coloco a minha alma e energia vital nele, independente se será algo curto de vinte páginas ou um romance de quatrocentas. Ambos têm a mesma importância para mim. É a minha forma de respeitar o investimento do leitor: de dinheiro e, principalmente, de tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes! Geralmente, antes de reiniciar a escrita, reviso o que escrevi no dia anterior. Depois de cada capítulo pronto, releio, complemento, corto. E assim vou fazendo durante todo o processo de escrita.
Também tenho meus leitores de confiança: que batem sem dó naquilo que está ruim e elogiam o que está bom. Então sei que as opiniões são sinceras e valiosas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo aquilo que vai para a história no computador. À mão eu faço anotações sobre personagens, batalhas, cenários. Trabalho com os dois sempre em paralelo. Isso me ajuda a organizar as ideias e ter uma visão ampla.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu não escrevo porque está na moda. Eu não escrevo porque tem “potencial de vendas”, eu escrevo porque tenho afinidade com o tema. Simples assim! Se não tiver tesão em criar, as histórias serão artificiais, soarão fake. E o leitor vai perceber!
Então, antes de iniciar um trabalho, paro e pergunto: o que me motiva agora? O que desejo contar?
Depois que faço essa análise, sigo adiante!
E a minha imersão é estranha: não leio nenhuma ficção relacionada aos temas que estou escrevendo para não me contaminar com os estilos dos outros autores. Só leio livros e artigos de referência, históricos mesmo. Só depois que acabo retomo essas leituras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Bem… Hoje, depois de aprender com vários profissionais que admiro, lapidei melhor meu jeito de contar histórias, mas sem perder a identidade, o que é essencial. É usar as técnicas a favor da criação de sentimentos e sensações em quem lê meus textos.
Eu falaria para o Eduardo de 2012 que ele estava certo: somente com individualidade e identidade é possível criar uma marca! É possível criar sinergia e sintonia com o público.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria muito de ver meus livros e personagens em outras mídias: teatro, vídeos, jogos e até mesmo música! Quadrinhos é mais uma etapa que do sonho que comecei a realizar em 2017 com A Teia Escarlate e agora em 2018 com Vikings: Noite em Valhala. E assim seguimos nessa jornada!
Sobre um livro que gostaria de ler e que não existe? Não sei ao certo… Acho que tudo já está escrito e pensado, basta a gente procurar no lugar certo!
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente eu faço um briefing da história. E já descrevo personagens e principais cenários. Essas pesquisas e definições me ajudam muito na imersão que preciso para criar.
Quando inicio, sei o começo e o fim. A jornada vai surgindo conforme eu escrevo. E sempre foi assim, desde o primeiro livro. Acho que essa liberdade é o que me instiga, afinal, nem eu sei por onde andarei durante as cenas.
Para mim, escrever a última frase dá mais trabalho, afinal, ela precisa impactar, gerar algum sentimento, alguma sensação. Por isso, sempre penso muito em como criar a sintonia final com o leitor.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu prefiro trabalhar em apenas um projeto de cada vez. Foco total, sabe? Por isso, quando estou escrevendo um romance e surge um conto, ou um roteiro para criar, eu paro o livro e só volto quando termino a demanda menor.
Como eu preciso de imersão para desenvolver o meu melhor potencial, foco é tudo.
Antes de ser pai, eu conseguia criar rotinas mais espartanas de trabalho, com horários fixos e metas diárias. Agora não mais. Escrevo todos os dias, mas eu me adaptei à rotina do meu filho, afinal, não basta ser pai, tem que suar a camisa. Literalmente!!!!
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Eu escolhi a escrita como a minha carreira, a minha jornada profissional. E me sentar para criar me empolga, faz o tempo passar em um piscar d’olhos! Sempre há algo que quero contar, compartilhar. E sou muito grato porque tenho leitores fiéis, interativos, carinhosos. Eles também são um tônico no meu dia a dia.
Assim tem sido desde 2012, quando lancei O Andarilho das Sombras, quando entrei com os dois pés no mercado da literatura e decidi investir nele.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não é fácil encontrar a própria voz. No começo tendemos a seguir demais as referências dos escritores e escritoras que admiramos. Digo que até corremos o risco da nossa escrita ficar artificial, “contaminada”.
Mas, com o tempo, conseguimos encontrar o nosso ritmo narrativo e a nossa identidade. E sempre afirmo: somente com identidade, com alma podemos oferecer boas histórias para o nosso público.
Um autor que fez parte da construção da minha escrita foi o Bernard Cornwell, um mestre em criar ficções históricas.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Portões de Fogo – Steven Pressfield – Uma excelente narrativa que conta a história da Batalha das Termópilas. O autor consegue envolver, emocionar e tirar o fôlego contando a jornada dos espartanos contra os persas.
O Silmarillion – J. R. R. Tolkien – Tolkien criou uma fantasia que serviu como base para gerações de novos escritores. E esse livro é simplesmente único.
Crônicas Vampirescas – Anne Rice. – Para quem curte o mito do vampiro e gosta de uma narrativa fluida, ácida e, acima de tudo, muito “humana” e realista, vai adorar esse trabalho da maravilhosa Anne.