Edmar Monteiro Filho é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo muito cedo, sempre que posso. Se não tenho outros compromissos, gosto de fazer da escrita a primeira atividade do dia, quando as ideias ainda não estão contaminadas por outras preocupações, desatenções.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever pela manhã e costumo começar o mais cedo possível. Em geral, consigo um desempenho muito melhor nas primeiras horas do dia (quanto mais cedo, melhor). Nos períodos em que estou bastante focado no texto que estou criando, costumo acordar antes das seis horas e me sentar diante do computador antes mesmo do café. Uma hora ou duas nessas condições costumam render muito mais que outras quatro ou cinco após o almoço ou à noite. Como preparação para a escrita, costumo fazer uma espécie de concentração antes de começar, que consiste em esvaziar a mente por um momento e fazer uma breve oração, pedindo clareza de ideias e agradecendo inspirações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou com um texto em andamento, procuro sentar-me para escrever todos os dias até que o trabalho esteja concluído. O texto é volúvel, uma distração e nos deixa, sem remorso. Não costumo estabelecer metas. Escrevo até que perceba que as ideias já não estão fluindo com a clareza desejada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pesquiso muito, em geral excessivamente. Registro ideias, impressões, notícias que me chegam. A coisa começa a ser montada durante as caminhadas que faço com regularidade. É sempre difícil demais começar, como se houvesse o medo de não dar conta de dizer o que preciso dizer. Enfim, uma vez iniciado o trabalho, este se torna uma obsessão, a ponto de pensar nele 24 horas por dia. Com relação ao peso que as pesquisas representam no resultado final do trabalho, procuro registrar explicitamente o mínimo possível daquilo que pesquisei. Esse material serve de meio de cultura, mas não deve se tornar uma moldura para o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com disciplina, sempre. Acho que a chave é essa. Meus projetos, em geral, não são muito longos e mesmo assim a ansiedade está sempre presente. Como vou sendo progressivamente tomado pelo tema e pelo enredo, chega um momento em que adiar o início do trabalho se torna insuportável e verter as primeiras palavras no papel vem com grande alívio. Quanto às expectativas, sempre as tenho muito altas com relação ao que escrevo. Não quero criar apenas uma boa história, mas desejo que seja original, intensa, formalmente instigante e que, principalmente, reflita sobre as grandes questões que afligem o homem. Vivemos tempos em que a superficialidade impera e em que todo e qualquer convite à reflexão é repudiado como tedioso ou cansativo. Esse tipo de texto “esperto”, que faz a alegria dos vendedores de livros e dos leitores superficiais, não me interessa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto inúmeras vezes. Mas como sou muito rigoroso com as construções, em geral as mudanças não são significativas. Depois de colocar o ponto final, costumo deixar o texto “na gaveta” por um prazo não inferior a uma semana – de preferência, muito mais que isso – antes de fazer as alterações finais. Tenho alguns leitores para quem mostro o texto antes de considerá-lo concluído. O texto só estará definitivamente pronto quando puder olhá-lo e sentir orgulho, como por um filho bonito e bem sucedido. Quando sou capaz de sentir admiração por algo que escrevi, seja em que sentido for, aí sim, o trabalho se encerra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Com o tempo, me rendi às facilidades do editor de textos. Posso fazer esquemas e anotações extensas à mão – geralmente a lápis, em caderninhos que coleciono e carrego para todo lado. Mas o texto só se constrói efetivamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da observação dos tipos e situações, bem como de histórias que ouço e que incentivo as pessoas a contarem. Todo mundo tem uma boa história para contar e recolhê-las é um exercício produtivo e prazeroso. Não se pode desejar que outros leiam nossas histórias se não temos prazer ou paciência para ouvir as histórias que nos contam. Grande parte de minhas histórias nascem também dos sonhos. Sou muitas vezes despertado no meio da noite com uma ideia palpitando. Se for apenas um esboço, anoto-o de olhos fechados, em um bloco que sempre está à cabeceira. Se é um enredo pronto, recheado de informações, saio da cama e me sento para anotar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei identificar claramente o que mudou, mas, de fato, mudou. Penso que escrever tenha se tornado mais prazeroso e que o texto tenha ganhado em fluidez, um trato mais preciso com as frases, com o enredo. Em verdade, à medida que o tempo foi passando meus textos passaram a traduzir melhor os meus sentimentos e ideias. Fui me tornando gradativamente mais capaz de dizer aquilo que desejo e sinto. Quanto ao trabalho acadêmico, tenho estado envolvido com ele há treze anos. Nesse tempo, lutei contra a falta de tempo, com a necessidade de estabelecer focos, com a obrigatoriedade de mencionar de onde vieram as ideias – referências e citações – e outras limitações que, a meu ver, roubam a liberdade criativa. Criar com liberdade, ler sem obrigação de fichamentos mentais ou físicos é uma sensação ímpar e é muito bom poder voltar a fazê-lo. A experiência de ter voltado a estudar aos 40, fazer especialização, mestrado e doutorado trouxe incontáveis acréscimos à minha vida como um todo. Mas não desejo voltar a isso. A ficção é o exercício pleno da liberdade criativa, é ela quem me atrai e apaixona.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto engavetado, já com uma boa pesquisa executada, que pretendo iniciar em breve. Trata-se de um romance. Também gostaria de estudar poesia e voltar a ler nesse registro com maior frequência, uma vez que me tornei um leitor exclusivo da prosa nos últimos anos. Gostaria de ler o livro que ainda não escrevi. Por isso, pretendo voltar à atividade o quanto antes.