Edileuza Coelho de Oliveira é artista plástica.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sofro de insônia crônica (velha conhecida dos poetas), então minhas manhãs costumar ser infernais: ou estou muito cansada por ter passado a noite acordada, ou estou lutando para dormir. É o que chamo de “uma boa fatia do inferno”. Mas além do ritual de higiene pessoal, gosto de olhar o céu, sobretudo no verão, à procura do sol, à procura de meus girassóis pessoais. O céu costuma determinar quais veredas me aguardam o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo em qualquer hora, mas sou mais produtiva à noite: o silêncio é um convite à concentração e à palavra.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando a palavra me “captura “, então o texto vai se desenhando, tomando forma, como o embrião e o feto no útero. Escrever é conceber, gestar, e parir o pensamento, a ideia. Não tenho meta de escrita diária, acho isso um pouco mecânico, algumas metas têm efeito contrário, provocam disparos de ansiedade. Tento fugir dessas armadilhas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma coisa que o tempo me ensinou foi ser inimiga da pressa. O processo segue uma sequência natural pra mim: primeiro, a ideia; segundo, o amadurecimento; terceiro, a confecção da ideia. Mas, no geral, escrevo muito rápido “atropelo” a fase do amadurecimento. A ideia vem, às vezes, “redonda”. Já aconteceu de eu ter a ideia, “sentir” que não é o momento de desenvolvê-la, e aguardo-a “materializar-se.” Aconteceu isso com “A Boneca de Areia”, um conto que escrevi sobre uma memória de infância. Eu sabia que um dia o escreveria, mas não sabia quando. Aguardei, pacientemente, minha tarrafa de papel pescá-la. E pescou. Considero-o meu melhor conto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tenho uma relação muito objetiva com isso: não vivo da escrita (isso é para os renomados, consagrados, com nome no mercado), tento não dar espaço a pressões. O poeta/escritor não é uma máquina imortal de produção, ele também tem seus medos, seus momentos estéreis. Chico Buarque quando escreveu “Morena de Angola”, foi muito criticado, alguns críticos escreveram “a fonte secou.” Não, a fonte não havia secado – apenas não era possível escrever “Construção ” todos os dias. Como não é possível pintar “O Grito”, a “Monalisa” todos os dias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Pouquíssimas vezes. Minha revisão está mais no plano ortográfico e na gramática (mesmo assim, às vezes, vai uma vírgula fora do lugar, um acento. É uma das consequências negativas de não ter o hábito de revisar os textos). Raramente mostro para alguém, sinto-me tímida, é desnudar-se.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho péssima relação com a tecnologia. Resisti à essa mágica da acessibilidade e da globalização por muito tempo (meu face tem cerca de dois anos e meio), teimava em não sair das minhas cidades encantadas das coivaras, teimava permanecer reclusa na minha alma interiorana. Achava (ainda acho, na verdade) por exemplo, as redes sociais uma espécie de “terra de ninguém “, recheada de pessoas carentes e egocêntricas, à espera de um like. Sou da Bic, só ando com uma, seja para registrar quando tenho algum insight, seja para rabiscar meus rascunhos primeiros. Computador, é a última etapa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
O escritor fala de seu universo, sua contextualização histórica, não tem jeito. Eu escrevo muito sobre reminiscências da minha infância interiorana, os besouros estão “lá”, as flores, o cheiro do mato. Escrevo sobre experiências do cotidiano, como a falta de generosidade observada em uma fila de um caixa eletrônico a um deficiente. O Brasil vive hoje um dos maiores retrocessos de sua história. Jair Bolsonaro despertou meu lado político, a indignação que sinto por tudo o que ele representa, transformou -se em textos ácidos nas redes sociais. O Golpe que a Dilma Rousseff sofreu, a prisão do Lula, e o que representa Bolsonaro, influenciaram diretamente o que tenho escrito nos últimos dois anos. Tornei-me não apenas política, mas militante, embora sempre tenha escrito poesia social.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Obrigatoriamente o tempo amadurece tudo. Eu escrevia com muita sede ao pote, queria mudar o mundo. Havia um “exagero” na minha escrita, algo “over”. A maturidade sinaliza a palavra fora do lugar, o excesso de adjetivos, os vícios de linguagem. E, sobretudo, registra com conhecimento de causa as transições de percepções à vida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever um roteiro adaptado de “A Boneca de Areia” para um curta. Qual livro eu gostaria de ler…? O meu… (risos)