Ederval Fernandes é poeta, mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não me organizo de forma consciente. Apenas leio e escrevo, seguindo essa ordem. Prefiro ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo. Dá uma sensação de movimento e urgência. No fundo, porém, sinto que tenho a tendência de me concentrar em um projeto de cada vez. Os resultados são lentos, mas no fundo é dessa forma que eu funciono melhor.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Como leio muito mais do que escrevo, sinto que isso já é uma forma de planejar com antecedência o início de um projeto. Leitura crítica e escrita crítica (eu reescrevo muito).
A última frase é sempre muito mais fácil que a primeira. A última frase já dispõe de um número de possibilidades infinitamente menor que a primeira frase. É mais fácil achá-la. A primeira frase será sempre um ato de bravura. A bravura, se ela aparece de forma inteligente, é sempre uma coisa difícil.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não sigo nenhuma rotina. Alguns rituais, às vezes. Café antes. Cigarro durante uma pausa. Vinho às vezes. Aqui em Portugal aprendi a escrever também no interior dos cafés ou nas esplanadas. Silêncio não é indispensável, porém não funciono muito bem com muito barulho.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Tendo a deixar de lado o projeto em particular que me bloqueia. Vou ler, vou ver filmes, passear, vou escrever outra coisa, vou ver e conversar com as pessoas que amo. Geralmente funciona. Mas não há um prazo claro de resolução. Às vezes é rápido, às vezes demora muito. Às vezes não resolve nunca.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Os textos em prosa que preciso defender de forma clara e estruturada um ponto de vista, esses são os que mais me dão trabalho. Enfim, textos acadêmicos: artigos, ensaios e a minha dissertação de mestrado (ainda não comecei o doutorado).
Meus poemas não argumentam. No máximo eles expõem algo. Sinto que é uma maneira mais apaixonada de lidar com a linguagem (e com a escrita, necessariamente). Daí o sentido de trabalho ganhar contornos de “exercício do prazer”. Tenho orgulho dos meus poemas.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Eu escrevo poemas, basicamente. Quando os escrevo, não parto de nenhum tema. No entanto, quando vou organizar um livro, gosto de que a disposição dos poemas no livro crie uma “narrativa”. Gosto de pensar que escrevo para jovens baianas e baianos do interior que gostam de ler poesia.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Depende muito do meu humor. Às vezes publico rascunhos nas minhas redes sociais (alguns, aliás, com erros de digitação – sou meio dislexo e às vezes posso reler um texto mil vezes e não vou enxergar um r que falta, um s que sobra). Às vezes não mostro a ninguém até considerar que os poemas estejam realmente prontos. Sei lá. Não há nenhuma pessoa que eu mostre, de forma sistemática, tudo que escrevo. Vou mostrando aos amigos quando calha.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Não me lembro. Acho que foi menos uma decisão do que uma conformação. No fundo, eu faço o que gosto. Quando eu comecei ninguém me contou nada. Alguns amigos me contaram algo, mas eles estavam tão perdidos quanto eu. Não ouvir nada foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. No interior é assim, ninguém perde a chance de ficar calado.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
O estilo expressa uma forma de olhar o mundo. Gosto de tentar entender (e conciliar, na medida do possível) visões antagônicas sobre a aventura da vida. A partir daí desenvolvo o meu estilo. Sabotage me deu algumas pistas. Sou muito grato a ele.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Toda obra discográfica de Sabotage, toda obra discográfica de Bob Dylan e toda obra discográfica de Gal Costa. Também não esqueço de recomendar João Gilberto.