Douglas Attila Marcelino é professor de História na Universidade Federal de Minas Gerais.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha primeira atividade, geralmente, é consultar os principais jornais e, logo em seguida, listar as coisas que devem ser feitas durante a semana, selecionando as mais e menos urgentes. Essa última atividade é feita em paralelo à consulta da “caixa de entrada” do e-mail, para verificar se chegou alguma demanda da noite anterior (não costumo dormir muito tarde, dificilmente ultrapassando a meia-noite). Essa rotina e o que será feito em seguida, entretanto, dependem muito das atividades em que estou envolvido. No momento atual, como coordeno um curso de pós-graduação, ela tende a consumir bastante tempo, pois as demandas são muitas e, na maioria das vezes, urgentes. Com isso, as manhãs são dedicadas às urgências da pós-graduação que posso resolver em casa e as tardes e noites às demandas que precisam ser resolvidas diretamente na universidade (tanto do colegiado de pós-graduação, quanto das aulas, orientações etc.).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acordo cedo e trabalho melhor nos horários da manhã e da tarde, exceto no caso das aulas, que prefiro oferecê-las no turno da noite. Não tenho qualquer ritual para a escrita e creio que a dinâmica da vida acadêmica hoje, com demandas de natureza diversa, dificilmente permite que se estabeleçam rituais para atividades rotineiras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em geral, meu processo de escrita fica condicionado aos períodos vagos entre atividades mais urgentes. Portanto, não tenho como estabelecer metas diárias e, das duas opções mencionadas, me aproximo mais da escrita em períodos concentrados. Ainda assim, é comum começar a escrita de um artigo, ter que iniciar outra atividade, e somente conseguir voltar a ele semanas ou meses depois, quando surge tempo novamente. Como acredito que ocorra com muitos outros professores universitários, por vezes só temos os fins de semanas e as férias para adiantar ou retomar determinados projetos. Por isso, meus planejamentos são realizados geralmente para períodos de longo prazo, estabelecendo aquilo que pretendo iniciar ou finalizar durante o ano, o que vai sendo modificado conforme surgem novas demandas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho dificuldade para começar a escrever, mas preciso estar muito envolvido com o tema antes de iniciar a redação. Isso só é possível com uma imersão mais profunda nas anotações, textos e materiais de consulta de modo geral. Só após ter um domínio desse material e ter estabelecido, com clareza, os problemas que serão tratados, dou início ao processo de escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Gosto muito da atividade de escrever e, no meu caso, a ansiedade surge mais pelas restrições que as atividades acadêmicas impõem hoje ao processo de escrita, pela falta de tempo e por se tornar uma atividade fragmentada, realizada entre outras de natureza muito diversa. Creio que é preciso desconstruir a visão romântica sobre a escrita, totalmente incompatível com a rotina da vida acadêmica e potencializadora das chamadas travas da escrita. É sempre bom lembrar que um parágrafo que não ficou a contento pode ser sumariamente eliminado e, principalmente, não ter receio de fazê-lo quando for necessário. Refazer e cortar continuamente o que é excessivo são atividades fundamentais do processo de escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Geralmente, reviso inúmeras vezes meus textos. Alguns trabalhos são lidos por outras pessoas antes da publicação conforme tradição em nossa área, por meio da apresentação de forma preliminar em congressos ou como resultados parciais de uma pesquisa. Mas, de modo geral, as pessoas têm pouco tempo para fazer uma leitura crítica dos textos de colegas na universidade. A crítica de terceiros era comum, durante o mestrado e o doutorado, mas, depois que viramos professores universitários, percebemos o quanto o tempo para leituras críticas é escasso, inclusive pelo envolvimento de todos com pareceres de projetos de pesquisa, artigos etc., que, geralmente, têm prazos curtos para finalização.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma boa relação com a tecnologia e, em geral, escrevo no computador. Creio que é comum à maioria dos professores da minha geração: talvez a maior dificuldade seja manter o hábito da escrita à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Conforme indiquei em outra pergunta, creio que precisamos desconstruir a visão romântica sobre a escrita, que a vincula apenas com a criatividade de um sujeito em sua individualidade, esquecendo tudo aquilo que a torna uma prática como qualquer outra (que requer, inclusive, o envolvimento de técnicas e, portanto, de um processo social de aprendizagem). Os problemas de pesquisa que nós historiadores nos colocamos surgem de nossa relação com uma tradição, que torna possível a elaboração de determinadas perguntas e interdita outras tantas. Muitas vezes, questões que tomamos como fundamentais surgem de atividades rotineiras, como as aulas ministradas na graduação ou na pós-graduação. Muitas vezes isso acontece, inclusive, de forma inconsciente, tornando complexo o processo de construção do conhecimento, pois tendemos a internalizar não apenas conteúdos sobre temas diversos, mas formas de elaborar e estabelecer problemas, os quais são, na verdade, a base das principais questões historiográficas que formulamos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Com o tempo nos tornamos mais exigentes e, por incrível que pareça, passamos a demorar mais tempo para produzir cada texto. A necessidade de revisar continuamente cada parágrafo torna o processo de escrita mais complexo. É uma aprendizagem. Também nos tornamos menos receosos de cortar aquilo que percebemos excessivo ou dispensável. Talvez seja o que mais se modificou em relação à tese, que sofreu, além de algumas modificações, cortes severos para a publicação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de desenvolver um projeto sobre historiografia e cultura histórica luso-brasileira, adotando uma perspectiva comparativa, e um outro acerca da historiografia e dos rituais cívicos (sobretudo, as cerimônias cívicas de culto dos mortos) em Minas Gerais. O primeiro está em fase inicial de formulação, mas o segundo é, de fato, uma ideia de pesquisa futura. A proposta, em ambos os casos, seria a de pensar a escrita da história numa perspectiva ampliada, considerando sua relação com outras formas de dar sentido ao passado, inclusive as de natureza comemorativa, e tomando por base o período republicano da história brasileira.