Diogo Malan é professor adjunto de Processo Penal na UERJ e na UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia pegando meu smartphone e lendo as notícias do dia em um jornal de grande circulação e outro especializado em negócios. Não tenho nenhuma rotina matinal, pois isso depende do dia da semana, do ritmo da advocacia criminal (que é sazonal e imprevisível) e dos meus compromissos acadêmicos naquele momento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma criatura 100% diurna, gosto de começar quando acordo, que normalmente é bem cedo (por volta de 6h), e estudar ou escrever até o final da manhã. Meu ritual é muito simples: tomar café, colocar alguma música calma e em volume baixo no Spotify (blues, soul ou jazz), ligar o computador e começar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo escrever quando recebo algum convite, e aí estabeleço um cronograma com metas específicas para conseguir cumprir o prazo assinalado. Normalmente aproveito os meses de recesso acadêmico, quando tenho menos afazeres, para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é 90% transpiração e 10% inspiração. Normalmente começo fazendo algumas anotações no meu smartphone ou iPad sobre temas, recortes epistemológicos, referências bibliográficas etc. e tento desenvolve-los até virarem artigos dignos de publicação num revista científica bem avaliada. Começar a escrever é relativamente fácil: a partir do objeto de pesquisa eleito eu monto a estrutura do texto escolhendo os respectivos títulos dos capítulos ou tópicos (sempre buscando coerência orgânica e encadeamento lógico-sequencial das ideias) e a bibliografia. Esse conjunto composto por um bom tema, um bom sumário e uma boa bibliografia para mim funciona como um excelente ponto de partida. O difícil é concluir: a advocacia criminal é uma esposa ciumenta, e é frequente que minha escrita seja interrompida por afazeres do escritório. Meus clientes e minha família sempre têm prioridade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando há alguma trava normalmente eu pulo o capítulo ou tópico que estava escrevendo e começo a trabalhar em outros, depois volto e normalmente consigo destravar o restante, pois o tempo transcorrido e o melhor desenvolvimento do restante do texto são santos remédios. A procrastinação é um problema devido à grande quantidade de potenciais distrações da vida moderna. O segredo é disciplina e planejamento, principalmente com cronogramas e prazos. Não tenho medo de não corresponder às expectativas alheias: quando sei que dediquei todo o esforço pessoal possível para produzir o melhor texto que eu poderia ter produzido, sempre fico satisfeito. Se eu dissesse que perco um segundo de sono com expectativas alheias, eu estaria mentindo. A melhor maneira de lidar com a ansiedade é não ter expectativas fora da realidade. Ninguém é obrigado a escrever o romance do século, ganhar o Nobel ou o prêmio CAPES de tese etc. para ser feliz. A pessoa deve ver o projeto longo somente como uma etapa a ser superada, após a qual sua vida seguirá normalmente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho o hábito de revisar exaustivamente o texto antes de enviá-lo ao editor, inclusive com o auxílio do corretor automático do Word. Normalmente mostro a minuta do texto a alguns poucos amigos da minha confiança no meio acadêmico, para colher críticas e trocar ideias, antes de publicá-lo. Isso é fundamental para depurar as ideias e lapidar o texto, pois normalmente só quem está olhando de fora tem distanciamento crítico suficiente para detectar certos problemas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou tão versado em tecnologia quanto gostaria de ser, mas domino a edição de textos no Word razoavelmente bem para escrever sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Separo no mínimo uma hora por dia para estudar, normalmente de manhã cedo. Leio periodicamente todas as publicações do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP), a produção acadêmica mais relevante da minha área de conhecimento (Direito Processual Penal), notadamente a da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e livros que importo principalmente da Espanha, dos EUA e da Itália. Minhas ideias normalmente vêm de problemas concretos observados durante minha prática profissional advocatícia criminal, ou da leitura de textos científicos estrangeiros. Há um texto muito interessante do Professor de Direito norte-americano Yale Kamisar chamado “Why I write”, em que ele expõe suas principais motivações para escrever artigos científicos: demonstrar sua indignação com alguma mazela do sistema de administração da Justiça dos EUA e atingir o objetivo político de influenciar o aperfeiçoamento desse sistema. Acho que a criatividade deve estar sempre sendo estimulada pelo estudo de excelentes fontes bibliográficas nacionais e estrangeiras, pela indignação com as injustiças e pelo objetivo político de transformar a realidade social do País para melhor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho o processo de escrita evolutivo. Quanto mais a pessoa escreve, e quanto mais críticas construtivas sua escrita recebe (no caso da carreira acadêmica, principalmente de colegas mais experientes que integram bancas examinadoras), melhor ela vai ficando. Como Malcom Gladwell escreve em Outliers, 10.000 horas de prática tendem a levar à excelência. Acho que escrever hoje, por um lado, é mais fácil pela experiência acumulada. Por outro lado, também é mais difícil porque quanto mais estrada se tem na carreira acadêmica (no meu caso são quase vinte anos), há uma tendência de ser mais exigente com a própria escrita, principalmente em termos de inovação. Se eu pudesse voltar à escrita da minha tese, diria a mim mesmo três coisas: equilibre melhor seu tempo (entre escrita, família, amigos, trabalho e sono), faça mais ginástica e consuma menos cafeína.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ter tempo para escrever uma tese para concorrer ao título de Livre-Docente em Processo Penal na Universidade de São Paulo. Na minha biblioteca pessoal tem algumas dezenas de livros que comprei e gostaria de ter tempo para ler, mas ainda não consegui. Problema de bibliômano.