Diogo Brunner é produtor cultural e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o dia sendo lambido na cara pelos cachorros. Antes das sete eles já estão entediados e doidos pelo passeio que virá. Faço o café, necessidades fisiológicas, e saio com eles – mais minha companheira – pra um longo passeio até a praia. Os passeios com os cachorros têm me salvado de uma vida sedentária, e sem tergiversar demais, acho que são nessas caminhadas onde eu começo a “escrever”. Na conversa com minha companheira, nos silêncios, e claro, no olhar lançado ao redor, na vida que começa a movimentar a cidade, é aí que a fagulha inicial acontece, onde as narrativas, ou as possibilidades de narrativas, começam a desfilar pela minha frente. Essa rotina matinal é essencial para o dia fluir bem, em todos os aspectos. Claro que, aos finais de semana, a rotina dá lugar a uma saudável e merecida anarquia, o fantástico mundo onde tudo pode acontecer. É claro que quando eu tava escrevendo o “Da praça da igreja acho que nem deus vê o mar”, meu primeiro romance, a rotina estava um pouco alterada por ele, a escrita era diária, acordava de madrugada para conseguir ter tempo de escrever, um pouco que fosse, antes do trabalho. Enfim, a rotina muda, mesmo que delicadamente, de acordo com os contextos e detalhes que interferem na vida cotidiana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Desde que estou num trabalho mais fixo não tenho mais qualquer horário pré-estabelecido para escrever. Por um lado, isso foi bom, perdi aquela ideia, verdadeira, mas quase romântica, ingênua, de que é preciso solidão e silêncio para escrever. As condições ideais para se escrever provavelmente não vão chegar. Hoje em dia eu penso mais em aproveitar a oportunidade. Mas com certeza, se pudesse escolher, escolheria o silêncio, as manhãs e a solidão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Novamente, para escrever eu aproveito as oportunidades. Então, dessa forma, eu posso escrever todos os dias, ou ficar períodos relativamente longos sem batucar as teclas do notebook. Mas claro, estamos falando do escrever propriamente dito, preencher folhas em branco. Se escrever é também a observação, as anotações breves, os ouvidos atentos, aí sim, eu escrevo todo dia. Muitas vezes até mais do que eu gostaria.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que nesse sentido é tudo bem anárquico, não há uma ordem, nem um método preestabelecido. O método vai sendo construído de acordo com o tipo de texto que está sendo produzido. E a questão da dificuldade varia muito, existem os momentos epifânicos de uma escrita que flui, que sorri, sacana, sabendo o que está acontecendo, e os momentos onde tudo é truncado, onde tudo parece fora de lugar e sem qualquer cabimento de existir.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não lido, acho que não sei lidar, mas gostaria que existisse uma fórmula pra se resolver tudo isso. De qualquer forma, geralmente, se as coisas não vão bem, não estão dando certo, eu sento, abro uma cerveja, ouço uma música, tento relaxar e deixar elas passarem. Mesmo porque, de alguma forma, essas coisas todas sempre estarão por perto, sempre estarão à espreita, o que muda é a forma de encará-las.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão é sempre uma grande questão. Por mim não parava de revisar. Como disse o mestre, “escrever é reescrever”, eu acredito nisso. Se reescrever não tirasse o pouco tempo disponível para o escrever acho que todo mundo só reescreveria. Nos últimos anos, a única pessoa que lê o que escrevo durante o processo é minha companheira. Por vezes, um ou outro amigo, mas é raro. Esse é um ponto que acho ruim, idealmente, gostaria de ter mais pessoas para ler os trabalhos enquanto eles ainda estão em um processo de gestação. Não tenho certeza, mas, talvez, fosse algo que enriquecesse mais todo o contexto individual envolvido na escrita, naquele momento preciso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia muitas vezes atrapalha, principalmente quando dispersa, mas minha escrita está totalmente integrada a ela. Escrevo direto no notebook, faço pesquisas no google, enfim, ela está bem presente no meu processo criativo. Só lá pelas últimas revisões – e apenas em textos mais longos – é que eu imprimo para ler direto do papel, essa parte também é, de certa forma, fundamental, tem algumas coisas que só aparecem no papel impresso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Basicamente as ideias vem da observação cotidiana, mas essa observação não funcionaria satisfatoriamente se não fossem as relações com a leitura, os filmes, a música. Na minha concepção é preciso ler, compulsoriamente, assistir filmes, sempre mais e mais. Ao menos no meu caso, é com isso que a roda gira. Mas tem aí uma terceira coisa que não pode faltar: o bar. Historicamente o bar é um grande lugar de inspiração. Enfim, acho que se manter criativo não é algo que se planeje muito, é algo que está lá, por conta de um conjunto de coisas que você já faria naturalmente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Talvez com o passar dos anos eu tenha ficado menos tímido, arriscado mais, falado mais em nome de outros personagens, lembrado, de forma mais consciente, que ficção e realidade se misturam o tempo todo, e que isso é legal pra caralho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tem vários, sou craque na arte de procrastinar projetos, mas tenho vontade de escrever algo ambientado na cidade em que cresci. É uma coisa que está no meu horizonte, mas que ainda não passa de uma simples e distante miragem. E sobre o livro que eu gostaria de ler mas ele ainda não existe, na verdade, é muito provável que esse livro já exista e está esperando que eu o encontre. Acho que é isso. E eu estarei sempre nessa busca, do próximo livro que vai fazer com que eu tenha vontade de sair correndo me embriagando de bar em bar. Ou aquele que vai fazer com que eu perca a vontade de sair de casa por uma semana toda. Ou ainda, aquele que vai me fazer pensar em jogar toda a vida “séria” pro alto e arrumar um veleiro velho pra sair por esse mundão. Esse tipo de coisa. Esses livros já existem, ou estão sendo escritos nesse exato instante: uma manhã de um domingo ensolarado. E veja bem, não é a questão de buscar um livro “quase perfeito” ou algo relacionado a isso, mas sim encontrar os livros que, com todas as suas precariedades possíveis e justas, ainda assim possam salvar a vida de um sujeito qualquer.