Dinara Menezes é pernambucana, graduada em Rádio, TV e Internet pela UFPE e Especialista em Escrita Criativa
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo acordar cedo, foi assim durante toda a minha vida. Às vezes troco de roupa e saio para uma caminhada em volta do condomínio onde moro. Gosto de decorar as placas dos carros parados no estacionamento e de ver as primeiras pessoas a sair, passeando com seus cachorros ou bebês recém-nascidos. Todo dia vejo gente nova e todo dia tento adivinhar em que bloco elas moram, às vezes dou bom dia e às vezes recebo resposta. Nessa hora o sol é bom, esquenta sem agredir e ajuda a melhorar o meu humor. Quando volto para casa, sento no tapete da sala e entro nas minhas redes. Passo alguns bons minutos me atualizando sobre tudo o que eu perdi enquanto dormia. A maioria do conteúdo é besteira, mas é bom pra aliviar o peso das notícias ruins. Depois disso, de um café bem reforçado e de um banho gelado – sempre gelado –, o dia começa pra mim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto de trabalhar pela manhã, é quando a minha cabeça ainda tá fresca e consigo organizar melhor as ideias que tive no dia anterior. Eu escrevo no silêncio – tudo desligado – só eu, o meu computador e os meus pensamentos, assim é melhor. Estranhamente, sou mais criativa quando estou jogada na cama com o computador no colo, mas, para o bem da minha coluna, me obrigo a sentar de maneira adequada de frente para uma mesa. Antes de colocar a mão na massa pra valer, costumo escutar músicas, assistir vídeos e olhar imagens que me envolvam na atmosfera do que pretendo escrever, isso prepara o terreno e me instiga a criar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento escrever todos os dias, mas nem sempre isso funciona. Às vezes, passo as horas desenvolvendo novas ideias para personagens e tramas apenas na minha cabeça, algumas delas chegam a ser anotadas no bloco de notas do celular para que eu não esqueça, mas a verdade é que, geralmente, produzo melhor quando não estabeleço metas. Agora veja, eu disse “produzo melhor” e não “produzo mais”. Não gosto de me forçar a escrever várias páginas por dia apenas para alcançar um número e me sentir produtiva, quando faço isso as palavras que saem não são verdadeiras e tudo é em vão, pois a mágica da escrita se perde e o resultado não cativa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, escrever o primeiro parágrafo é sempre muito difícil e não importa se já tenho o tema, as personagens, a trama, o cenário e todo o resto definido. Quando é chegada a hora de começar a escrever pra valer eu costumo dá uma travada. Captar a atenção do leitor logo nas primeiras linhas é uma tarefa essencial, assim como também complicada, e isso me faz pensar, com muito cuidado, quais palavras deveriam abrir o meu texto. É verdade que perco um bom tempo nesse começo, mas estando ele pronto, fico mais sossegada.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já procrastinei muito e, não vou mentir, ainda procrastino. É difícil vencer isso quando você não está em um dia bom ou em um período bom – como esse ano de 2020 em meio à pandemia do Covid-19. Uma coisa que aprendi é que forçar a barra não resolve o bloqueio, o medo, a ansiedade. Tirar um tempo para refletir sobre o seu projeto, sobre o que ele significa para você e até onde você quer chegar com ele é muito importante. Hoje em dia, quando me sinto assim, eu dou um tempo, deixo o texto na gaveta e tento me distrair assistindo filme, série, escutando música, tudo que me afaste daquela história que eu tanto queria escrever, mas não consigo. É como uma desintoxicação. Quando me sinto revigorada, com a mente fresca, eu tiro da gaveta e dou mais uma chance.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu tenho o hábito de escrever revisando, já tentei despejar todas as ideias de maneira contínua, mas não consigo. Eu vou escrevendo e voltando, mudando, corrigindo sempre, assim é mais demorado, mas consigo ter uma visão melhor da narrativa, do que tá funcionando ou não e acho que, no final, tenho menos com o que me preocupar. Depois de finalizar o texto, revisar e revisar e revisar mais uma vez, eu sempre compartilho com outras pessoas e peço um feedback. Tem momentos que, de tanto ler aquele texto, a gente não consegue mais reparar em erros que ainda possam estar lá ou incoerências. É sempre bom ter algumas pessoas de confiança e que goste de literatura nessas horas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No começo, eu tentei ser daquelas pessoas que usam lápis e papel, mas no teclado do computador sou mais rápida e não perco o fio da meada. Sinto que tenho mais controle sobre o que estou escrevendo e facilita na hora da pesquisa. Tenho sempre uma guia aberta com o dicionário de sinônimos – apesar de quase sempre usar a primeira palavra que penso – ele me ajuda bastante a manter o texto mais fluido. Também uso muito o bloco de notas do celular para salvar algumas ideias que surgem de repente. Recorro ao papel apenas quando quero organizar um panorama do que já tenho, desenhando mapas mentais, fazendo esquemas e rabiscos de inspiração.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Tiro as minhas ideias de vários lugares, quando assisto a filmes, séries ou escuto música, quando leio notícias, vejo uma imagem ou quando observo as pessoas. Viagens de ônibus e idas a consultórios médicos me rendem muitas ideias, principalmente de possíveis personagens. Como eu me dedico à escrita de ficção, normalmente acabo modificando, aumentando e distorcendo o material que absorvo. Também me inspiro bastante em sonhos que eu tenho, por isso, sempre que acordo, seleciono os que apresentam algum potencial. Criar moodboards e playlists me ajudam bastante no meu processo de criação. Estamos sempre recebendo estímulos visuais, sonoros, e o importante é ficar atento, o tempo inteiro, ao ambiente a nossa volta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje, eu me sinto mais livre para escrever, me sinto mais preparada e, apesar de ainda me preocupar bastante com a qualidade do que produzo e com as críticas que posso receber, procuro me tranquilizar e não me comparar com outros escritores. Tento focar mais em mim e no que me motiva. Não escrevo só por escrever ou para me encaixar em um ideal, eu escrevo sobre o que me interessa e o que me faz feliz. Gostaria de voltar e dizer a minha eu do passado para não ser tão dura consigo mesma e relaxar, pois nem sempre vamos agradar a todos, e está tudo bem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu negócio é ficção, ficção científica, suspense, e o meu sonho é criar uma narrativa que traga elementos desses gêneros para um cenário pouco explorado que é a Zona da Mata Pernambucana, lugar onde nasci e cresci. As cidades do interior nordestino são muito ricas em histórias, costumes e tradições, e isso sempre me inspirou. Vi algo muito parecido em Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornerlles. Quando assisti a esse filme eu fiquei em êxtase, virei pra minha irmã e disse “é esse o tipo de história que eu quero contar”, ali me senti representada e acho que isso é o mais importante do nosso trabalho como escritor, criar histórias que conectem pessoas e que as representem.