Diego Ruas é poeta, engenheiro florestal, livreiro itinerante e militante de movimento social.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cada dia é um dia diferente. Minha rotina é a rotina de um livreiro independente que monta bancas itinerantes por Brasília. Revendo livros de editoras independentes, mas sou representante comercial da Editora Expressão Popular, no DF. Então tento conciliar o trabalho, a leitura, a pesquisa e a escrita. Reservo um tempo do dia para ler os livros do meu catálogo. No meio disso tudo, entre outros compromissos & reuniões da militância, moro na Casa do Projeto Popular, que é um ponto de cultura em Samambaia (DF), onde realizamos saraus, oficinas, cursos, etc.
E nesse dia a dia, nesse vai e vem diário, tento manter uma meta de pelo menos 2 horas de leitura diárias. A escrita também pode vir nesse momento, ou ao longo do dia, de forma espontânea. Se a gente não define, minimamente, uma rotina possível para leitura, somos sugados pela modernidade líquida, pelo celular, pela televisão, pela internet.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende. Mas, geralmente, de manhã ou de noite produzo melhor. Se a escrita é espontânea, de um poema ou fragmento que vem à tona & sem aviso, não tenho ritual. Mas se é um momento que separo para leitura ou escrita, meu ritual é o silêncio. Ou uma boa música instrumental.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Uma meta de escrita diária é mais necessária no caso de romances, ou mesmo, contos. Na poesia, pelo menos no meu caso, acho mais difícil. Muitas vezes o poema não vem na hora que queremos, ou pode vir um lampejo que ainda não estamos preparados para filtrar & escrever. O rascunho é um exercício diário do escritor, mas nem tudo que escrevo é para publicação. Tenho meta de leitura diária, como disse em outra pergunta, mas para escrita, aí não.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No caso da poesia, acho que a ideia, o tema, a inspiração vem antes da pesquisa. A pesquisa é necessária, mas é uma busca posterior. É uma busca de qualificar o processo, naquilo que foge de nosso entendimento. Mesmo em alguns poemas experimentais, onde a pesquisa é um elemento central para a brincadeira, primeiro parto da ideia inicial & incendiária, depois para a pesquisa. A leitura literária atravessa todos os meus dias, mas a pesquisa direta e intencional de algum tema ou objeto é outra coisa. A escrita vem depois da ideia, e depois da pesquisa. Se é que a pesquisa foi necessária. Agora, se encaramos que pesquisar é viver, é estar vivo & atento & aberto às coisas, às pessoas, que pesquisar é ser antena para depois transcrever o sentimento do mundo, então faço minhas pesquisas o tempo inteiro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita são naturais. Às vezes passo dias, ou semanas sem escrever algo para publicar. E está tudo bem. Um rascunho lá, outro cá, sempre, mas nada para publicação. Com o tempo entendi: a escrita sempre volta. Volta quando é necessária, indispensável. Nesses períodos de trava, leio muito, pra instigar a criatividade e criar o ambiente para a literatura se reproduzir através de mim.
Não escrevo para corresponder às expectativas dos outros, mas só as minhas. Nisto sou, infelizmente, perfeccionista. Então revisito o texto dezenas de vezes, até corresponder ao que eu gostaria E isso pode demorar. Projetos longos, como um livro mesmo, necessitam de paciência. Paciência. É uma luta constante, consigo e com as outras pessoas envolvidas no projeto. É preciso respeitar o tempo das coisas. Depois da produção do miolo do livro, tem o trabalho de um tanto de gente envolvida. Revisão, Diagramação, Edição, Capa, etc. Conhecendo o caminho que percorre o livro numa editora, tento a todo tempo trabalhar minha paciência. Não tô falando de procrastinação. É paciência pra entender que o tempo das outras pessoas não é o mesmo que o seu.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas de vezes. Meu primeiro livro, “Toda Poesia tem um Pouco de Chão”, teve 4 edições. Cada uma delas com modificações. Poemas retirados, adicionados, modificados. Para mim, o livro é vivo, matéria do presente, e como nós, passível de mudanças. Claro que nem tudo é revisto indefinidamente. Sabemos quando o texto chegou a sua versão final. Mas pode ser a Final_1, Final_1a, etc (risos).
Com alguns poemas meus que tem a força da oralidade, gosto de declamar em saraus, slams, etc; mesmo antes de serem publicados. É legal ter um termômetro do seu público, para uma obra ainda inédita. Mas o livro inteiro, a obra, mostro para um círculo bem reduzido de amizades, quais tenho relação de muita confiança e admiração.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou prático. Se o que tenho quando estou num ônibus ou no metrô, por exemplo, é um celular na mão para fazer nota de um devaneio, uma ideia, um verso ou mesmo um poema, não vou me furtar a usá-lo. Afinal, também iniciei minha escrita já na era digital. Adoro escrever à mão, sentir o papel, ver minha caligrafia. Meus cadernos são um rabisco só. Mas esse processo de montagem, revisão e edição são muito mais práticas no computador ou no celular. Essa agilidade da edição digital já faz parte da minha lógica de escrita e montagem do texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm do mundo, do chão que piso. Do dia a dia enfrentando ônibus, metrô e a desigualdade social na minha quebrada. Dos meus sonhos e ideais. Das minhas leituras. Do que vejo. Das minhas viagens, da minha vida. Como disse certa vez pra mim o poeta Cel Bentin, nossa criatividade vem do nosso repertório de vivências. O resto é invenção.
Pra manter este repertório de vivências sempre expandido, sempre que posso vou a exposições, espetáculos teatrais, saraus, slams, festivais, feiras…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo. Tudo muda. Tudo pende & depende de como nossa vida está sendo no momento da escrita. Porque o ser não é estático. Heráclito dizia que não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, até porque nem o rio é o mesmo, nem você. Lá em casa, minha família não tinha muito hábito de leitura ficcional. A literatura não foi uma cultura de berço pra mim. Comecei a desenvolver a leitura poética, com gosto mesmo, na universidade. Então, quando você vai tendo acesso aos clássicos, quando você começa a ler seus contemporâneos, sua escrita muda. Ainda mais quando você ainda está amadurecendo seu próprio estilo, aquilo que te marca, aquilo que quando alguém lê, sabe que é você.
Agora, não diria nada a mim mesmo se pudesse voltar. Talvez o efeito borboleta levasse a uma catástrofe (risos). Acho que tudo que passei e escrevi foi necessário para formar o que estou sendo hoje. Já tive vergonha do que escrevi nos meus primeiros poemas, na primeira edição do meu livro “Toda Poesia tem um Pouco de Chão”. Hoje não tenho. Entendo que fez parte do processo. Essa vergonha vai se tornando um sentimento autodepreciativo que não quero cultivar mais. Mas quem sabe meu eu do futuro pense diferente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou planejando um livro de contos. Já me movi para a escrita, principalmente dos roteiros das estórias, mas ainda estou lendo e pesquisando muito, principalmente dentro da literatura latino-americana. Além disso, tenho um livro de poemas visuais pronto na gaveta, e um segundo livro de poesia para publicar em 2020. Mas o projeto que ainda não comecei é meu romance. Estou me preparando, amadurecendo minha escrita. Mas um dia virá.
E sobre o livro que ainda não existe? Bem, gostaria de ler um livro que mudasse o mundo por completo. Que desarranjasse todo esse Sistema de opressão. Que fizesse prostrar todos os poderosos e asquerosos diante do poder sagrado do povo e da natureza, que são um só afinal. Mas sei que isso só é possível pela obra de homens & mulheres dispostos a mudar o mundo, a penetrar no mundo com os punhos fechados para lutar contra qualquer forma de injustiça, de censura, de destruição da vida. Então cá estamos.