Dia Nobre é escritora, doutora em História, autora de “Todos os meus humores”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não tenho uma rotina estabelecida. Nunca acordo antes das oito, oito e meia. Sou preguiçosa pela manhã, meu ritmo é mais lento, morno. Tento rememorar os sonhos que tive durante a noite. Desde adolescente anoto meus sonhos e, muitos dos meus textos são inspirados neles.
Quando levanto, ativo a Alexa e ela me diz as horas, o clima e as principais notícias do dia. Faço meu café coado e abraço cada um dos meus gatos enquanto a água ferve.
Geralmente, tomo o café ouvindo um podcast de assuntos que me interessam como literatura, psicanálise ou feminismo. Às vezes, vejo um episódio de alguma série.
Por volta das dez da manhã pratico pilates ou yoga (a depender do dia) e vou acordando meu corpo. O exercício físico é fundamental para as ideias fluírem. Algumas das minhas melhores ideias tive durante as práticas.
Normalmente, às onze já estou no meu escritório com mais uma xícara de café. Vejo os e-mails, respondo mensagens e organizo a agenda do dia para começar a trabalhar. Pela manhã trabalho em coisas mais práticas que não exijam muita concentração porque, como disse, tenho um ritmo lento, não costumo falar ou conversar. É um momento muito peculiar e duradouro, esse de começar um novo dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor à tarde e à noite. Geralmente, depois do almoço, pego minha caneca de café e vou pro meu escritório. Quando sento pra escrever, coloco um ruído branco, ligo o difusor com óleo essencial de lavanda ou laranja e vou pro caderno. Dificilmente, escrevo a primeira versão dos textos no computador, a não ser que seja um texto acadêmico.
É no caderno, nesse contato entre a caneta e o papel que me sinto mais presente, mais em contato comigo mesma e com a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca estabeleci metas de escrita, mas tenho objetivos, por isso, tento escrever um pouco todos os dias. Quando estou sem projeto, faço exercícios de escrita ou busco inspiração na leitura. Algo que sempre faço é buscar alguma palavra estranha no dicionário e partir dela desenvolver um texto, como um verbete poético. Eu adoro palavras “difíceis”, pouco usadas ou com significados complexos. Outro dia, conheci a palavra “resfeber”, do sueco, significa uma ânsia por uma viagem e acabei fazendo um texto sobre memória a partir dela.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando eu já tenho um projeto bem definido, isto é, quando eu tenho clareza sobre o que quero escrever, eu busco ler bastante sobre o tema e vou compilando notas ou citações que tenham me chamado a atenção. Depois, a partir delas, monto a estrutura do texto: o que falar e quando falar. Não tenho dificuldades em começar, minha maior questão é concluir. Raramente concluo um texto de primeira, tenho que deixá-lo descansar, depois leio em voz altas várias e várias vezes, até o final surgir.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu levo tudo pra terapia. Nesse processo de publicar e me afirmar como escritora, a terapia foi essencial para que eu pudesse elaborar o que era meu e o que era uma expectativa externa.
Gosto de conversar com outras escritoras também. É importante saber que não estamos sozinhas.
Outra coisa que me ajudou nesse momento de pandemia, estando em isolamento/home office, foi mudar de ambiente de vez em quando. Geralmente trabalho no meu escritório, mas usei muito minha sala de estar e a varanda. Eu gosto também de mudar as coisas de lugar. Dia desses pintei uma parede e mudei a posição de todos os móveis do meu escritório, me dá uma sensação de novidade. É uma forma de procrastinação que me leva a refletir sobre as coisas, então, é bem positiva.
Tenho me permitido ao ócio criativo também. Às vezes, o melhor é sentar numa poltrona confortável (no meu caso, na rede) e não fazer nada. O ócio também faz parte do processo de criação e é tão importante quanto buscar estímulos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante, muitas e muitas vezes. Minha esposa e algumas amigas fazem o papel de leitoras beta, principalmente, quando é um texto que tenho urgência de publicar ou que me foi solicitado pra algum projeto. No entanto, não sou preciosista ou perfeccionista, acho que os textos podem ser constantemente reelaborados, mas precisam ser concluídos em algum ponto. Uso muito a minha intuição pra saber quando um texto está “pronto” e não vai render mais. Acaba sendo um processo muito subjetivo e íntimo mesmo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu adoro tecnologia, tenho vários apps e aparatos e me movimento muito bem com ela. Quando se trata de textos ensaísticos ou acadêmicos, uso o computador, sem problemas. Mas textos literários são rascunhados no meu caderno e só depois, quando eu passo para a fase de revisão é que os transcrevo para o computador. Minha escrita literária funciona mais nesse contato entre papel e caneta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de muitos lugares. Um conselho maravilhoso que recebi de uma escritora que admiro muito é que pra escrever, você precisa ler muito. Leia, principalmente, sobre o gênero que você quer escrever. Agora, por exemplo, estou mergulhada em livros, filmes e séries de suspense, pois estou rascunhando um romance do gênero, apesar de sempre ter tido medo de fantasmas e ser super impressionável!
Sair e só olhar as pessoas, o que elas fazem e dizem, já pode servir de inspiração pra algo. Em tempos de pandemia, esse recurso ficou in off, mas era algo que eu fazia sempre.
Sempre gostei de usar um diário ou bullet journal, pra anotar meus sentimentos, angústias e fazer uma espécie de mapa do meu humor, anotando também a causa dele. Isso me ajuda muito a deslocar o bloqueio. Às vezes, estamos bloqueadas por coisas da vida comum, como boletos, compromissos, mas em outras, as causas estão fora da nossa alçada. Por exemplo, fiquei bem bloqueada quando li as notícias sobre a devastação no Pantanal, até que consegui escrever sobre isso e me livrar um pouco da culpa que estava sentindo, porque sei que é algo que não posso resolver.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu comecei a escrever porque queria falar sobre mim mesma e sobre o que estava sentindo, na esperança de elaborar formas de “me curar de mim”, de dar sentido às angústias que eu não conseguia desafogar no cotidiano.
Uma das minhas maiores angústias era: e se o que eu escrevo não interessar a ninguém? Ora, é claro, que quando escrevemos, queremos ser lidos, mas percebi que minha maior preocupação não poderia ser se eu teria leitores, mas se o processo era prazeroso.
O medo de não estar em um “caminho certo” sumiu quando eu comecei a colocar meus textos no mundo. Se eu pudesse mandar um recado para mim mesma eu diria: não dá pra saber se você está indo bem se você não arriscar ser lida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho várias ideias para romances e agora estou começando a rascunhar uma delas. Não posso falar muito sobre porque ela ainda é um gérmen, ainda não se consolidou na minha cabeça. Ainda na fase da pesquisa, me alimentando de referências, lendo bastante.
Eu ainda quero ler muitas histórias de mulheres lésbicas com finais felizes. Sinto muito a falta da representatividade e a naturalização dessas relações. Nossa literatura ainda é extremamente masculina e heteronormativa e isso tem me incomodado bastante. Nesse sentido, recomendo imensamente a leitura de mulheres lésbicas e bissexuais (cis ou trans), pois estamos construindo uma nova literatura na contemporaneidade, na qual a nossa existência conta.