Denisson Palumbo é poeta, músico e dramaturgo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acho que meu dia só começa à noite, como um guarda noturno.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A madrugada é o melhor momento para trabalhar, quando encontro mais silêncio, apesar de gostar de escrever ao som de música, inclusive, repito uma mesma canção, que me ajuda na concentração, depois volto ao silêncio, como às vezes para de escrever, faço exercício físico, volto à escrita. Não existe ritual, só rotina mesmo. Escrevo como bebo água, às vezes acordo e tomo nota de algo, durante o dia escuto o que diz o barulho, à noite eu converso com esse barulho. Ouça a conversa das pessoas na rua, isso é essencial para escrever peças teatrais, por exemplo. Seja qual for o trabalho, cordel, poesia, dramaturgia, ando em busca de interlocução!
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo sob encomenda, com metas e datas a cumprir, por exemplo, um texto teatral com data de estreia; uma história em cordel para um convite de formatura; uma letra de música para uma campanha publicitária, tudo isso eu já fiz, mas seria impossível se eu não tivesse na manga as minhas cartas, se não tivesse escrito minhas notas diárias. Estas notas estão no instagram, inclusive, tenho publicado uma por dia há uns meses, coisas que reescrevo e que surgem do burburinho das conversas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de escrita é de escuta também. Começar a escrever é como puxar conversa, na falta de uma boa abordagem, a gente pergunta a hora ou comenta o clima, o caso é que precisa começar de algum jeito. Além pesquisa bibliográfica, da leitura em si e em silêncio, invisto na pesquisa que é a escuta. No caso, além de ficar atento a conversa alheia, exercito a escuta musical. Pesquiso mais assim, eu acho, de “orelhada”. Leio menos do que deveria. Outra coisa, quando está difícil começar a escrever, busco uma parceria, senão uma efetiva parceria, busco uma parceria em um outro texto, faço uma paródia, uma parceria desautorizada, assim tem sido menos difícil começar. A paródia é uma ferramenta muito importante em meu processo de escrita, que se faz no paralelo entre a escuta e escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu funciono bem com prazos, preços e broncas, são igual a café, almoço e janta. Procrastinação e ansiedade são naturais, faz parte do processo, assim como silêncio e barulho, ação e relaxamento, tento viver e não evitar esses momentos, com sorte isso se transfigura em algo para o próprio trabalho ou para outro posterior. Projetos longos são iguais aos projetos curtos, nesse sentido, que o tempo é uma convenção.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O que escrevo é uma extensão de minha voz, de minha dicção, preciso que me escutem, então, eu só acho meu texto pronto depois que o escuto; a minha revisão passa pela audiência, assim que quase tudo que tenho publicado já foi falado em público, em voz alta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sinto a “síndrome da traça”, não gosto de ver meus textos em gavetas. Escrevo no teclado do computador, no teclado digital, com caneta ou lápis, não importa. Escrevoaté de cabeça, assim como quem conversa sozinho. Não tem regra, quando existe uma validade emocional para escrever, e se está bem alimentado, ninguém nem nada o segura. Tenho vários textos memorizados, há anos, pode vir o novo bugg do milênio, que não perco… é poesia portátil, anda comigo, na minha memória afetiva. Tudo que tenho escrito passa pela oralidade, às vezes gravo o que escrevo também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm do hábito de trocar ideias, que nutro, naturalmente, inclusive, converso sozinho sem achar isso um desvario, esquizofrenia. Falo mesmo, em voz alta, falo comigo mesmo, e um instante começo a cantarolar. Costumo rimar de improviso, o que é o mesmo que escrita automática, mas sem escrever, da boca pra fora. Gosto de rap e de repente, embolada, coco, essas coisas, cada canção dessas já são centenas de palavras no vocabulário. O hábito de escutar este tipo de música é salutar para qualquer escritor, eu acho, equivale a leitura de um livro. Vem daí muitas das minhas ideias, das letras de música.
Eu interajo com artes visuais estáticas (pintura, fotografia, escultura, grafite), para me abastecer de signos; a internet é um prato cheio. Não vejo televisão nem acompanho séries há anos, também vejo poucos filmes; tento deixar de ser o homo videns que fui criado para ser, estou em um processo de remodulação cognitiva, com a percepção mais voltada à escuta… Não tenho noção do que tenho perdido por deixar de ver programas de televisão, videoclipes, seriados e filmes, mas percebo como tenho ganhado enquanto ouvinte. Ler é também uma forma de ouvir.
Acho que para se manter criativo é muito importante fazer listas. Escrevo listas dos títulos textos que pretendo começar ou retomar; invento títulos variados, isso em si já é um exercício de escrita criativa. Também escrevo notas (aforismos) quase todos os dias, deixo amontoar e depois me divirto ao ver que é a mais pura bobagem, muitas dessas notas estão no meu perfil do facebook, bem curtidas, para meu espanto, eu diria. Afinal, quanto vale ou é por like? Essa entrevista mesmo, quanto vale? Você que me lê agora, você vale muito, chegou a um site, já saiu da redoma das redes sociais, são pessoas como você que eu quero como amigos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu demorei a reconhecer a oralidade como eixo de meu trabalho; quando entendi que meu processo de escrita está dentro e fora da cultura literária, alinhei minha produção musical e dramatúrgica, já considero tudo poesia. Meu processo de escrita inclui a memorização e fala em voz alta dos textos. Se eu tivesse me dado conta da oralidade antes, ah, certamente teria escrito mais, a conversa mole é meu forte, mas eu forçava o literário…era um tagarela que fazia mímica.
Todo pintor pinta a si próprio, mesmo que nunca pinte um autoretrato, as proporções do seu corpo servem de medida. Usar de uma outra voz para falar é impossível. Escrever como quem fala é a minha questão, não sou bibliófilo. Vejo que nunca escreverei um romance, que é um gênero literário por definição; foco na poesia, naquilo que pode ganhar corpo no corpo vivo de alguém. Sem corpo, a letra nasce morta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho o projeto de escrever um livro chamado Redondilheza: uma compilação de cordel, mas ainda faltam muitas rendondilhas, muitas voltas que tenho que dar. Leandro Gomes de Barros escreveu centenas de títulos de cordel, enquanto eu nem uma dezena, ainda. Gostaria de ler um livro de cordel composto por muitos cordelistas, assim, uma septilha de cada um, seria uma divina comédia coletiva.