Denis Winston Brum é autor e redator publicitário.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia quase sempre antes da sete da manhã. Após o café da manhã e o passeio exigido por “Spock”, o meu cão Shih tzu, entro no “Home Office” e começo a escrever. Se tenho trabalho para desenvolver na área de comunicação comercial ou institucional, faço isso. Se a agenda está livre me dedico ao ofício literário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Definitivamente trabalho melhor pela manhã. As ideias estão frescas para a criação e a visão apurada para editar o conteúdo. No período da manhã minha escrita costuma ser bem mais afiada. Meu ritual, além do passeio obrigatório com o Spock, varia de ouvir música a preparar um chimarrão para acompanhar o escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever todos os dias. E tenho êxito nisso por longos períodos de tempo. Às vezes acontece de ter mais dúvidas do que palavras e me obrigo a travar a escrita e dar um dia ou dois para pensar a respeito. Mas acredito que a prática diária é essencial a evolução do ofício de escrever. A meta diária pode ser variável dependendo de cada texto. Costumo ficar envolvido com o escrever de seis a oito horas por dia. E no resto do tempo estou pensando em escrever. Atualmente, estou trabalhando em um texto dividido em doze capítulos, procuro trabalhar nele em média quatro capítulos por dia. Mas às vezes sinto a necessidade de me envolver com o projeto do primeiro ao último capítulo sem interrupção para ter uma noção exata do seu todo e fico bem mais tempo escrevendo. As diferentes exigências de cada texto se traduzem em distintos números de horas envolvidos em escrever e reescrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Comecei a escrever muito cedo motivado pelo livro “Os Três Mosqueteiros” presenteado por meu avô. Minha primeira tentativa de escrever foi uma imitação dos livros de bolso que traziam novelas de detetive, espionagem, horror, ficção-científica e outros. Assim escrevi naquele momento as primeiras vinte e uma páginas de caderno de um “épico” que misturava elementos de todos estes gêneros. O livro não foi concluído, mas, aguçou a vontade de escrever. Eu acreditava que escrever era uma via direta entre a cabeça e o papel.Em muitos aspectos, ainda é o que eu faço. Porém, com o tempo, fui descobrindo que organizar o conteúdo pode agilizar o desenvolvimento do texto e ajudar a se concentrar nos personagens. Em meu eBook “Adiós Pampa Mía”, fiz um roteiro da primeira até a última cena apenas rascunhando alguns diálogos antes de escrever o texto propriamente dito. Nesta novela eu desejava que cada incidente relatado no texto tivesse uma consequência mais adiante, ecoasse na trama e nas ações dos personagens como em uma queda de dominós. Nesse aspecto ter o roteiro da trama pronto me permitiu a concentração no aprofundamento dos personagens e na lapidação de seus diálogos e silêncios. Já o meu romance “Redemoinhos” lançado pela Editora Escaleras, foi o oposto disso, um caso de pura inspiração. Os três personagens principais nasceram prontos e os deixei narrando a sua visão dos fatos em primeira pessoa. As ações dos personagens se desdobravam naturalmente desta visão 3D que eu tinha deles. Até mesmo a estrutura de “Redemoinhos”, com os capítulos girando entre os personagens, veio pronta. No caso de “Adiós Pampa Mía” não precisei pesquisar quase nada, com exceção de detalhes técnicos relativos aos automóveis que são coadjuvantes na trama. Em “Redemoinhos” a pesquisa não existiu. No original que atualmente estou desenvolvendo fiz um roteiro prévio do início ao fim e pesquisei muito também, tomando nota de uma série de fatos essenciais a veracidade da trama. Apenas após ter elaborado o roteiro e concluído a pesquisa me movi para o texto. É claro que durante o desenvolvimento do texto outras dúvidas aparecem e eu faço novas buscas para responder a estas questões específicas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre atuei como redator publicitário e simplesmente não existe oportunidade para procrastinar neste ofício, o cliente dá um prazo e a gente precisa resolver o texto naquele limite de tempo. Consegui transferir muito desta prática para a literatura. Não costumo colocar prazos para a conclusão dos originais, mas tento mantê-los sempre em movimento. As travas acontecem é claro. Para evitar isso é interessante se ter mais de um projeto, um texto principal, ao qual nos dedicamos e um ou dois secundários ao qual voltamos quando aquele projeto tranca. Por exemplo, no original no qual estou trabalhando, apesar de ter o roteiro do texto pronto, os primeiros capítulos saíam truncados, assim eu retornava de tempos em tempos a outro projeto, oxigenando a mente para o texto principal. Depois que ultrapassei a marca de cinco mil palavras, as coisas começaram a acelerar naturalmente e atualmente não posso trabalhar em mais nada porque este texto me chama o tempo todo. Algo recomendável para combater as travas da escrita é a leitura, mergulhar no universo de outro autor sempre ajuda a recarregar o próprio escrever. E também uma boa caminhada, pra cansar o corpo e liberar a tensão da mente. Sobre o medo de não dar conta do recado, descobri atuando como redator publicitário a ser o meu próprio carrasco, cobrando bastante do texto antes de considerá-lo pronto. Ninguém é perfeito, mas se precisa buscar o melhor texto possível com o conhecimento e a habilidade que possuímos naquele momento da vida. O tamanho do livro não me incomoda tanto. Um projeto “curto” pode dar tanto trabalho o quanto um “longo”. Meu livro infantil “As Férias das Fadas” foi uma busca de harmonizar leveza e substância respeitando o número menor de palavras do gênero e a inteligência do leitor. E isto exigiu muito esforço na busca de um texto original e, ainda, espontâneo. Meu romance “Redemoinhos” foi muito mais fácil de escrever porque tudo já caiu no lugar certo e eu precisei apenas lapidar o texto. Acredito que a ansiedade para mim acontece quando o texto está pronto e busco viabilizar a sua publicação. Aí surgem questões que me mobilizam: saber “se” e “quando” o livro será publicado, como será a diagramação, a capa, a sinopse e outras questões vitais na apresentação da obra ao leitor.
Quantas vezes você revisa os seus textos antes de sentir que estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Esta é outra característica que importei da redação publicitária: revisão é uma obsessão para mim. Sempre duvido de que o texto está realmente pronto. Aí se encontra outro fator de ansiedade: a necessidade de proceder com permanentes lipoaspirações no texto até sobrar apenas o que realmente precisa estar lá. A redundância é algo que me incomoda, assim o número de vezes que reviso um texto é incontável. Uma técnica que costumo utilizar é a leitura em voz alta, a qual é particularmente eficiente em relação aos diálogos. E muitas vezes corto frases de que até gosto mas percebo que não cumprem função alguma no texto. Também procuro evitar repetir a revisão linear, ou seja, do começo para o fim. Às vezes vou de trás para frente, às vezes começo no meio, enfim, procuro combater a familiaridade do olhar com um texto já lido inúmeras vezes. Não tenho o hábito de mostrar o texto em progresso. Não é pedantismo, mas já me faço tantas perguntas a respeito da trama, personagens, diálogos, além de experimentar muito com o texto durante o seu desenvolvimento que, uma opinião de quem está de fora, sem saber onde eu pretendo chegar, pode atrapalhar mais do que ajudar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos a mão ou no computador?
Jamais escrevo a mão, preciso do texto na tela onde posso experimentar com as frases. Também não faço impressões do texto, pois ali no papel não posso alterá-lo, prefiro revisar na tela e, se for o caso, já mudar ali mesmo. A dinâmica deste escrever / editar simultâneos do computador é essencial na mecânica da minha escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sempre tive a imaginação bastante ativa. E adorar livros, filmes e música alimentou a criatividade. Muitas ideias me surgem caminhando, quando alguma situação observada serve de faísca para o escrever. Nunca é uma transposição direta da realidade para a página, mas pode ser um começo. Uma vez vi no meio de uma avenida movimentada um minúsculo posto de gasolina que possuía apenas uma bomba de combustível de pintura descascada e ao lado desta um frentista cochilava sentado em um banquinho. Eu pensei: E se o frentista fosse despertado pelo ronco de um carro de luxo chegando para abastecer? Assim nasceu “Adiós Pampa Mía”. A ideia se expandiu e sofisticou a partir deste incidente. Uma coisa importante para se manter criativo é ler, conhecer o pensamento e o escrever de outros autores. E também ajuda olhar mais para a vida e menos para o celular.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita dos seus primeiros textos?
Comecei a escrever cedo, porém sem disciplina. O entusiasmado era o combustível destes arroubos e me cegava para os próprios defeitos. A partir do momento em que iniciei minha atuação como redator publicitário passei a entender a importância da revisão e do questionamento da própria escrita. Gradualmente fui transferindo esta visão para as minhas tentativas literárias. Mais recentemente estou experimentando o recurso de criar um roteiro antes de desenvolver o texto. Fiz isso em “Adiós Pampa Mía” e no projeto que estou trabalhando atualmente. Inclusive, neste trabalho em progresso fui além do roteiro e criei descrições físicas e emocionais dos personagens antes de iniciar o texto. Escrever é algo que evolui com a prática, assim minhas primeiras versões hoje saem do forno bem mais prontas, mas, ainda costumo retrabalhá-las. Se H. G. Wells me emprestasse sua máquina do tempo eu iria parafrasear Sean Connery em “Goldfinger” e diria para aquele guri de negros cabelos crespos: “Disciplina Denis”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ainda não existe?
Tenho desejo, ideia, protagonista e algumas cenas de um projeto de ficção-científica, mas o todo ainda está embaçado para mim. Eu adoraria ler “Welcome back, Marlowe” escrito por Raymond Chandler, onde quer que este durão esteja.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Como a minha primeira tentativa de escrever um livro aconteceu aos doze anos de idade, eu iniciei simplesmente deixando fluir. Meu romance “Redemoinhos”, por exemplo, foi pura inspiração, personagens e trama chegaram prontos a minha cabeça e só precisei transcrever, dar forma. A minha primeira experiência real no planejamento de um projeto teve como resultado o meu e-book “Adiós Pampa Mía”, o qual foi detalhado do primeiro ao último capítulo antes de ser escrito. Isso se tornou necessário porque é a cadeia de incidentes da trama que derruba as máscaras dos personagens e os revela. Assim planejei cada capítulo com a sucessão de eventos e um rascunho dos diálogos. Com esta estrutura pronta, me dediquei a afiar os personagens e desenvolver o humor e a ironia do texto de “Adiós Pampa Mía”. Atualmente tenho um original que planejei desta mesma forma antes de me dedicar a desenvolver o texto. Inclusive fui um passo além e elaborei uma lista dos personagens com suas características físicas e psicológicas. Neste original também precisei pesquisar história e costumes a fim de confirmar e expandir o conhecimento que eu possuía sobre este particular período histórico. Com personagens e estrutura previamente definidos, afiei personagens, personalizei diálogos e aprofundei o texto. Todos os momentos de um texto são extremamente importantes. Mas, na minha opinião, saber quando e como encerrar uma estória é vital. Não é recomendável ir além do “Fim”.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Em relação ao tempo dedicado a Literatura, o qual varia dependendo dos compromissos profissionais, gosto de ter ao menos dois projetos simultâneos acontecendo, um principal recebendo mais atenção e o outro secundário, funcionando até como forma de oxigenar o desenvolvimento do primeiro. Se me é possível dedicar todo o dia a Literatura, opto pela manhã e começo de tarde para o projeto principal e tarde / noite ao secundário. Quando o projeto principal está em fase de finalização dedico todo o tempo disponível a este texto, colocando o secundário em modo de espera. Também procuro arranjar brechas para reescrever alguma coisa. Este arranjo não é rígido e varia conforme alguma necessidade imediata ou imprevisto.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Sempre tive a imaginação muito ativa. Criava enredos até para as brincadeiras de carrinho no indefectível posto de gasolina que fez parte da infância dos guris da minha geração. Aos dez anos recebi de presente do meu avô uma linda edição de “Os Três Mosqueteiros”, ali me apaixonei pelo universo de Alexandre Dumas e soube que queria desenvolver enredos, criar personagens vivos como aqueles, e vê-los impressos nas páginas de um livro. Quase sempre sou motivado pelo “E se”… Ou seja, quando vejo, ouço, relembro algo e imagino outro caminho pelo qual esta situação poderia se enveredar, isto pode se tornar o ponto de partida de um projeto. Muito é alterado durante o desenvolvimento, mas, o “E se”… costuma ser o pontapé inicial do jogo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Jamais emprego essa palavra que começa com “E” relacionada a minha escrita. Evito até pronunciá-la. Para mim só existe o texto. Busco ao escrever fugir da obviedade, da redundância e da repetição. Gosto que o texto flua a partir de seus personagens e que meu trabalho permita ao leitor os perceber vivos, respirando. Nesta busca releio e reescrevo muitas vezes os capítulos e vou lipoaspirando tudo o que não é essencial. Também me faço perguntas o tempo todo. Muitos autores me influenciaram. A inventividade de Alexandre Dumas me fez ousar escrever. Fui hipnotizado pelo imaginário de Edgar Allan Poe. Álvares de Azevedo me seduziu com a beleza melancólica de sua poesia e prosa. Luis Fernando Verissimo me apresentou a uma sofisticada simplicidade. Raymond Chandler me embriagou com sua ironia e diálogos inesquecíveis. Estes são alguns nomes de uma lista permanentemente ampliada.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Vou recomendar três autores nacionais, um imortal e dois contemporâneos. “Noite na Taverna” de Álvares de Azevedo é um clássico a ser redescoberto. Além da beleza do escrever e do imaginário do autor se encontra aí um luxuoso exemplo do gótico na nossa literatura. O segundo título é “A Dor Mais Afiada” de Luis Dill. Em uma trama aparentemente mundana, o personagem se desdobra em situações e descobertas que o colocam em uma jornada pelo inesperado e, até, insólito. A construção do texto e a lapidação dos personagens é feita com naturalidade e economia de palavras, uma característica do autor cuja carpintaria literária enriquece as possibilidades de uma premissa enganosamente comum. A terceira sugestão é a novela “Causa Morte” da autora Débora Gil Pantaleão. Escrita com uma prosa afiada, “Causa Morte” é como o mar, joga o leitor de um lado pro outro sem avisar, rouba o seu chão, encanta e assusta. O escrever inquieto, transgressor da autora, desafia a anestesia do olhar, exige uma leitura atenta do texto. São três obras singulares que evidenciam a diversidade criativa de nossos autores e sua capacidade de provocar, seduzir o olhar do leitor.