Denilson Baniwa é indígena do povo Baniwa e aventura-se pelo sudeste entre artes visuais e escritas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Ritualizando uma tradição indígena eu acordo diariamente por volta das 5h30min. Os mais velhos falavam que durante o sono viajamos pra outros mundos, e quando acordamos alguns espíritos desses mundos ainda estão misturados com o nosso, por isso um banho gelado ajuda o corpo a acordar e nos separar desses espíritos também, que inclui o da preguiça e o da doença. Então, meu dia sempre começa com um banho gelado, seguido por tomar o café escutando o jornal da manhã. Leio algumas páginas de livros, respondo e-mails e dou uma olhada em mensagens no instagram. Como meu horário de criação é na madrugada, tiro as manhãs para descansar basicamente, então até por volta da metade do dia ou estou lendo livros ou vendo algum filme, escutando Tom Waits, Don L ou algum folk ou ainda vídeos de entrevistas e DIY no youtube.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu horário de ação é a madrugada, tem alguma coisa no silêncio (ou quase) da cidade que me ajuda a pensar melhor no que colocar na tela ou papel. É nesse horário que refaço pensamentos, revisito inspirações e reflito sobre formas e conversas do dia que me ativaram alguma ideia interessante, é na madrugada que entro em ação. Um ritual talvez antes de ligar o laptop é fazer um café e sentir o aroma enquanto me preparo para teclar as primeiras frases. Mas no geral, sou bem mais pragmático que ritualístico.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No dia a dia corrido não consigo escrever aos poucos, então deixo tudo ficar concentrado, denso dentro da cabeça e quando decido escrever só paro quando tudo estiver esvaziado do cérebro, daí aos poucos vou ajustando tudo, tirando, mudando e acrescentando informações. Não tenho uma meta diária, mas gosto de pensar diariamente sobre tudo o que observo no ambiente, e na minha cabeça ir construindo narrativas, às vezes fazendo algum contraste com o que aprendi sendo indígena.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É um pouco caótica na verdade e nem a motivação é sempre o ponto de partida pra ação de escrever. Tenho muitas anotações que nunca cheguei a usar e anotações que se misturam em vários textos. Então tudo parte de algum acidente motivacional, o fazer é sempre resultado menos de obrigações contratuais ou de hábito e mais de necessidades de expressar o momento presente, aliás o momento presente é o que me move, raramente penso em escrever planejando onde irei alcançar. Pra mim a arte, seja escrita alfabética ou visual é um ser vivo que tem suas próprias vontades e eu sou uma ferramenta, um meio das coisas serem gravadas (ou grafadas) nos suportes comunicacionais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas eu transvisto (risos), mas é isto, eu de fato metamorfoseio a natureza das paradas bruscas, se não consigo mais escrever ou alinhar o pensamento, eu desligo o laptop ou fecho o caderno e vou ouvir música, dar uma volta na rua, olhar pela janela ou dormir. A procrastinação é importante pra mim, algumas coisas só se fizeram presentes nos momentos de ócio e desleixo com o relógio. Quanto ao medo de corresponder às pessoas? Meu maior crítico sou eu mesmo, me cobro de uma maneira como ninguém mais cobra, então conhecendo o “meu tempo de fazer” digo a mim mesmo – respire (até tatuei “respire” na mão pra não esquecer nunca). E a ansiedade que vem junto é a mesma coisa, inspiro e expiro como que num mantra inventado até dar certo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando tudo pronto, reviso duas ou três vezes pra ver se flui bem a leitura ou se escapou algum erro. No mais tenho três amigas que confio na sinceridade com que pode me falar – deleta isso ou vai fundo. Depois disto é aguardar o publico se manifestar sobre o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ué, tecnologia é o que é – Um relacionamento quase-abusivo que não consigo me livrar, me facilita tudo e me deixa ansioso ao ponto de querer jogar tudo fora. Mas eu vivo num relacionamento aberto onde cabe computador, smartphone, ipad, moleskines e até uma velha maquina de escrever (mas esta última é mais por questões estéticas que funcionais, rs).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Elas vêm da vida (risos). Sério, elas vêm dos ambientes e dos momentos, às vezes acho que de uma memória de DNA, algumas ideias vêm de sonhos, mas ultimamente tenho dormido pouco, em consequência sonhado cada vez menos. Preciso retornar ao mundo onde deuses antigos do meu povo vivem, quem sabe o que posso aprender com eles, né? Pra criatividade é o básico, ler, ver, ouvir, andar por aí e prestar atenção. Precisamos disto na cidade, prestar atenção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A maior aquisição que fiz ao longo dos tempos foi segurança, isto mudou tudo pra mim, inclusive no processo de trabalho. Então o que eu diria ao jovem Denilson Baniwa seria – insegurança não pode ser desculpa pra não fazer, vai e faz independente do que possa acontecer depois.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que conta sobre a matriarca da minha família que foi tirada de sua aldeia à forca para ser escravizada e conseguiu fazer um motim no barco onde estava junto com outras indígenas é algo que ainda não existe e eu gostaria de ler.