Denilson Bandeira Coêlho é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia como um pai de família comum com a responsabilidade de organizar com minha esposa o café da manhã e a ida das crianças à escola. A rotina é marcada por uma presença no bom dia da escola das crianças seguida pelo deslocamento até à UnB onde inicio várias tarefas como checagem de e-mail, revisão das aulas, orientações ou produção de texto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O melhor horário para a labuta é pela manhã, principalmente se a noite é bem dormida e o ambiente acadêmico funcionar bem. Meu ritual se caracteriza pela revisão do conteúdo a ser desenvolvido. Costumo revisitar textos que escrevi e de outros autores referências da área de estudo. Na maioria das vezes funciona como uma inspiração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha estratégia é escrever em períodos concentrados. Em geral para um artigo a ser apresentado em uma conferência o ideal é se dedicar ao texto por cerca de 2 a 3 semanas. Claro que essa dinâmica varia a depender da análise e do produto final a ser gerado. Não adoto uma meta diária, embora já tenha tentado anteriormente me basear por esse método. As metas diárias podem gerar grande satisfação, mas também frustrações. Por essa razão prefiro adotar metas mais flexíveis com o cuidado de obedecer aos prazos formais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é previamente internalizado na mente. Sempre procuro pensar mentalmente no fenômeno a ser explicado porque isso permite gerar uma espécie de desenho de pesquisa. Em seguida desenvolvo as ideias pensadas e o estilo de texto. O estilo de texto é peça fundamental porque irá guiar boa parte da comunicação e o pesquisador não pode abandoná-lo ou mudar radicalmente a estrutura. Por exemplo, um texto descritivo não permite uma conclusão argumentativa ou um texto argumentativo não pode ser finalizado com ausência de resultados. Mover-se da pesquisa para a escrita deve ser uma ação que se caracteriza por prazer e pela busca do conhecimento. Algumas vezes é notório que o pesquisador move-se, mas seu posicionamento ainda não está bem equilibrado. Alguns insights falham na hora de serem decodificados e é justamente neste momento que a pesquisa deve ser requalificada para possibilitar sua representação na escrita. Para tanto, é imprescindível, além do estilo de redação a definição de uma estrutura lógica a ser seguida.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O receio de adiar longamente uma produção científica é mais comum do que se pensa. Vários pesquisadores lidam com entraves dessa natureza. Basicamente o quadro ocorre porque via de regra as produções ocorrem concomitantemente. Em outras palavras, o pesquisador possui seu próprio artigo, mas também produz em parceria com outros colegas. Assim, a ansiedade torna-se algo real e pode obviamente atrapalhar a qualidade da investigação. Procuro fazer escolhas que orientem da melhor forma a produção individual e em grupo. Uma medida é estabelecer metas para que seja possível minimizar as barreiras que sempre estão aí para serem enfrentadas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão textual é uma tarefa prazerosa. É o momento em que você avalia como suas ideias foram organizadas em uma estrutura a ser lida por uma futura audiência. Releio meus textos cerca de cinco vezes para que me sinta seguro em submetê-los para uma publicação. Muito raramente mostro meus trabalhos a outros colegas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Lido bem com a tecnologia. É uma ferramenta crucial para o avanço do conhecimento, especialmente o metodológico. Escrevo notas muito resumidas no papel, mas a produção é 99% no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias advêm da observação de fenômenos, da revisão da literatura e dos debates que participo, seja em sala de aula ou numa conferência internacional. Geralmente quando fico insatisfeito com a explicação de um determinado fenômeno procuro pesquisar para levar à frente uma ideia que é rival a que algum pesquisador tenha desenvolvido. Minha tese de doutorado e alguns artigos foram feitos a partir dessa necessidade de investigar mais a fundo um problema que a meu ver não estava bem explicado. A criatividade não é exatamente um dom inato. Penso que seja algo que está a alcance de qualquer um, mas que exige trabalho e esforço, ou seja, quanto mais informado você é provavelmente você desenvolverá uma boa ideia porque entende mais apropriadamente do tema em questão.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Percebo que as minhas ideias estão mais organizadas e que a estrutura lógica a seguir, que antes representava um desafio é, na verdade, um mecanismo que facilita a minha condição de escritor. A vida de um pesquisador, assim como a de um escritor de romances, é muito solitária e desafiadora. Por isso, procuro às vezes me misturar com a comunidade e em outras ocasiões me isolar. Posso escrever um texto qualitativo e introdutório em um café da cidade, mas uma análise comparada feita por meio de uma interpretação econométrica exige silêncio. Portanto, o processo de escrita é uma variável dependente de vários fatores, sendo um deles o ambiente de trabalho. Relendo a minha tese percebi que algumas seções deveriam ser mais sucintas e objetivas. A labuta da escrita nos ensina que é possível comunicar ao próximo sem tantas informações às quais antes você achava necessária.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Minha agenda de pesquisa foca o tema da difusão de políticas públicas e instituições no Brasil. Pretendo avançar a agenda para uma perspectiva comparada com os EUA e América Latina. Eu gostaria de ler um livro que demonstrasse como o sistema político gera efeitos perversos para a adoção de políticas públicas. Meu argumento é que há muitos municípios no país que necessitam de bens públicos enquanto outras possuem mais políticas do que deveriam. O desequilíbrio federativo no limite é responsável pela desigualdade social e institucional.