Demetrios Galvão é poeta, editor e professor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente acordo depois das 9h, tomo café e começo as atividades de trabalho. Elaboro o que irei trabalhar em sala, nas minhas aulas durante o dia/noite, na escola e na faculdade, respondo e-mails, faço postagens, coisas banais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor na parte da noite, principalmente depois que a casa toda está dormindo. Meu corpo se sente mais atraído pela madrugada, gosto de ficar vagando pelos espaços da casa, olhando os detalhes, criando paisagens imaginárias, ficções pessoais, coisas improváveis. Mas tudo que faço tem música, leio e escrevo ouvindo música instrumental na companhia dos meus gatos. O meu universo é uma combinação de elementos sobrepostos, estímulos visuais e sonoros, principalmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma rotina de escrita, não escrevo todos os dias. No entanto, leio o tempo todo. Pra mim, o trabalho de criação literária passa pela construção de um pensamento, por um processo de sensibilização e captação de energias. Nisso, me concentro mais na rotina de leitura e essa leitura é vasta, envolve desde os textos mais acadêmicos que trabalho em sala (teoria da história, memória, história geral e do Brasil, temas de antropologia e filosofia, etc etc), até a leitura de poesia, ensaios e entrevistas.
A poesia está, para mim, em uma dimensão que vai além do próprio ato de escrever e publicar. Faço uso da poesia como um campo magnético em aberto, onde é possível fazer livres combinações para pensar a vida, a sociedade, as relações interpessoais, o ser humano, etc. Bem como, atuar subversivamente para escapar dos esquemas racionais pré-estabelecidos, dos enquadramentos quantitativos e do status quo tão valorizado por nossa sociedade. Por isso, manter o pensamento em forma é tão importante quanto à escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não escrevo por demanda ou por exigências contratuais, ou coisa do tipo. O meu trabalho com a escrita é disperso e fragmentado. O processo de pesquisa e de construção conceitual, geralmente acontece depois que tenho alguns poemas e entendo que ali pode vim a formar um livro. Desse ponto em diante as coisas vão se encaminhando de modo mais direcionado. Começo a delinear um percurso mais claro sobre o que dizer e as conexões que farei entre os textos.
A minha poesia é construída a partir da perspectiva da imagem, da dimensão onírica e da livre associação entre elementos de universos distintos. Valorizo a criação de imagens que escapam da simples representação contingencial do real. É nesse ponto que trabalho mais detidamente. No esforço de não repetir a realidade, mas de construir um além, de esticar o real pela palavra.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho me colocado o desafio de realizar trabalhos conceituais ou nada que me faça ficar mergulhado em um tema ou enredo específico por muito tempo. A poesia vai acontecendo entremeada com a vida e com as coisas que me cercam, ela vai germinando pelo meio das coisas. Mas, depois que as primeiras palavras e ideias aparecem e começo a trabalhar em um texto, o comum é que eu leve uns dias alisando e acariciando aqueles rabiscos, me concentro na forma que o texto terá. Porém, quando não encontro a melhor forma para conduzir as palavras, deixo o texto de molho, deixo ele tomando tempo. Esse tempo é para ele e também, pra mim. É tempo para pensar e nessa espera, procuro estímulos que me ajudem. No final, dá tudo certo e encontro à saída em elementos nada previsíveis.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Entendo que o trabalho com a palavra e com a matéria poética, exige um cuidado com aquilo que se quer dar a ler e a ver. E como nada está pronto, o texto precisa ser elaborado, cultivado e a sua forma é definida no trabalho de entender a força e a potência das palavras. Equalizar essas energias, aparar arestas e excessos. Mexer no texto e revisar é parte do processo de criação e às vezes é muito difícil saber quando o poema está pronto. Por isso, mostro o que estou escrevendo para algumas pessoas próximas e queridas, que leem os poemas e me falam de suas impressões, me fazem sugestões e isso ajuda bastante. Esse é o momento que saio da solidão da escrita e ouço algumas vozes. Acho importante esse momento de compartilhamento para o acabamento final dos textos, pois é a visão de fora que muitas vezes me orienta a fazer a travessia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo em todos os lugares, na última página do livro que estou lendo, no bloco de notas do celular, no computador, no verso de um panfleto. Escrevo no suporte que tenho à mão quando vem uma ideia/imagem, depois organizo tudo no computador. O trabalho de verdade acontece no computador – os recortes, as colagens, a edição, a revisão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de todos os lugares, geralmente de onde menos se espera. Ultimamente tenho explorado mais os limites entre o visível/invisível, material/imaterial, um campo sensível que costumeiramente eu não acessava ou não pensava sobre. Mas, geralmente, o meu manancial de ideias está no cotidiano, na vida vivida e nos seus detalhes.
O habito que mantenho para estimular a criação é a leitura constante, associada ao consumo geral de arte – música, fotografia, cinema, etc.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A minha escrita mudou de acordo com as mudanças no meu modo de ver o mundo, a passagem do tempo, o acúmulo de experiências, as marcas no corpo e na memória. Nessa caminhada de vida/linguagem a poesia se tornou uma espécie de guia mística – devoção e subversão, abismo e salvação.
No início eu tinha mais força, velocidade, energia. Mas era uma potência que nem sempre acertava o alvo. Hoje, tento cadenciar mais as coisas, dizer de forma mais certeira sem tanta dispersão, concentrando a intensidade em um curto espaço para que o impacto seja maior.
Olhando para trás vejo que fiz o que poderia ter feito, era isso mesmo. Valorizo os aprendizados que tive, cada um no seu tempo, cada um na sintonia com a minha formação como ser, como humano. Ultimamente tenho me concentrado em desenvolver uma consciência mais profunda sobre a relação vida-linguagem-realidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Já fiz alguns trabalhos envolvendo poesia e sonoridades e alguns amigos já fizeram vídeos de poemas meus. Imagino que desenvolver um trabalho mais elaborado na conexão sonoridade e visualidade é algo que ainda quero desenvolver.
Existem muitos livros importantes que ainda não li. Mas, se eu conseguisse ler, pelo menos, os livros da minha biblioteca já ficaria satisfeito.