Decio Zylbersztajn é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Prefiro escrever o trabalho de ficção pela manhã, embora isto não seja uma regra inviolável. Costumo tomar café, checar os e-mails, jornais, pratico uma hora de tai-chi-chuan e depois me ponho a escrever até o início da tarde. No período da tarde produzo outros textos voltados para o meu blog, pequenos ensaios e faço leituras. Existem tantos textos interessantes para ler que o tempo se torna limitado. Quando estou totalmente envolvido com o texto, então as noites entram na rotina da escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como descrevi, a ficção flui melhor pela manhã. O melhor ritual para a preparação da escrita é a leitura, seja de outros autores ou a revisão do que eu venho produzindo. Não creio em rituais, e caso existam acabam por ser de cunho absolutamente pessoal. Ao invés de ritual, pensemos em rotinas que ajudam a organizar o tempo da escrita. Cada um desenvolve a sua.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tive metas de produção durante a minha vida acadêmica, hoje não mais. Escrevo diariamente sim, por necessidade ou compulsão, chame como desejar. Entretanto não tenho metas definidas, até pelo fato de que é difícil definir quando um parágrafo está pronto. Em geral eu reescrevo mais do que escrevo. As rotinas ajudam a ajustar a mente e o corpo. Elas representam as margens de segurança para as atividades humanas. Bons resultados podem até ser fruto do acaso, mas o acaso não será um bom companheiro para toda a vida. Prefiro acreditar que somos nós que criamos as condições para que resultados apareçam.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
As ideias amadurecem, ficam a girar dentro da mente do autor, incomodam tanto que são postas para fora. Eu passo das ideias amadurecidas para uma estrutura básica do texto. Não raro esta estrutura é ignorada ou alterada ao longo da escrita. Diferente do conceito de que o texto tenha vida própria, quem lhe confere vida é o autor e o leitor, principalmente o leitor.
A pesquisa existe quando necessária, mas não é o que me move. Se o texto exige, eu busco detalhes de cronologia, de espaço, de pontos que ajudam a dar verossimilhança ao texto. Não posso dizer que seja uma etapa da escrita, pois a pesquisa ocorre quando necessário. Não raras vezes busco ajuda. Por exemplo, na elaboração do romance O Filho de Osum tive a ajuda de uma babalorixá e também de dois conhecidos que vivem na Holanda. Nos dois casos recebi ajuda relevante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que seja a luta de toda a arte. Produzir é um ato desgastante, o corpo e a mente reclamam. Os seres que dividem a vida com você poderão reclamar da sua ausência. Ou seja, são obstáculos que emergirão ao longo do caminho. O medo de desagradar, de não ter chegado ao ponto desejado, das imperfeições do texto são naturais. Somos poços de imperfeições, e talvez seja este detalhe que confira humanidade aos nossos textos.
Ars longa vita brevis: todo projeto tem horizonte longo em face da efemeridade da vida, portanto nos resta escrever enquanto estamos por aqui.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos são mais revistos do que escritos. Recorro ao lugar comum, escrever é reescrever. Reescrevo inúmeras vezes. Tenho todas as versões dos capítulos e cenas armazenados nos arquivos. Neste processo é possível criar conexões entre capítulos, aperfeiçoar a trama, criar armadilhas e dar pistas para o leitor.
Quanto a compartilhar o texto, certamente é necessário. A partir de determinado momento ao longo da elaboração do livro, eu mostro o meu trabalho para algumas, poucas, pessoas. O olhar externo ajuda a identificar falhas que sempre existirão no texto mesmo depois que o meu editor e os revisores o tenham lido. Nós nos tornamos leitores viciados dos nossos textos, portanto um olhar externo é necessário.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Viva a tecnologia! Sim, eu utilizo o computador que agiliza o trabalho. Me ponho a pensar em como Cervantes, Elias Canetti, Dostoievski e Proust conseguiram produzir. Foram heróis da escrita que não tiveram acesso a ferramentas que hoje dispomos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A arte espelha a vida e vai além. Eu me lembro da minha vida acadêmica e da influência que recebi de um cientista genial que foi Ronald Coase. Ele, que morreu com 104 anos em plena atividade. Para os jovens pesquisadores que buscavam um problema para pesquisar, ele dizia: “Olhe ao seu redor e pergunte: o que está acontecendo aqui?”
O mesmo vale para a criação artística, ou seja, observe o mundo ao seu redor. As imperfeições que formos capazes de observar serão matéria prima para uma obra. No caso da literatura algumas vezes descobri depois da obra pronta que determinado personagem foi inspirado em alguém que conheci. Observar o mundo é a nossa principal fonte de temas, de perfis e de problemas humanos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que a leitura e a prática da escrita realimentam o processo criativo. Ler muito é essencial. O ato da leitura é mais nobre e mais criativo do que o próprio ato da escrita. Portanto, ler e escrever são atos essenciais para que autores e autoras avancem no processo criativo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de me engajar em projetos de formação de leitores. Acredito que motivar pessoas a ler é uma das maneiras de melhorar o quadro social que vivemos.