Deborah Goldemberg é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia tomando café e levando minha filha na escola. Não escrevo todos os dias, portanto não há rotina fixa. Quando estou escrevendo um romance, eu estabeleço uma rotina e, quando consigo, isso é bom.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tenho preferência pelo período da manhã, quando estou com a cabeça fresca e livre das interferências do dia, apesar de escrever textos mais densos e poéticos de noite. Não tenho ritual. Acho que a vida é o ritual, porque o escritor tem um olhar específico para a vida, uma forma de se relacionar com as pessoas, de ser impactado pelas experiências e de processar tudo isso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando eu estou escrevendo um romance, eu tento escrever todos os dias (inclusive nos fins de semana), porque ajuda a manter a constância e a familiaridade com o texto. Já tive meta de escrever 4-6 horas por dia (fiz isso durante um ano), mas esse romance não deu certo (por vários motivos). Ou seja, o processo criativo é muito amplo e o momento de escrita é apenas um fator que pode contribuir para o seu êxito. Quando escrevo crônicas é muito diferente, muito rápido. Em geral, quando estou tomada por uma ideia, me sento (a qualquer hora do dia) e escrevo em menos de duas horas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando faço pesquisa (nem sempre o faço e varia muito o quanto eu faço, quando faço, para cada gênero de escrita), há um momento em que me sinto pronta e daí eu começo a escrever. Não é difícil. O momento de ir para a escrita é quando eu tenho notas o bastante, mas nunca notas demais, porque vejo que isso pode soterrar a criação em si, tornando-a burocrática. Daí, eu abro um arquivo no Word e começo. “Notas”: entendo como anotações que podem ser dados, observações, sentimentos ou ideias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, acho que os escritores precisam ter uma confiança absoluta no seu potencial criativo. Porque há tudo isso mesmo… ansiedade, medo de não conseguir, fracassos, enfim. Acho que é só isso – desenvolver confiança, que é algo que se fortalece na medida que você tem textos do qual se orgulha e algum grau de reconhecimento. Todo o resto são subterfúgios. Essencialmente, há uma nudez gigante na literatura e é ter a certeza de saber habitar essa nudez que dá forças para superar isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu revisto bastante ao longo da escrita. Depois de “pronto” (texto completo), revisto ainda umas duas ou três vezes o texto inteiro. Conto ainda com os revisores, para fazer o “pente fino”, porque acho importante não ficar paralisado por ortografia ao escrever. Eu mostro para as pessoas apenas quando há uma versão completa da obra, nunca antes. Mesmo quando escrevo romance e fico um ou dois anos escrevendo, não mostro nada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tenho um diário desde os doze anos, escrito à mão. Anoto ideias e informações em papéis soltos ou no aplicativo notes no celular. No entanto, na hora de escrever, vou sempre para o computador. Em geral, sem música ou acesso à internet. Gosto de silêncio, de texturas orgânicas e pouca interferência.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu sou criativa e as ideias vêm o tempo todo. Busco apenas lapidá-las mantendo-me informada e lendo bastante sobre as grandes ideias e pensadores dos nossos tempos (e tempos passados!). Também, trocando ideias com contemporâneos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que fui acumulando mais consciência técnica do que estou fazendo, mas isso nem sempre foi bom. No início, minha escrita era muito intuitiva. Depois, particularmente depois que passei a dar oficinas literárias, fui ficando muito consciente de técnicas de escrita e isso afetou negativamente a minha potência narrativa, por exemplo. Hoje, tento manter o equilíbrio entre a intuição e a consciência crítica-técnica. Se eu pudesse voltar atrás, apenas caminharia com a certeza de que o que mais importa é a emoção e a intuição. E que os elementos técnicos são interessantes, mas precisam sempre ser incorporados ao texto a serviço disso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um romance sobre família, mas isso só vou fazer daqui a muitos anos. Eu gostaria de ler um livro que falasse sobre o momento em que o Brasil deixou de ser esse país triste e violento, em que o ódio racial e de classe pairam e a meta da ascensão social individual/familiar servem de diretrizes para os eleitores, para uma outra coisa. Eu gostaria que houvesse um livro que demonstrasse que transcender o legado da colonização valeria a pena para todos. A Revolução Burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes, é o que mais se aproxima disso, mas não é literatura.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu gosto de planejar, mas nem sempre o que planejo flui até o fim. Às vezes, parece até que se eu planejo demais eu “mato” a história. Em geral, se consigo planejar na medida correta (nem demais e nem de menos), vou avançando rumo a um norte que consigo vislumbrar, mas mantendo a inspiração e a criatividade. É um equilíbrio tênue.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Raramente escrevo duas coisas ao mesmo tempo. Gosto de focar em um trabalho só, que daí me absorve totalmente.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O escritor nasce na epifania da leitura, acredito. Quando você lê um livro que te fazer sentir aquela conexão total com a vida, como se aquilo fosse a experiência mais incrível do mundo. Daí, você se torna alguém apaixonado pela literatura. Me lembro de ter passado por isso na adolescência, em alguns dias que fiquei doente em casa lendo Thomas Hardy. O segundo passo é quando você começa a escrever e sentir o efeito da sua escrita nos outros. Pode ser em cartas ou bilhetes. Nesse momento, você vislumbra, “Ah, eu consigo fazer o mesmo com os outros…” Daí, como você já sabe que é a coisa mais incrível do mundo, você passa a se dedicar à escrita.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Não encontrei tantas dificuldades, porque minha vida é bastante atípica. Os escritores ingleses foram a minha base, por isso tendo ao romance, às histórias mais longas, mas o Brasil sempre foi a minha inspiração, então, acho que houve uma influência de estilo, mas diante de uma outra realidade. A outra grande influência é a tradição oral, escrita ou não. Isso é, vinda de escritores (poetas, em particular) ou de pessoas que conheci vida a fora que tem uma fala muito marcante (poetas da oralidade, do mundo tradicional). São os dois pólos de influência da minha escrita, eu diria. No Brasil, o outro autor que tem essa marca é Mário de Andrade.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Para sair do comum: 1) Inferno Verde, de Alberto Rangel (escrita de viagem, que aborda a realidade da vida na floresta amazônica, encontra-se apenas sem sebos, 2) Diários de Koch Grunberg (diários de viagem do etnógrafo linguista pela Amazônia, no início do Século XX, em que ele colhe mitos indígenas com um cuidado que jamais vi na vida, maravilhoso, encontra-se apenas em sebos, 3) Nébula, de Bobby Baq, poeta contemporâneo que gosto muito, que traz uma linguagem muito própria, um estranhamento conceitual e de linguagem que acrescenta (direto com o poeta).