Deborah Dornellas é escritora, jornalista e gosta de pintar e desenhar.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo dormir bem tarde, por isso em geral acordo depois das 10h. Minha rotina matinal varia, não é exatamente uma rotina. Normalmente cuido de tarefas domésticas, leio meus e-mails, dou uma olhada nas redes sociais. Como sou freeelancer e trabalho em casa, sou meio dona do meu tempo. Por incrível que pareça, isso às vezes atrapalha, porque acabo misturando as demandas profissionais e pessoais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se possível, prefiro trabalhar no início do meu dia, mas isso é meio caótico. Justamente porque passo longos períodos dormindo e acordando tarde. Se almoço em casa, o que acontece quase todo dia, acabo só conseguindo trabalhar mais para o final da tarde. E se tenho uma coisa ou outra para resolver fora de casa, perco o foco, e tenho dificuldade de retomar. Também trabalho à noite, depois das 22h, por aí, muitas vezes pela madrugada adentro, principalmente quando estou envolvida numa empreitada maior, como a escrita de um romance ou a edição de um texto. Gosto do silêncio das horas calmas para trabalhar. Escrevo, desenho, leio, pesquiso. Mas preciso revisar o que produzo no dia seguinte ou alguns dias depois.
Não tenho um ritual específico para começar a escrever. Mas gosto de ficar sozinha. Preciso de concentração. Trabalho no meu quarto, que tem um cantinho-escritório. Às vezes escrevo com a TV ligada, com o som em volume baixo. Isso não me atrapalha, mas se alguém me liga ou me chama, isso me dispersa. Se alguma ideia me ocorre do nada, em qualquer hora ou lugar, tenho que parar tudo e registrar, escrever a cena, o poema, o parágrafo ou pelo menos um mote, de onde possa seguir depois. Se eu não registrar na hora, a ideia passa e não consigo mais lembrar. Já tive que parar o carro uma vez, anos atrás, no acostamento da Rodovia Castelo Branco, para registrar um poema que veio praticamente inteiro. E tive que escrever à mão, porque ainda não havia celular na época. Hoje em dia, quando isso acontece, escrevo no celular e envio logo para o meu e-mail. Escrevi grande parte do meu romance assim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias. Não tenho disciplina para isso. Durmo tarde, acordo tarde, tenho ideias nas horas mais doidas, cuido de muitos assuntos ao mesmo tempo. Minha escrita começa caótica, mas a reescrita é bastante organizada. Aliás, escrever, para mim, é reescrever. Depois de uma primeira versão, reescrevo muitas vezes o mesmo trecho, até me satisfazer minimamente com o resultado. Completamente satisfeita a gente nunca fica, né? E isso é bom.
Não tenho meta de escrita diária, mas trabalho bem com prazos, que eu mesma estabeleço. Cacoete de jornalista e tradutora. O prazo obriga a gente a trabalhar no texto com alguma celeridade, mas sem descuidar ou se alongar além do necessário.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo não é sempre o mesmo. Depende do que estou escrevendo. No romance, a escrita foi muito fragmentada. As cenas vinham esparsas, sem cronologia. Eu registrava na hora, depois reescrevia muitas vezes. E me deu muito trabalho montar esse quebra-cabeça, quando tive que concluir o livro. Fiz umas três montagens até chegar à estrutura que considerei publicável. Esse livro nasceu assim e caminhou assim até sua conclusão. Editei trechos inteiros, incluí e cortei capítulos, mudei-os de posição muitas vezes, mesmo durante a diagramação e até depois da revisão. Um próximo livro pode não ser assim. Tomara que não seja! É muito trabalhoso. Com as publicações do Coletivo Literário Martelinho de Ouro, de que participo desde 2013 (publicamos quatro livros de contos e três fanzines), o processo costuma ser diferente: em geral produzo rápido e algumas vezes edito textos inéditos que eu já tinha escrito. Escrevo poesia com alguma regularidade e sem compromisso. Volto aos poemas depois, modifico, corto, às vezes deixo de lado. Se estiver montando um livro de poesia, reúno uma quantidade razoável de poemas que me dialoguem de alguma forma e esboço uma estrutura.
Em geral acumulo notas, cenas, textos soltos. O que faz diferença para mim quando vou iniciar qualquer projeto de escrita é ter pelo menos uma ideia do que eu pretendo fazer com aquele material. O que nem sempre acontece. Com os poemas eu lido de uma maneira mais tranquila. Com os contos, em geral a ideia do começo vem inteira, mas eu raramente sei aonde a história vai dar. E muitas vezes o rumo da narrativa pensado no início do texto muda completamente. Mudam o tom, o ritmo, o tipo de narrador etc. É assim que eu gosto. É um bom exercício para quem é controladora.
Gosto muito de pesquisar. Fui repórter por algum tempo, e isso a gente carrega para a vida. Sempre fui apaixonada por História, sou curiosa, gosto de conhecer coisas novas e de aprender. E hoje a gente acha tudo e mais um pouco nos sites de busca. Uma maravilha. Sou de uma geração que cresceu lendo enciclopédias, daquelas que se vendiam de porta em porta e ocupavam uma estante inteira, mas minha adaptação ao mundo virtual tem sido fácil e prazerosa. Gosto muito da tecnologia quando está a nosso serviço. Meu romance, que viaja entre dois continentes, não teria sido possível sem pesquisa, tanto em livros quanto na internet. Pesquisei informações, chequei datas e eventos, refiz trechos inteiros, até quase o final do processo de edição do texto. Transito com facilidade entre pesquisa e escrita, sem muitas regras.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Passo longos períodos escrevendo pouco, só registrando ideias, tomando notas. Mas quando quero concluir um trabalho, me agarro a ele até terminar. Não detecto exatamente travas na escrita, porque escrevo sem muita disciplina, me valendo bastante da intuição, das ideias repentinas. Quando vou sistematizar o texto, reescrever, editar, aí sim preciso me concentrar completamente. Se tenho dúvidas sobre o resultado que quero alcançar, procrastino. Na escrita do romance procrastinei um bocado, justamente porque tive muitas dúvidas sobre o desenvolvimento do enredo, a ordem dos capítulos, o ritmo, a pertinência do tema etc. Mas quando decidi que era hora de terminar, fiz um esforço concentrado e concluí a primeira versão. Já tinha passado cinco anos com aquela história, aqueles personagens, não queria mais continuar com eles. Eles precisavam sair da minha cabeça e interagir com o mundo lá fora.
Não sei se é assim com todo mundo, mas o temor de não corresponder às expectativas das pessoas – e a ansiedade de trabalhar em quaisquer projetos, sejam eles longos ou curtos – me acompanha todos os dias, esteja eu escrevendo ou não. É quase um departamento dentro da minha cabeça. E me incomoda. Mas se eu deixar que essa assombração tome conta do pedaço enquanto escrevo, ela pode sim me atrapalhar, ralentar a escrita, causar insegurança além da conta. Mesmo assim, felizmente, não é suficiente para me travar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso exaustivamente e edito todas as vezes que leio. Não consigo reler o texto sem mexer, mudar alguma coisa, mesmo que seja uma vírgula. Por isso, depois de ter o texto publicado, não leio mais o livro. Nem uma frase. Acharia com certeza uma porção de coisas que gostaria de modificar, de ter escrito diferente. Acho ótimo que outras pessoas leiam meus textos durante o processo de edição. Principalmente se for prosa longa. Com o romance foi assim. Doze pessoas leram a primeira versão completa. E foram leituras fundamentais. Depois das devolutivas, mudei algumas coisas no texto, corrigi imprecisões e informações, cortei palavras, frases, revisei o tom e o ritmo de algumas partes. Isso me deu mais segurança. Ainda mais que era meu primeiro romance. Também é bom ter quem leia os textos curtos, dê sugestões, corrija coisas que a gente não enxerga. É isso basicamente o que fazemos no Martelinho de Ouro, desamassamos os textos umas das outras, propomos pequenos reparos. É daí que vem o nome do Coletivo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador. Sou fã da tecnologia. Acho uma beleza ter tudo em meio eletrônico, disponível para ser reescrito. E faço meia-dúzia de backups de tudo. Tomo nota e faço rascunhos no bloco de notas do celular, que está sempre comigo, e no tablet, quando estou desenhando ou navegando. Quase não uso lápis/caneta e papel. Minha caligrafia, inclusive, virou um garrancho ininteligível, acho que por falta de treino. Escrevo em máquinas desde que ingressei na faculdade de Jornalismo, em 86. Na verdade, comecei bem antes, com máquinas manuais, catando milho, depois passei pelas elétricas até chegar aos PCs.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias podem vir de muitos lugares e situações. De programas de TV, músicas que ouço no rádio, conversas com meu marido, minha filha, amigos, de observar pessoas na rua. Mas ultimamente, têm vindo principalmente de leituras. Interrompo muitas leituras porque, no meio de um parágrafo, tenho uma ideia para escrever. Durante qualquer processo de escrita, começo e interrompo a leitura de muitos livros que tento ler, justamente porque a leitura me estimula. Foi assim com Lavoura Arcaica, por exemplo, que se tornou meu eterno livro de cabeceira desde 2013. É maravilhoso! Não conseguia ler duas páginas consecutivas sem parar para registrar uma ideia nova, um ou dois parágrafos. Resultado: fui e voltei muitas vezes e ainda não consegui ler o livro todo.
Não tenho hábitos específicos para me manter criativa, mas ler literatura me inspira e me move. Não saberia viver sem ler ficção e poesia. E leio muito menos do que quero e preciso. Nem se eu vivesse 200 anos leria o que há por aí e quero ler! Além de ler, faço desenhos digitais no tablet. Em alguns períodos, desenho todos os dias. Isso me relaxa e me tira um pouco do mental. E uma expressão puxa a outra.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou quase tudo. Minha porta de entrada para a escrita literária foi a poesia. Me arrisco na poesia desde sempre. Meu primeiro livro, Triz (In House, 2012), foi uma reunião de poemas, escritos ao longo de muitos anos. Há no livro poemas escritos nas décadas de 80 e 90, outros mais recentes, que eu costumava publicar no Facebook desde 2009. Aliás, a ideia de publicar os poemas um livro impresso partiu das pessoas que liam meus poemas na rede social. Eu não tinha pensado em publicar até então. Era uma coisa distante, parecia inatingível. Na verdade, na época, nem imaginava que poderia me tornar escritora. As coisas começaram a mudar quando entrei numa oficina de escrita do Marcelino Freire. Eu já tinha escrito uns contos, a maioria muito ruim, e foi nessa oficina que percebi que poderia escrever prosa. Nas aulas, conhecemos muitos autores brasileiros contemporâneos, treinamos possibilidades de texto, aprendemos a escolher palavras, editar frases etc. Foi uma descoberta para mim. Até hoje ouço as frases maravilhosas do Marcelino! Ensinamento para a vida toda. Depois de duas oficinas com ele, uma delas em parceria com o Luiz Brás (Nelson de Oliveira), ingressei na pós-graduação em Formação de Escritores do ISE-Vera Cruz e fui adiante. Hoje já consigo até dizer que sou escritora sem me sentir estranha. Mas ainda tenho muito chão para percorrer. Sou muito inquieta. Às vezes gosto disso, às vezes não.
Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria a mim mesma: “Deborah, isso tá muito ruim”. E completaria: “mas não desista, insista. Leia muito, viaje, passeie organize seu tempo e escreva sempre. De preferência todos os dias”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pretendo escrever outro romance logo. Peguei gosto pela coisa. E já tenho uma ideia. Mas ainda vai demorar bastante para dar a largada. Se eu mantiver essa ideia, o projeto vai me consumir um bom tempo de pesquisa, investimento, viagens. Estou muito animada. Mas antes disso quero concluir e publicar uma nova reunião de poemas, que já está em processo, e quem sabe juntar meus contos já publicados e mais alguns outros numa coletânea.
Neste momento não consigo pensar num livro que ainda não exista. Há muita coisa boa por aí. Quero é que me jogar na leitura do que já existe!
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não costumo planejar todo o projeto. Não sei fazer isso, porque sou meio caótica e um bocado indisciplinada com o uso do tempo. Quando surge uma ideia, espero que esta amadureça. O tempo de amadurecimento varia muito, de acordo com a complexidade do projeto, com minha disponibilidade de tempo etc. Mas meu ponto de partida em geral é um mote, uma faísca, um personagem, o desejo de falar sobre um assunto específico. Nem sei se chamaria de premissa, porque acho que uma premissa é uma instância mais elaborada, e, num primeiro momento, não elaboro nada. Deixo fluir, acreditando na minha intuição, nos meus sentidos e percepções. Costumo ruminar muito uma ideia antes de ir adiante.
Acho que o começo do livro é um desafio maior do que o final. Quando encontro um começo que me convença, fico feliz e aliviada. No caso de um romance, não escrevo os capítulos na ordem em que estes aparecerão no livro pronto. Mexo muito na estrutura do texto, mudo dezenas de vezes as cenas de lugar, troco a posição dos parágrafos, suprimo e acrescento trechos o tempo todo. Num dado momento, descubro que o início do livro está no terceiro ou no quarto capítulos, por exemplo. Algumas vezes, o que eu penso ser o início vem a ser o fim do livro. E vice-versa. Trabalho sempre nesse movimento, seja com contos, romance ou poemas. Edito o texto inúmeras vezes até que fique razoavelmente satisfeita com o resultado. Sempre tenho um punhado de versões, cópias de trabalho que eu vou atualizando. Na prosa, o final da história pode ser aberto, sugerir situações, mas o início precisa convidar o leitor para dentro do livro na primeira página.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não organizo. As demandas vão surgindo, e eu vou fazendo o que é preciso para resolvê-las. Não tenho disciplina para organizar o tempo. Carrego sempre uma agenda de papel, para anotar as tarefas e compromissos do dia a dia. Mas a dinâmica da minha escrita é muito particular. Quando tenho que concluir algum projeto, preciso de alguns dias de imersão quase total, sem interrupções. Claro que isso quase nunca é possível, por causa das demandas domésticas e do cotidiano etc., mas eu sempre tento.
Não consigo ter vários projetos de escrita ao mesmo tempo. Principalmente se estiver trabalhando num romance. Posso eventualmente trabalhar num projeto de poesia e num livro de contos ao mesmo tempo, mas, se algum destes projetos já estiver na fase da edição final do texto, tenho que me dedicar exclusivamente a ele até concluir e passar adiante, para os próximos passos da edição e publicação.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva é a palavra. Gosto de palavras, de seus sons, suas formas, da instâncias da linguagem, das possibilidades de expressão que a palavra nos dá. Quero estar sempre procurando caminhos de aproximação com as palavras, para criar intimidade com elas. É um desafio colocá-las juntas numa frase, escolher por onde e para onde ir em cada texto. Isso me fascina. Entrei na literatura pela porta generosa da poesia e continuo sendo alegremente contaminada pela linguagem poética. Também gosto muito de contar histórias, de vencer o desafio de desenvolver um texto narrativo em prosa, de trazer para o texto temas que me afligem, me interessam, me mobilizam. Mas a poesia está sempre me soprando caminhos.
Acho que decidi me dedicar para valer à escrita quando comecei a trabalhar meus textos para publicação, especialmente quando o Coletivo Literário Martelinho de Ouro, de que faço parte desde 2013, começou a publicar nossas coletâneas de contos. Foi um processo meio natural, gradativo. Esse processo só se consolidou mesmo quando concluí a escrita, editei, publiquei e lancei meu primeiro romance, Por cima do mar (Patuá, 2018).
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Descobrir e desenvolver um estilo próprio é bem difícil. Não sei se tenho um estilo pessoal de escrita. Pelo menos não é uma coisa consciente. Cada livro, cada texto é uma jornada diferente. Acho que meu estilo é mutante, embora perceba que meus textos em geral têm um jeito, uma voz. Acho que estou longe de ter um estilo marcante e marcado. Não saberia analisar isso com mais profundidade.
Emular autores e autoras que a gente lê e admira faz parte da brincadeira. Não tenho muita clareza de quem me influenciou ou não no estilo de escrita, mas tenho temas prediletos e presto muita atenção no manejo da linguagem. Certamente sou influenciada por muita gente que li e leio. Na adolescência, li reli muitos livros do Dalton Trevisan e me apaixonei pelo estilo dele. Tentei imitar algumas vezes, sem sucesso, claro. Mais adiante, na década de 1980, li tudo que havia da Adélia Prado. Percebo muita influência da poesia dela nos meus poemas, embora tenha lido poesia de vários autores e autoras antes e depois. Há alguns anos, Lavoura Arcaica passou a ser meu livro de cabeceira. É um manancial. Volto sempre lá. E nunca consegui concluir a leitura do romance, porque sempre interrompo a leitura para me escrever. É como se o livro fosse uma espécie de oráculo. Gosto muito da prosa do Lourenço Mutarelli, do Manoel Herzog, do Emir Rossoni, do Alberto Mussa, do Ondjaki, para citar alguns homens. Tenho lido bastante meus contemporâneos brasileiros e acho que sou influenciada por muitos deles e delas. Destaco algumas autoras vivas e atuantes cuja literatura me mobiliza: Conceição Evaristo, Ana Paula Tavares, Ana Maria Gonçalves, Lydia Davis, Michelliny Verunschk, Adriane Garcia, Bruna Mitrano, Simone Teodoro, Eliana Alves Cruz., Jarid Arraes, Cidinha da Silva. A lista é enorme!
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Vou recomendar seis:
Marrom e Amarelo, do Paulo Scott, um romance incrível, com uma prosa fluida, sem marcação gráfica nos diálogos e um narrador muito bem construído. Gosto da maneira como o autor tematiza o racismo e o colorismo, sem cair na armadilha do academicismo ou do texto meramente panfletário. Foi das minhas melhores leituras de 2019.
Um defeito de cor, livro indispensável da Ana Maria Gonçalves, que conta a longa história de Kehinde, uma jovem africana que veio escravizada para o Brasil e aqui acabou por participar do Levante dos Malês, na Bahia. Isso é apenas um dos aspectos desse livro maravilhoso. Gosto de tudo. É um portento.
Torto Arado, do Itamar Vieira Jr., que ganhou o Prêmio Leya 2018. É um romance de primeira grandeza, desses que já estão com lugar garantido na história da literatura brasileira. Bibiana e Belonísia, duas irmãs que vivem com a família no sertão da Bahia, em condições de semi-escravidão, contam sua história. Logo nas primeiras páginas, Bibiana narra um episódio que nos impacta e envolve de cara. Das melhores cenas que já li. É daqueles livros que a gente lê quase sem respirar.
Redemoinho em dia quente, da Jarid Arraes, uma coletânea de contos dessa autora, tão jovem quanto talentosa. Li de um fôlego só e já quero reler. São histórias passadas no sertão do Cariri, terra natal de Jarid. O que me chamou a atenção foi a dicção dos narradores, o cenário e a intimidade da autora com seu universo ficcional. Jarid é cordelista e tem uma vasta e reconhecida produção em poesia. Sua prosa já estreia com bons ventos.
Um Exu em Nova York, da Cidinha da Silva. Gosto de tudo que já li da Cidinha, uma escritora madura, que conhece bem seu ofício, excelente cronista e ficcionista. Esse livro me chamou a atenção por conta do trabalho com a linguagem e das referências a elementos da cultura popular brasileira de matriz africana. Sá Rainha, um dos contos do livro, é uma obra-prima.
O Sêmen do rinoceronte branco, da Cinthia Kriemler. Cinthia, com sua prosa forte de muita personalidade, é uma das autoras mais produtivas e importantes do atual cenário da literatura brasileira. Já foi finalista de vários prêmios, como Oceanos e Prêmio São Paulo. Esse livro, a ser lançado em fevereiro de 2020, pela Patuá, é uma coletânea de contos. Há muita coisa para falar desse livro, mas não quero dar spoiler.